Perto de 100 famílias foram expulsas da terra e perderam a produção, denunciam ativistas
Apesar da ausência e de assistência técnica e de financiamento, os agricultores conseguiam produzir
As populações tradicionais e que
vem insistentemente se formando ao longo do tempo no sudeste paraense vem
constantemente passando por dizimação e opressões, sem que as mesmas consigam o
mínimo de estruturação sustentável diante dos interesses do Estado e dos grupos
dominantes dos territórios (empresários urbanos, latifundiários e empresários do
ramo da mineração).
Por muito tempo um milhão e meio
de hectares de castanhais foram concentrados em poder de meia dúzia de famílias
que a partir da década de sessenta do século XX foram sendo repassados para
grupos agropecuários. Por força da luta pela terra durante o período que vai do
inicio da década de 80 ao final da década de 90 trabalhadores e trabalhadoras rurais
conquistaram parte desta área, contrariando a força hegemônica.
Na década de 80 o governo através
do GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins para tentar proteger
o Projeto Ferro Carajás assentou no seu entorno um contingente de mais ou menos
3.000 famílias, que a duras penas conseguiram desenvolver iniciativas produtivas
de bons rendimentos de produtos
agropecuários.
A partir do ano 2000 os
interesses da Vale em apropriar-se e fazer a extração dos bens minerais começa
atuar para além do perímetro da Floresta Nacional de Carajás e da Floresta
Nacional do Tapirapé Aquiri. Inicia a implantação do Projeto Sossêgo, para
extração do minério de cobre, em Canaã dos Carajás.
No mesmo período em que a Vale
desenvolve as atividades para implantação do Projeto Sossêgo, outro projeto
também consta na prioridade da empresa, o Projeto Níquel do Vermelho para
extração do minério de níquel, também no município de Canãa dos Carajás e próximo
ao Projeto Sossêgo. Como a empresa, em 2007, fez aquisição do Projeto Onça
Puma, em Ourilândia do Norte, para extração de níquel, o Projeto Níquel do
Vermelho nunca foi implantado.
Acobertada pelo Código de
Mineração, Art. 59 ficam sujeitas a
servidões do solo e subsolo para os fins de pesquisa ou lavra, não só a propriedade
onde se localiza jazida, como as limítrofes, a empresa através de compra de áreas de pequenos, médios e grandes
possíveis proprietários se apropria de uma enorme área no município de Canaã
dos Carajás.
Acontece que a maioria das áreas
abocanhadas pela empresa pertence à União porque até então as áreas não foram
tituladas em nome dos ocupantes, sendo parte significativa das terras do
Projeto de Assentamento Carajás II, criado pelo GETAT, na década de 80, como já
tratado acima.
As áreas que até a chegada da
Vale eram ocupadas por famílias de agricultoras que produziam em abundância
entre outros produtos, arroz, feijão, milho, mandioca, carne e leite, a empresa
após efetuar a compra das mesmas as concedeu para pecuaristas usá-las para
criação de gado. O que mostra uma enorme distancia entre o discurso e a prática
da empresa no que se refere à defesa do meio ambiente e respeito aos direitos
sociais das populações.
Em 14 e 15 de julho do ano de
2015 trabalhadores, trabalhadoras, filhos e filhas de trabalhadores e
trabalhadoras rurais, sufocados pelas dificuldades de sobrevivência no
município que ajudaram a construir e agora sendo apropriado por um único e
dominante interesse, o da mineração,
resolveram por ocupar parte das áreas concentradas pela Vale, como
alternativa para geração de renda e superação, em parte, de suas dificuldades.
Dois acampamentos foram formados,
o Planalto Serra Dourada (na VS 40) e o Grotão do Mutum (VP 12), com várias
ocupações dentro do perímetro das áreas pretendidas para serem retomadas pelas
famílias. Hoje são em torno de 600 famílias acampadas e mobilizadas pelos dois
acampamentos.
Imediatamente, logo após as
ocupações, a Vale ingressou com 26 pedidos de reintegração de posse, a partir
de informações prestadas pela sua milícia disfarçada de guardas florestais, que
consideraram como ocupação para qualquer pessoa que fosse encontrada em algum
lugar da área considerada como de propriedade da empresa. A juíza, substituta
da Comarca de Canaã dos Carajás, sem se preocupar em entender a realidade sobre
a questão agrária do município, concedeu, para todos os pedidos, liminar de
reintegração de posse.
As famílias continuaram nas áreas
dos acampamentos. A partir do inicio de outubro a maioria das famílias se
dedicaram em preparar áreas para implantar roças, para que em 2016 não viessem
a enfrentar dificuldades por falta de alimentos. Hoje são em torno de 400
hectares de terra ocupadas com o plantio de arroz, feijão, milho, mandioca,
maracujá, mamão, abóbora e hortaliças. Com uma produção de milho que poderá
chegar a um montante de 320 toneladas.
No dia 14 de janeiro o juiz Lauro
Fontes Junior da Comarca de Canaã decidiu por suspender a reintegração de posse
da área do acampamento Grotão do Mutum que estava prevista para aqueles dias,
por entender que no pedido da empresa não constavam elementos que comprovassem seu
direito de propriedade sobre as áreas. Isto faria com que a Tropa de Choque que
se encontrava em Marabá, vinda da capital do Estado, para cumprir outras
reintegrações não chegasse até Canaã.
Para surpresa de todos que vem
acompanhando a luta das famílias acampadas, no dia 1º de fevereiro(ontem), por
volta das 17 horas, chegaram no acampamento para mais de 50 homens da Tropa de
Choque do Comando de Missões Especiais e umas dezenas da milícia da Vale, para
executar o despejo das famílias acampadas no Grotão do Mutum. O comandante da
Policia chegou ao acampamento com o restabelecimento de uma Liminar de
Reintegração de Posse expedida no mês de julho. Este restabelecimento foi
assinado pelo juiz Lauro Fontes Junior em 29 de janeiro, voltando atrás de sua
decisão de 14 de janeiro.
O que surpreende também é que o
juiz expediu a ordem de despejo e saiu de férias, sem ao menos publicar tal
decisão, travando a informação para os defensores das famílias. O oficial de
justiça foi literalmente afastado das funções assumindo o seu papel o
comandante da tropa, que levou em mãos para conhecimento das famílias acampadas
a decisão do juiz. O que demonstra arbitrariedade.
Depois de muitas discussões provocadas
pelas advogadas da Comissão Pastoral da Terra, do presidente do STTR de Canaã e
dos(as) acampados(as), diante da intransigência e truculência de representantes
da Vale, durante a manhã de hoje(02), foi dado um prazo de 24 horas para
desocupação da área.
Com mais esta arbitrariedade
cometida pelo Estado do Pará, mais de cem famílias perdem suas moradias e
plantações, e a população do município perde a produção que poderia chegar até
suas mesas. Famílias que até poucos dias sonhavam com fartura em suas mesas
para este ano voltam para a amargura provocada pela Vale na região sudeste do
Pará, com a apropriação das terras agricultáveis tornando-as improdutivas. Fica
a certeza de que o poder econômico destrói as vidas dos despossuídos de forma
impiedosa e brutal.
Em Carajás a mineração é tragédia!
Mariana também é aqui!
Marabá, 02 de fevereiro de 2015.CEPASP- Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular
STTRC – Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Canaã dos Carajás