quarta-feira, 23 de abril de 2025

Trairão, pequeno registro

 

Trecho da BR 163, Trairão/PA.

Traíra é peixe de escama. Comum em açudes, lagos e rios. É um bicho territorialista. Tal Batman, devota a escuridão. É considerado inadequado para piscicultura. Traíra ou trairagem nomeia modus operandi na cena política nacional.

Neste horizonte – abundante fauna -, entre outros, Eduardo Cunha, Arthur Lira e Michel Temer encarnam a excelência da espécie. Contudo, Trairão é uma pequena cidade na BR 163, no oeste do Pará. Longe de palácios, catedrais e carnavais. Mas, no caminho do Mato Grosso.

O município é um desdobramento da colonização espontânea nos anos de 1970. Apogeu da ditadura civil-militar. A cruzada fez a fortuna de poucos. Atividades no setor madeireiro, da agricultura, da pecuária e em garimpos conformam a história da cidade. O nome resulta de uma pesca no rio Itapacurá, quando um morador pescou um traíra de 40 quilos. Praticamente, um senador em terceiro mandato.  Assim explica o site oficial da prefeitura.

A cidade é entrecortada por inúmeras unidades de conservação. Como boa parte do estado, a fronteira encarna um quadrante de conflitos. Comenta-se que impera por estas lonjuras a tendência obscurantista e negacionista. Ainda hoje há gente que não toma vacina acreditando que vai virar jacaré. E, por falar no animal, ele nomeia um hotel e um balneário.

Reclame do balneário Jacaré. Ponto de parada dos ônibus. Fonte: T.C Esteves

Quando da ação conjunta de ruralista em prol da destruição da Amazônia, que ficou conhecida como Dia do Fogo, em agosto de 2019, Trairão integrou o consórcio de devotos pela piromania, que teve como epicentro a cidade de Novo Progreso, ainda no estado do Pará, na fronteira com o Mato Grosso. 

Ombrearam o transloucado gesto ruralistas das cidades de Itaituba, Altamira, Jacareacanga e São Félix do Xingu, este reconhecida pelo retumbante rebanho bovino. Há mais boi na cidade que gente. Nestas paragens, onde o quadrúpede abunda, ponteia desmatamento, violência e grilagem. A bandidagem é a ordem. Marcada a ferro e fogo.

O governo federal daquele contexto chancelava tais despautérios (Bozooesfera). O próprio ministro do meio ambiente declarou desconhecer Chico Mendes e que era chegada a hora de passar a boiada de baciada. Ele advogava a desregulamentação do setor ambiental em massa. Uma franco e generoso favorecimento ao capital. Pilares neoliberais ao estilo Haeyk, Tatcher e Reagan. Uma guerra contra o estado de bem estar social, a democracia e à sociedade.

Trairão é minado chão. Trata-se de um delicado espaço, agora mesmo acabaram de assassinar um dirigente camponês em Anapu. Um dia após a passagem do Massacre de Eldorado. Foi justo em Anapu que grileiros executaram a agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a missionária Dorothy Stang em 2005. Um senhora de mais de 70 anos, que media metro e meio.

Nestas distâncias tudo é puxado. A intercorrência do serviço de internet impediu a atualização do transcurso entre Santarém/Trairão a todo instante. No entanto, conseguimos alcançar o ermo lugar. O corre durou umas 7h. Rango em Rurópolis. Comida na BR é sempre um desafio. É onde os fracos não têm vez.

Buracos dominam a estrada. E, mesmo um afundamento grave em Santarém, ainda no perímetro da Floresta Nacional do Tapajós. Talvez provocado pelos rios. Teria sido um erro de cálculo de engenharia? Teriam desprezado a força das águas quando das chuvas? O Batalhão de Engenharia de Construção (BEC) do Exército tem sido o responsável pelo abacaxi desde remotas eras.

