A defesa ocorreu a partir de portal da universidade, e foi marcada pela inclusão de sujeitos históricos da luta pela terra nos 1980, numa licença humana e poética ao protocolo do rito.
Manifestação pela passagem do assassinato de Gringo. Fonte: internet.
Raimundo
Ferreira Lima, mais conhecido como “Gringo” foi executado por pistoleiros em
maio de 1980, quando somava apenas 43 anos, em São Geraldo do Araguaia, sudeste
paraense. Além de sindicalista em Conceição do Araguaia, Lima era agente da Comissão
Pastoral da Terra (CPT).
Gringo
foi o primeiro dirigente sindical assassinado na região marcada pela aguda de
disputa pela terra no sudeste e sul do estado do Pará. Trata-se da região mais
violenta do país no que tange à luta pela terra. Após Gringo foram executados
Expedito Ribeiro e alguns membros da família Canuto. Ainda hoje a matança não
cessou.
Os
anos da década de 1980 são considerados os mais violentos nas margens dos rios
Araguaia-Tocantins. Anos da criação da União Democrática Ruralista (UDR), braço
armado dos ruralistas.
A
organização foi articulada pelo médico e ruralista Ronaldo Caiado. Hoje,
novamente, governador do estado do Goiás. A UDR assina inúmeras ações de
violência que ceifaram a vida de posseiros, sindicalistas, agentes pastorais,
advogados e dirigentes sindicais.
Neste
processo de coerção em oposição à luta pela terra camponesa somam militares de todas as estirpes e patentes, das
forças armadas, relevo ao Exército, e as policias civil e militar.
Naqueles
tempos o ambiente era tomado pela doutrina da segurança nacional. Tensão
agudizada por conta do episodio da Guerrilha do Araguaia. A militarização
imperava, em particular com a presença do Exército – inúmeros quartéis povoam a
região -, cujo representante maior era o major Curió.
Voltando
ao caso do Gringo, o principal suspeito pelo sequestro e execução do
sindicalista, ocorrido em São Geraldo do Araguaia, quando o mesmo retornava de
evento em São Paulo, recai sobre o fazendeiro Neif Murad, relata uma das
edições do boletim Grito da PA 150.
A
formação de consórcio por parte dos ruralistas para eliminar os seus
adversários, assim como hoje, era recorrente. E, ainda as listas de pessoas
ameaçadas pelos fazendeiros e políticos da região. No caso de Gringo, suspeitas
recaiam também sobre o então deputado estadual, o médico e pecuarista Giovanni
Corrêa Queiroz, natural de Minas Gerais. O mineiro, desde sempre, integrou a
“bancada do boi”.
Mais
tarde a viúva, Maria Oneide Costa Lima, e outros agentes pastorais, após o
assassinato do sindicalista, passaram a receber ameaças, e cartas anônimas
colocadas sob a porta da casa pastoral, e ameaças de servidores do Grupo
Executivo de Terra do Araguaia Tocantins (Getat), como alerta a edição de nº 27
do Grito da PA-150. O nome de Gringo hoje nomeia uma escola pública em São
Geraldo do Araguaia e o caso sobre a sua execução nunca foi a julgamento.
Gringo e D. Oneide. Fonte: internet.
O
boletim ressalta ainda um episódio considerado um dos mais violentos contra os
religiosos engajados na luta junto aos posseiros. No dia 31 do mês de agosto a
Polícia Federal prendeu 13 posseiros do município de São Geraldo do Araguaia e
os padres franceses Aristides Camilo e Francisco Goriou sob a acusação de incitação
à desobediência civil. “Tudo indica que o ministro da Justiça Ibrahim
Abi-Ackel, com base no inquérito realizado pela Polícia Federal e instruído
pelo Departamento Federal de Justiça, avaliou que a presença dos religiosos é
“nociva” aos interesses e segurança nacionais, e sugeriu a expulsão de ambos”.
Ativistas
da época contam que a prisão dos religiosos provocou uma grande mobilização.
Consta no rol de atos realizados pela soltura dos mesmos ocupar a procissão do
Círio de Nazaré com faixas e cartazes pedindo a soltura dos missionários.
Prender e torturar fazia parte do modus
operandi dos agentes do regime. Na década de 1970, quando a agenda residia
em sufocar a Guerrilha do Araguaia, o padre Roberto de Valicourt passou por
experiência semelhante.
Tem-se
neste contexto o papel autoritário do Estado, e associação do mesmo com frações
de classe do país e o grande capital nacional e internacional na apropriação de
vastas extensões de terra na Amazônia. Bancos Econômico, Bradesco, Bamerindus e
a empresa Volkswagen figuram como alguns beneficiários. Além de várias famílias
das elites do Centro Sul do país. Muitas presentes na região, ainda hoje. A animar
novos conflitos.
Outras
violências se sucederam no decorrer destas quatro décadas. Inúmeras execuções
de dirigentes se espraiaram por todo o território do Pará. No rol, consta a execução
da missionária Dorothy Stang, em 2005, no município de Anapu, a sudoeste
paraense. Antes precedido pelo Massacre de Eldorado do Carajás, em 1996.
MOMENTO
HISTÓRICO - No derradeiro dia do mês de abril de 2020, quando
o Massacre de Eldorado de Carajás soma quase um quarto de século e a execução
de Gringo 40 anos, um momento histórico transcorre com a mediação da Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), no Programa de Pós Graduação em
Dinâmicas Territoriais.
