A Ufopa é considerada a universidade que mais acolhe discentes indígenas e quilombolas do país.
Abril. Sexta-feira, 28. O calor é causticante. O mês é dicado aos
povos indígenas. Legítimos senhores destas terras, que ocupam o Planalto Central
em ato pró defesa de seus territórios, tantas vezes vilipendiados. Tantas vezes
encharcados de sangue dos seus. Abril é o mês da passagem do Massacre de
Eldorado, ocorrido no dia 17, do ano de 1996. A chacina da PM executou 19
trabalhadores rurais sem terra.
No miniauditório do prédio dedicado a questões administrativas da Universidade
Federal do Oeste do Pará (Ufopa), discentes do Instituto Ciência e Sociedade (ICS)
realizam colação de grau de gabinetes. São indígenas e quilombolas em sua
maioria. Entre eles, uma senhora faz um relato comovente.
Ela soma mais de 50 anos. Conseguiu graduar e aprovação no mestrado
graças à solidariedade e apoio da família durante o percurso. Ela encarna a
maior parcela da sociedade. Os que foram expropriados pelos impérios coloniais.
E, continuam a enfrentar o mesmo dilema por conta da racionalidade do capital, movido
pela insaciável necessidade em incorporar e subordinar territórios ainda não
mercantilizados. Como salienta estudante de Direito da Ufopa e líder munduruku,
Alessandra Korap, recentemente laureada com prêmio na Alemanha, “o que eles apresentam
para gente é um projeto de morte”.
A colação daqueles sujeitos ocorria no mesmo momento em que uma
frente parlamentar que agrupa representantes dos estados do Pará e do Mato
Grosso, capitaneada pelo senador Zequinha Marinho (PL/PA), tentava colocar em
pauta no auditório da mesma universidade, a defesa de legalização de garimpos,
grilagem de terras, monocultivos e a defesa de obras de infraestrutura.
Manifestação de estudantes da UFOPA contra a frente parlamentar pró garimpo e grilagem de terras. Fonte: redes sociais.
Pautas que colocam em xeque a reprodução econômica, política e
social destes sujeitos que hoje representam uma expressiva fatia do corpo
discente da Ufopa, que ainda carece dos mesmos na condição de educadores e pesquisadores.
A dívida que a sociedade brasileira tem com estes sujeitos,
historicamente colocados em condição de subalternização é imensa. Os que foram
colocados em cativeiros, surrados e assassinatos, e que ousaram e ousam cursar
uma graduação, apesar de todas os obstáculos.
Felizmente, um coletivo de estudantes ocupou o espaço do auditório em
protesto, e evitou a realização do evento.
Sobre a UFOPA abrigar o referido encontro, o colegiado do curso de
Gestão Pública e Desenvolvimento Regional, em nota manifestou “ser inaceitável
os discursos difundidos no âmbito desse evento de negação da ancestralidade dos
povos indígenas, bem como de outras culturas, como elemento definidor da nossa
identidade, a qual merece respeito e proteção”.
O Sindicato dos Docentes da UFOPA cobra da reitoria que “autoridades
constituídas se expressem publicamente como se deu o processo para que esta
instituição pública viesse a abrigar um evento que tem conotação política
totalmente diferente às metas e planos do atual governo federal e do que os
povos amazônidas locais vem reivindicando para essa região”.
O Programa de Antropologia e Arqueologia (PAA), que abriga o contingente
mais expressivos de indígenas e quilombolas, em nota sobre o evento manifesta
solidariedade a indígenas e quilombolas, onde “nos solidarizamos com os povos e
comunidades indígenas, quilombolas, tradicionais e camponesas – muitas das
quais estão representadas por discentes da universidade – que já estão sendo
gravemente impactados por essas iniciativas e manifestamos nosso repúdio e
vergonha pelo fato da nossa instituição, construída com recursos públicos e que
deve atender a sociedade, hospedar tal evento, que está na contramão das
verdadeiras mudanças que necessitamos diante da emergência climática.
Repudiamos ainda a truculência exibida por membros do referido evento, um dos
quais ofendeu docente do nosso programa, aos gritos, dizendo que a universidade
pertencia a eles. Exigimos ser respeitados. Estamos no nosso lugar de trabalho”.
A Amazônia Legal e indígenas foram os mais penalizados em conflitos
no campo, indicam dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
No governo anterior (2019
a 2022) 42 indígenas foram assassinatos. O aumente foi de 200% em relação
ao período anterior, sinalizam dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em
2022 a mesma fonte indica que ocorreram
553 conflitos em áreas rurais do Brasil. O que representa um
aumento de 50% em relação a 2021 (368).
No governo marcado pelo desmantelamento de instituições, políticas,
programas e orçamento, além de nomeação de pessoas sem nenhuma identificação e
conhecimento relacionados com questões indígenas, quilombolas, camponesas, agrárias,
ambientais e educacionais 1.065 perderam a vida em 2022, indica o relatório da
CPT, apresentado em Brasília, Unb (Universidade de Brasília), no dia 19. 72,4% destas
mortes ocorreram na Amazônia Legal, sendo 38% de indígenas.
A frente parlamentar encarna o que Brasil tem de mais arcaico, o
poder econômico, político e social assentado no poder da concentração da terra.
Uma concentração construída sobre os pilares mais profundas de uma ordem
conservadora, escravocrata, violenta e criminosa, onde a prática de grilagem
constitui-se como recurso ilegal para a apropriação privada de terras públicas
em uma combinação de redes que mobiliza sujeitos públicos e privados.
Até o presente momento, o site da universidade não apresenta nenhuma manifestação da reitoria sobre o caso.