A mesma situação se repetirá na entrada de Rurópolis. Este é quase um patrimônio histórico. Um arremedo que reclama remendo a todo momento.  Ainda chove. O fluxo de carretas bitrem é intenso. O asfalto não resiste. Algum asfalto resiste ao intenso fluxo destes monstrengos?  

Em Trairão é comum os motoristas estacionarem os veículos na própria BR. Ocupam as duas vias. Fora da lei? Ah, Caetano, quando o império da lei triunfará em terras do Pará? Pelo andar da boiada, nem a COP ajudará. Barbada. Barbalhadas. 

Mata-se por muito. Mata-se por nada. Mata-se de fome, injustiças, miséria, faca, bala, desvios de verbas, malária e raiva. Até por derrota do Remo ou Paysandu. Melancolias ao tucupi com pitadas de areia. 

O busão lotado possui como destino final Porto Alegre, Bah! É feriado. Os espaços dos primeiros assentos são deveras acanhados. Viajamos bem apertados. Assim como o trecho da Transamazônica entre Rurópolis e Uruará, o que corresponde entre Rurópolis/Trairão, pela BR163, desconhece asfalto.

Parte da rodovia foi concedida para a Via Brasil. É o trecho menos ruim. A parte desprovida de calçamento torna a viagem mais lenta e perigosa. Na rodoviária de Rurópolis avistei uma sede de uma rádio comunitária. No século passado havia um pulsante movimento na Transamazônica. Era recorrente a PF lacrar as emissoras e tomar os equipamentos. Uma ação demandada pelas grandes corporações do País. Anos do governo do professor FHC.

Em Trairão impera um deserto de notícias. Não há rádio, TV, jornal, site ou blog. Assim reporta matéria da Agência Pública produzida por Rubens Valente e José Cícero, no fim do ano passado. Nesta latitude grupos de aplicativos de mensagens prosperam. Uma ação que gera um punhado de querelas pessoais, econômicas, amorosas e políticas. Tem gente sequelada no hospital e o algoz a usar tornozeleira. É poeira, é tiro, é  porrada e carretas a perder de vista.

Somente uma operadora de celular funciona a contento. Já imaginou se todas tivessem um bom desempenho? A depender da região do estado, sempre há variações. Nestes dias a cidade tem padecido de constantes quedas de energia elétrica. Uma rotina. Copiará os apagões de São Paulo?

Trairão é um traíra grande, o que contrasta com a miúda cidade, que beira a casa de 15 mil habitantes distribuídos em 12 mil km ², carentes de inúmeros serviços e os parcos que que possuem podem ser catalogados como precários. Na segunda feira de feriado não havia nenhum espaço de refeição ou lanche aberto. Oxalá o supermercado funcionava. Nele pegamos breja e água. Nesta ordem.  Um pastel de feira socorreu a broca.

Não há serviço de aplicativo de transporte. Todavia, três taxistas prestam o serviço. É fácil encontrar algum no local onde os ônibus param, assim como mototaxistas. Não há rodoviária.

Em peregrinações em busca de um rango foi possível avistar casas em morros. Impossível não lembrar favelas do Rio de Janeiro. As casas são grandes, onde impera uma arquitetura de madeira. Nestas andanças por entre as lonjuras deste mundão amazônico emerge uma interrogação: é plausível denominar/classificar tais aglomerados forjados a partir da força bruta do capital como cidades?

Na rodovia motoqueiros/as ignoram o uso de capacete. Lá pelas tantas, após mais uma queda de energia, uma carreta de festa cruzou o horizonte. Dessas carretas cheias de luz de led a executar pancadões.

Em tardes modorrentas, cães latem ao longe, enquanto moradores proseiam nas portas das casas.

Ah Gabriel Garcia Márquez, Ah Sérgio Leone e irmãos Coen.


2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom, grande mestre Rogério.

rogerio almeida disse...

salve!! já que a gente não ganha grana, a gente ajunta pequenas histórias do trecho...