quarta-feira, 13 de maio de 2020

Grandes projetos e conflitos com populações tradicionais: livro é disponibilizado pela UFAM


 Livro com mais de 70 pesquisadores analisa situações de tensões nas Américas do Sul, Central, África e Índia. 



Perto de 70 pesquisadores/as de diferentes formações e países assinam artigos que buscam interpretar situações de conflitos entre grandes corporações de variadas matizes e as populações tradicionais nas Américas do Sul e Central, África e Índia, no volumoso livro Território, Cultura e Pueblos: megaprojetos, atos do Estado, Povos e Comunidades Tradicionais, disponibilizado no fim do mês passado no site do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, da  Universidade Federal da Amazônia (UFAM).

A obra com pouco mais de 700 páginas resulta do “II Seminário Internacional Megaprojetos, Atos de Estado, Povos e Comunidades Tradicionais”, realizado em outubro de 2018, na Universidade Autônoma do Ocidente, em Cali, Colômbia.

O livro homenageia o líder quilombola e defensor do direitos humanos Temístocles Machado Renteria, assassinado em 2018, aos 59 anos. A obra ilumina sobre a conjuntura da Amazônia brasileira, de países vizinhos e coirmãos de outros continentes. Em comum, todos são países da periferia do capitalismo. Estes marcados pela racionalidade econômica baseada em grandes projetos de mineração, agronegócios e obras de infraestrutura. 

Trata-se de projetos mediados ou induzidos pelo Estado, com vistas a acessar as riquezas naturais, e promover a expropriação das populações tradicionais, que tem tido como consequências, a mobilização destas a edificarem formas de estratégias e táticas de resistências.  

No caso amazônico, entre as inúmeras situações de tensões, constam artigos sobre a Base de Lançamento de Foguetes de Alcântara, no estado do Maranhão, que o governo federal, a partir de uma associação com o governo estadunidense de Trump, visa a promover outra expropriação de populações aquilombadas. No mesmo estado há registros sobre a comunidade de Cajueiro, ameaçada pelo capital Chinês, por conta de empreendimento portuário.

As populações quilombolas da região do Trombetas, no oeste do Pará, também são analisadas, por conta de projetos de infraestrutura voltados para atender o grande capital mundializado. Desde os anos de 1980 do século passado elas enfrentam problemas por conta da mineração da bauxita protagonizada pela Mineração Rio do Norte (MRN), atualmente sobre o controle da norueguesa Norsk Hidro. 

A mineração em Carajás, no sudeste paraense, iniciada no mesmo período da região do Trombetas, quando a Vale ainda era estatal, também é abordada na obra, quando a economia acreditava que a efetivação de polos de desenvolvimento (energia, mineração, madeira e pecuária) iria dinamizar a economia regional. 

Nos dias atuais, os especialistas hegemônicos depositam as suas fichas na implantação de Eixos de Integração e Desenvolvimento (EIDs), onde os corredores de circulação de mercadorias possuem papel central, a exemplo do Arco Norte, que impactará o Baixo Amazonas paraense, com projetos de grandes hidroelétricas, hidrovia, rodovia e ferrovia, além de complexos portuários. 

No conjunto do livro, campesinos, indígenas e quilombolas representam o centro de gravidade das situações de tensões entre o grande capital e as populações tradicionais.

A coordenação da iniciativa coube aos experimentados professores Alfredo Wagner Berno de Almeida (UFAM), Rosa Acevedo Marin (UFPA) e de Jesús Alfonso Lópes, da Universidad Autonoma do Occidente (Colômbia). A Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e a Universidade Autonoma do Occidente

“O temor de novos danos e perdas além do que já foi perdido semeia o pânico entre as famílias atingidas nestas situações mencionadas, que há pelo menos três ou quatro décadas padecem, aguardando os anunciados términos das obras” realça o professor Alfredo Wagner, em texto de apresentação.

Nesta complexa sociodiversidade contemplada no livro são tratados: comunidades afro-colombianas, palenques e raizales (Colômbia); quebradeiras de côco babaçu, seringueiros, castanheiros, quilombolas, piaçabeiros, peconheiros, vazanteiros e ribeirinhos (Brasil); povos Kokama e Tikuna (Colômbia, Peru, Brasil); Endorois, Camba e Turkana (Quênia); comunidades quilombolas (Brasil); povos de Narmada (Índia) e povos Gavião e Guajajara (Brasil), dentre outros.

