FOTO- divulgação do Coletivo Rádio Cipó
Há cidades na Amazônia. Ao contrário da perspectiva exuberante dos que percebem a região. Uma delas, Belém, soma mais de um milhão e meio de habitantes, cresce de costas para o rio. A cidade que é quase uma ilha coleciona favelas. Os espigões proliferam por toda parte, como o mercado informal. O cimento sufoca furos, igarapés e rios em Santa Maria do Grão do Pará, nome de batismo da capital paraense.
Não há emprego para todos. A cidade é para todos?
Os condomínios verticais ou não despontam como signos da tragédia social que conforma o país. A cidade se avoluma descoberta de saneamento básico, desprovida de transporte coletivo digno, sob um calor escaldante, sufocada em engarrafamentos.
Ela é negra, índia, branca e mestiça. Inóspita para a maioria dos filhos seus. Nela os canais proliferam, assim como as gangues e a venda de balas e picolés e a mendicância nos coletivos. É a mais barulhenta da nação.
A polícia é a presença mais constante do Estado nas quebradas, numa dessas, à Rua Álvaro Adolfo, no bairro da Pedreira, renomado pela sua boemia, abrigo de inúmeras manifestações populares germinou Coletivo Rádio Cipó.O balaio de animação cultural agrupa gente jovem e outros não tão jovens assim. A rua que é considerada celeiro de artistas, abriga uma série de grupos de carimbó.
Lá Ruy Montalvão e Carlinhos Vas encontraram D. Onete. A professora aposentada é compositora e cantora, venceu vários festivais de carimbo no estado. Mestre Bereco é outro carimbozeiro do grupo, que ainda tem o mais veterano roqueiro do Brasil, mestre Laurentino, 82 anos de praia.
O Coletivo se auto-define como um núcleo de produção de mídia sonora aliado à tecnologia de áudio digital caseira na produção de pesquisas sonoras experimentais com o objetivo de divulgar essa produção para o Brasil e no exterior. Dão seiva ao grupo MC RatoBoy (vocal), MC Jamant (vocal), Renato Chalu (guitarra), Jarede das Arabias (baixo e guitarra) e Luís Bolla (percussões), Carlinhos Vas, Mestre Laurentino e Dona Onete.
Primeiros passos
O vocalista Ruy Montalvão, “RatoBoy”, explica que a gênese de tudo se encontra no fim da década de 1990, quando o mesmo militava na banda autoral Manga Beso, ao lado de outros músicos como Carlinhos Vas, Vlad Cunha, Bernardo e Márcio Maués.
“Fervilhava o festival “Rock das 6h” na cidade e a banda iria se apresentar pela primeira vez num palco com estrutura. Ná Figueredo, conhecido animador cultural em Belém nos chamou e pediu para que um senhor, mestre Laurentino, abrisse o show da banda. Apelou que o coroa fazia um som bacana na gaita harmônica. O grupo topou e seu Laurentino caiu na graça de todos”, recorda Montalvão.
Se é necessário sorte na vida e estar num lugar certo e na hora certa, seu Laurentino foi laureado por ela. Hermano Vianna, doutor em antropologia, pesquisador na área de música e coordenador do site Overmundo, se encontrava no espetáculo. O irmão do Herbert Vianna, vocalista da banda Paralamas do Sucesso, observava o show visando. O intento do pesquisador era garimpar artistas locais para integrar a iniciativa Música do Brasil, e convidou Laurentino para o projeto. Foi a janela para o mestre ser conhecido em território nacional.
O som do Coletivo mescla a musicalidade regional com batidas eletrônicas. Soa hip hop desprovido de chatice e repetição. A sonoridade que nasceu na quebrada amazônica com ensaios realizados nas ruas do próprio bairro já ganhou o país. A via foi a divulgação através da rede mundial de computadores tanto das faixas do primeiro CD, Formigando na calçada do Brasil, lançado este ano pelo selo Ná Records, como através de videoclipes.
Uma outra possibilidade de visibilidade do trabalho do grupo é a participação em festivais considerados alternativos que pipocam em todo o país, como uma afirmação que se pode produzir sem a mediação de grandes corporações do mercado fonográfico, a cada dia mais esquálido. Assim o grupo já foi aclamado em São Paulo, Rio de Janeiro Goiás, Pernambuco e Brasília.
As músicas da Rádio Cipó impregnadas da influência do rock, dubby e ragga muffy estão postadas no site da gravadora Trama e mantém o próprio site, www.coletivoradiocipo.org. O projeto mais ambicioso do Coletivo é a produção do registro da obra do mestre Laurentino em várias mídias: DVD, CD e livro.