A luta empreendida por grupos familiares, representados na Associação de Remanescentes de Quilombo do Rio Gurupá (ARQUIG), pela permanência no território localizado entre o rio Arari e o rio Gurupá, município de Cachoeira do Arari, na região do Marajó, perfaz vários momentos e processos conflituosos.
Um deles diz respeito ao desmatamento e retirada de areia na área da cabeceira do rio Gurupá.
O presente documenta denuncia a retirada de madeira e areia da área das nascentes do rio Gurupá e seu afluente principal, o igarapé Aracaju, onde residem cerca de 22 famílias.
O desmatamento, assim como a retirada de areia tem vários anos e se intensifica prolongando-se até os dias presentes (09-01-09). A madeira e a areia abastecem o comércio da cidade de Cachoeira do Arari e nas localidades de Retiro Grande, Camará e Umarizal no mesmo município, e se estende até o município de Salvaterra.
Como se não bastassem terem os quilombolas do rio Arari e do Gurupá de enfrentar fazendeiros, pistoleiros que os proíbem de terem acesso aos lagos para pescar, agora vêem a única área onde podem se locomover livremente ser devastada pela extração ilegal de madeira e areia.
O fato provoca a preocupação dos quilombolas. A denúncia e a solicitação de intervenção dos órgãos ambientais do Estado do Pará são feitas pelos membros da ARQUIG,- representado pelo Senhor Osvaldo Batista.
Exploração de madeira e extração ilegal nas cabeceiras dos rios Gurupá
A estiagem, entre os meses de agosto a dezembro compreende o período em que se intensifica a retirada de madeira e areia das cabeceiras do rio Gurupá e do rio Aracaju. Uma área que corresponde o campo do Campestre situado entre a cabeceira do rio Gurupá e a do igarapé Aracaju.
Nesta fase do ano turmas de trabalhadores são contratadas pelos donos de caminhão para retirar areia de forma manual. A operação de retirada da areia tem criado outra paisagem, conforme demonstra a figura abaixo. O areial esta a menos de um quilometro da cabeceira do rio Gurupá e igarapé Aracaju onde se forma o campo do Campestre, um campo natural, como reconhecem os quilombolas.
As estradas servem para retirada da madeira e os caminhões de areia. É importante ressaltar que o desmatamento na área do povoado do Caracará é antigo e com o esgotamento da madeira eles têm passado a retirar com maior intensidade na direção do rio Gurupá.
Essa intensificação do desmatamento entre a fronteira entre Caracará e Gurupá observa-se com maior afinco com a luta pela titulação que introduziu a ARQUIG, trata-se de um território etnicamente configurado.
Este representa uma evidencia etnográfica de formas de ocupação e dos sistemas de organização econômica e social realizadas desde o igarapé Murutucu até o Gurupá Mirim e, subindo pelo rio Gurupá, em relação a cabeceira e ao igarapé Aracaju, afluente deste pela margem esquerda.
Quem retira a madeira das cabeceiras do rio Gurupá
A cabeceira do rio Gurupá é rica em madeiras que permaneceram intocadas até três anos atrás. Maçaranduba, cupiuba, jarana, pariquara, loro, amapá, quaruba, angelim são as espécies mais freqüentes que agora estão no chão por obra destas pessoas que invadem as terras de Gurupá.
A retirada da madeira do rio Gurupá está sendo realizada tanto por pessoas da cidade quanto por moradores de Caracará e Soledade, comunidades vizinhas. Segundo o senhor Osvaldo Batista, “na cidade, a exploração tem no comando o Sr. Eliézer que disponibiliza caminhão para o transporte. Os caminhões vêm pela estrada, entram no mato, tombam o pau, depois serram. Quando já tem o suficiente, levam pro caminhão. Isso dura o dia inteiro.”
A atividade começa pela manhã bem cedo e se prolonga até o final dia, pois “os operadores de motosserras trabalham por diária”, diz Julio Tadeu Moraes, membro da Associação Quilombola.
Em Caracará a principal atividade é a extração madeireira. Mas quem não dispõe de caminhão ou trator pratica a retirada da madeira com a ajuda de carroça, puxada por animais.
A retirada envolve trator, segundo o Sr. Osvaldo, “Utilizam trator tanto para abrir a estrada pro caminhão entrar, quanto pra puxar as toras das madeiras. O trator e o caminhão são de propriedade de Dilécio que tem vários homens trabalhando na retirada da madeira e na serragem.
Osvaldo informa que os outros que não tem caminhão ou trator, tira por conta própria e utiliza o boi pra puxar a madeira, como o Carlito e o Dedeco, que é o operador da motosserra.
A madeira retirada por moradores de Caracará pode representar carregamento para cinco ou mais caminhões que saem da fronteira entre cabeceira do rio Gurupá e igarapé Aracaju. Em noites de luar os trabalhadores continuam a trabalhar. Somente páram na época de chuva, pois o ramal não permite o transito dos caminhões.
Na foto, abaixo, mostra-se o ramal no mês de dezembro quando se constatou a intensificação do transito de caminhões carregando areia e madeira. A estrada está coberta de areia para evitar o deslizamento dos veículos.
Inflexões derradeiras
O corte e a exploração ilegal de madeira por parte de homens de Caracará e de Cachoeira do Arari, a serviço de donos de caminhão estão penetrando na fronteira do território quilombola situado entre os rios Arari e Gurupá, destruindo reservas de espécies madeireiras que os quilombolas têm preservado.
A exploração ilegal de areia está destruindo as cabeceiras do rio Gurupá e do igarapé Aracaju. Ainda, na terra sem a cobertura vegetal aumenta a erosão, acelerada pela lixiviação do terreno. Ainda a areia está se depositando no fundo do rio e do igarapé.
Com a destruição do igarapé Aracaju e do rio Gurupá perdem-se recursos naturais que são a fonte de alimentação de aproximadamente 800 pessoas que moram no entorno dessa bacia e dependem da pesca, dos frutos, das palmeiras.
O mais grave é que é destes rios que a populaçao retira a água para uso doméstico e por onde circulam.
Reivindicações
A ARQUIG dirige-se às autoridades dos órgãos públicos estaduais e federais abaixo mencionados:
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA)
Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA)
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
Ministério Público Federal - MPF
Ouvidoria Agrária do Estado do Pará
Fundação Cultural Palmares
Ministério do Meio Ambiente
Para exigir medidas para interromper essa destruição do meio ambiente. Trata-se de uma destruição premeditada, pois em diversas oportunidades a ARQUIG tem solicitado que essa exploração da madeira e da areia seja detida.
A ARQUIG reinvidica que as autoridades a quem compete velar pelo bem-estar dos cidadãos, pela proteção do meio ambiente tomem medidas definitivas para interromper esse desastre ecológico.
Eliana Teles-historiadora e pesquisadora/UFPA.