Baixe a obra AQUI





segunda-feira, 11 de maio de 2020

Padre Josimo: há 34 anos o agente da CPT era assassinado em Imperatriz/MA


O padre negro do Bico do Papagaio era conhecido pela perseverança e uso de sandálias surradas

Padre Josimo,, morto quando somava apenas 33 anos. Foto: internet

Ricardo Rezende*

Em 10 de maio de 1986, padre Josimo Moraes foi assassinado em Imperatriz, Maranhão, por Geraldo Rodrigues da Costa, contratado pelo interesse do latifúndio.

A União Democrática Ruralista - UDR - tinha sido criada. Seu presidente era Ronaldo Caiado. 
A organização promovia leilões de gado, ameaçava os camponeses, e eram criadas as milícias armadas a serviço dos grandes proprietários. Em Goiânia, a Solução, coordenada por coronéis, em Cuiabá, a Sapucam. Em Marabá, o grupo mais importante de pistoleiro era coordenado por Sebastião da Terezona.
Caiado, após o assassinato do jovem sacerdote disse para a imprensa: "Quem planta vento, colhe tempestade". Criminalizar a vítima era e tem sido uma prática comum neste país da casa grande.

O pistoleiro tinha tentado matar Josimo em abril de 1986 com diversos tiros contra o carro que ele dirigia. Sobreviveu. Estivemos no final de abril, cinco bispos e eu, em Brasília com o presidente Sarney. Informamos o atentado e os riscos que continuava a correr. Apesar da promessa de protegê-lo, nada foi feito. Dez dias depois, subindo as escadas do prédio onde funcionava a CPT do Bico do Papagaio, em Imperatriz, com cópias do poema Páscoa Paz que havia escrito, foi alvejado pelas costas.

Em reunião na diocese de Tocantinópolis, poucos dias antes o clero e o bispo sugeriram que ele saísse da região. Josimo disse que não o faria, pois os trabalhadores rurais, também ameaçados, não podiam sair, e que ele não tinha ninguém para chorar por ele: nem esposa ou filhos. Tinha a mãe, dona Olinda, e sabia que cuidariam dela. Foi seu testamento espiritual.


Mas em um aspecto ele errou. Quando o corpo foi levado para Tocantinópolis, chegavam caminhões de lavradores de toda a região. Homens e mulheres vinham em prantos... choravam certamente por Josimo, mas também por si próprios e o tiro nos atingia a todos.

Domingo era dia das mães. No sábado à noite, o corpo de Josimo foi, por insistência minha e de frei Henri, transferido do salão paroquial onde estava para a catedral de Tocantinópolis. A igreja estava preparada para as celebrações voltadas para a festa das mães. Mas o corpo estava em frente ao altar. Era um grito que irrompia, uma denúncia que apontava os crimes do latifúndio, da ausência de uma política pública adequada, da ausência da Reforma Agrária prevista na lei do país e não executada.

Na celebração de despedida do corpo, a catedral era pequena para conter toda a gente que chegava das dioceses e de outras regiões do país. Entre os presentes, além dos amigos camponeses, padres e agentes de pastoral, o ministro da Reforma Agrária, Nelson Ribeiro, que tantas vezes havia recebido lavradores e o próprio Josimo em sua sala.
O ministro remava inutilmente conta a corrente. Sarney, o presidente, o utilizava para amortecer as pressões e não dava seguimento aos processos de desapropriação. As pilhas de processo se acumulavam no Palácio de Planalto e não eram assinadas. A emoção era grande, todos choravam: os bispos, que celebravam, os fiéis e o próprio ministro.
A caminho do cemitério, Pedro Tierra, pediu ao ministro que renunciasse. Eu já havia dito isso ao próprio ministro logo após audiência com o presidente. O presidente não confiava nele, mas nos chefe da Casa Civil.
Poucos dias depois, Nelson Ribeiro renunciou...

Geraldo, o pistoleiro, foi condenado em 1997 e morreu na prisão. Foram condenados, no mesmo ano, como mandantes, Geraldo Vieira, seu filho Adailson, e Guiomar Teodoro Filho.
É professor da UFRJ, na época era agente da CPT em Conceição do Araguaia/PA.