A banca examinadora e Alex Lima. Canto superior esquerdo prof Airton, superior direito Alex Lima (com foto de Gringo ao fundo), canto inferior esquerdo, profª Edma e o prof Ricardo Rezende.
Alex Costa Lima, sociólogo,
filho de Gringo, professor em São Geraldo do Araguaia apresenta a dissertação Padres Posseiros de São Geraldo do
Araguaia: o Caso de Cajueiro, sob a orientação do professor Airton Pereira
(UEPA), e tendo como examinadores o professor da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Ricardo Rezende e a professora Edma Moreira (Unifesspa).
Quando da morte do pai,
Alex Lima contabilizava somente nove meses de idade. Era o caçula de seis
irmãos. Naquele momento Rezende era agente da CPT em Conceição do Araguaia nos
tensos anos da década de 1980. O professor Airton também foi agente da CPT,
décadas depois, na cidade de Marabá.
O trabalho de Lima buscou
iluminar a partir do estudo de caso da luta pela terra no Castanhal de
Cajueiro, o papel de frações da Igreja Católica junto aos posseiros. Além dos arquivos da CPT de Xinguara, o
professor fez uso do arquivo da família e de relatos de antigos funcionários do
INCRA, leigos e padres, posseiros e outros sujeitos daquele contexto.
Professor Alex Lima. Fonte: facebook
Para o pesquisador a
luta pela terra em Cajueiro, bem como pelo projeto de desenvolvimento a partir
do protagonismo dos posseiros, o modo de uso das riquezas da região representou
um momento de resistência contra a ditadura civil-militar, e pela radicalização
da democracia.
No percurso do trabalho
divido em quatro capítulos Lima realça a relevância do MLPA – Movimento de Libertação
dos Presos do Araguaia – que aglutinou vários segmentos de diferentes correntes
ideológicas, que mobilizaram ações no Brasil, na França e no Vaticano.
40 anos se passaram do
assassinato de Gringo. Em certa medida o posseiro da fronteira conseguiu se
territorializar nas plagas do sul e sudeste do Pará. Hoje os projetos de
assentamentos rurais controlam mais 50% do todo o território da região.
O posseiro, em certa
medida foi reconhecido pelo Estado. Ganhou status de assentado da reforma
agrária. Logrou êxito em acessar alguns direitos garantidos na Carta Magna, nem que para isso tivesse que romper a cerca do latifúndio.
O reconhecimento tem como
marco duas tragédias de violência do Estado e do capital contra trabalhadores
rurais, o Massacre de Corumbiara (RO) e do Eldorado do Carajás (PA), estes, como
gatilhos de reconhecimento em massa de áreas ocupadas na Amazônia por posseiros.
Muitas há mais de duas décadas.
No entanto, isto não
implica na equacionalização das lutas pela terra e as riquezas nela existente. O
Estado, após quase meio século, mantém a ação autoritária e capturado pelas
frações de classes. Bem como a democracia, tal os raquíticos meninos migrantes
da década de 1980, continua capenga das pernas.
Contudo, creio, nas
terras do Araguaia-Tocantins, a educação talvez seja o nicho de ação onde mais
se conseguiu radicalizar na democratização na região, a partir da demanda de
camponeses e indígenas.
A Unifesspa espelha a
luta de classes. Num flanco, tem-se a Educação do Campo, em franco dialogo com
o conjunto de sujeitos que historicamente foram subalternizados, e noutro
extremo, os cursos relacionados com áreas mais técnicas, a exemplo das
engenharias, por onde gravitam os interesses da mineradora Vale.
É ela, que ao controlar
tecnologia e capital, que acaba por deter a hegemonia na definição do
território. É o território local que abriga o maior projeto da mineradora em
todo o seu portfólio.
Em oposição à
mineradora, ruralistas, as oligarquias locais e outros setores, crasso exemplo da
peleja pela terra foi a edificação do Campus Rural do IFPA. O antigo Castanhal grilado pela família
Mutran, e ocupado pelo MST ao fim dos anos 1990, num enfrentamento que durou uns dez
anos, hoje abriga uma instituição de ensino onde filhos de posseiros e
indígenas conseguem estudar de forma digna num espaço público.
A defesa de Lima quebrou o protocolo do rito
de passagem. Além da mãe, dona Oneide, fizeram intervenção os padres Aristides
Camilo e Francisco Goriou, que foram detidos na década de 1980.
A dissertação de Lima
não representa um caso isolado no combate pela terra. Ela vem a se agregar a um
conjunto de trabalhos de filhos de posseiros e indígenas que aportaram nestas terras
do Araguaia-Tocantins em tempos idos do século passado. Enfrentaram todos os
tipos de obstáculos, até alcançar uma universidade pública.
Todavia, o contexto
politico e econômico nos dias de hoje, reflete aquele de tempos distantes, -
uma vez mais - as populações locais encontram-se
ameaçadas pela expropriação pelo grande capital com a mediação do Estado, este
apropriada pelas frações de classes – em particular ruralistas – e milicos
talvez, de forma mais agressiva que
dantes.
Conheça mais relatos sobre a luta pela terra no Araguaia Tocantins escrita pelos protagonistas na obra Memorial da Terra dos Castanhais. Baixe AQUI