A notícia do falecimento do Professor Ariovaldo
Umbelino de Oliveira, nosso Ari, Professor Titular aposentado do Depto de
Geografia da FFLCH USP, ocorrida
ontem, 02 de agosto, pegou a todos de surpresa e nos deixou sem voz e sem chão.
Uma perda que restará inconsolável para quem o conheceu e teve a oportunidade
de com ele aprender.
Ari foi vanguarda e resistência. Uma das primeiras gerações
de filhos da classe operária
a chegar na Universidade, como
estudante nos anos 1960 e como professor nos anos 1980, tendo antes atuado como professor do ensino básico
e como geógrafo no IPT, onde
contribuiu para a criação de um projeto de solo-cimento que servia a baratear
os custos de produção das casas da classe trabalhadora.
Coragem,
firmeza e coerência eram suas qualidades mais marcantes. Ousou convencer seu
orientador, Pasquale Petrone, a acompanhá-lo na construção de sua tese de
doutorado construída sob o método materialista dialético, a primeira “tese
marxista” da USP e do Brasil, defendida nos anos de chumbo da ditadura.
Teve
coragem para enfrentar uma banca e o anfiteatro de Geografia lotado,
em uma longa defesa onde,
como ele sempre recordava, parte estava para apoiá-lo e parte para ver
sua derrota.
Ele venceu, e desde então, formou gerações de
estudantes com sua geografia crítica, socialmente empenhada e comprometida com
a transformação da sociedade em que vivia, deixando claro que o discurso da
ciência neutra não tinha lugar na sua sala de aula
e que, ao contrário, a sua Geografia era feita para dar luz e voz àqueles que
até então haviam sido invisibilizados pela academia: os camponeses, indígenas,
quilombolas e de todos os que enfrentam a exclusão decorrente da violenta
concentração fundiária do campo brasileiro.
E
esse compromisso o levou a trabalhar com a CPT durante anos, estando presente
na construção dos Cadernos dos Conflitos no Campo que há décadas fornecem dados
sobre a violência do latifúndio no Brasil. Era um geógrafo comprometido com seus princípios e a ciência
que produzia, firme no método,
militante crítico, o que o colocou
em posição divergente em relação àquelas adotadas por movimentos sociais
em determinados momentos da luta. Essas divergências não o abateram, ao
contrário, o estimularam a consolidar a sua produção na busca por uma sociedade
mais justa e socialmente solidária.
Suas
aulas, na Graduação e Pós-Graduação, encantavam pelo domínio do conteúdo e
eloquência do discurso. Era possível não concordar com suas ideias
e posturas, mas não
com a firmeza de seus argumentos. Seus trabalhos de campo, muitos deles feitos
para a Amazônia com dias de
duração, eram oportunidades ímpares de um contato
com o Brasil real e de muito aprendizado para todos os que puderam
deles participar.
Na
USP, e nas universidades por onde passou após sua aposentadoria, auxiliando na democratização da Pós-Graduação, formou milhares de estudantes. Criou o SINGA,
simpósio que hoje caminha sozinho com seus 22
anos de existência, cujos 20 anos foram comemorados em 2023 no DG, a casa onde ele nasceu, o
que o encheu de orgulho.
Na
Pós-Graduação orientou, como se orgulhava sempre
de dizer, mais de 100 estudantes
entre Mestres e Doutores, exclusas as supervisões de pós-doutoramento, o que
certamente faz com que seus ensinamentos estejam
espalhados por muitos lugares neste país.
Um
orientador preciso, que nos estimulava a caminhar com autonomia e liberdade
para ousar e que com poucas palavras nos fazia ver além do que estava diante a
nós. Como sua última orientanda de doutorado disse em uma aula, “um homem de
poucas palavras e muitas ações”.
Deixou
uma produção científica densa e de peso e contribuições para o estudo da
Geografia Agrária e das ciências humanas no geral que permanecerão ao longo do tempo. Sentiremos muita falta de sua
risada farta e de suas ponderações precisas, por vezes intransigentes, mas seu
legado permanecerá vivo conosco e seguirá sendo transmitido para as gerações
futuras.
Ari
querido, o Agrária seguirá mais triste,
mas você seguirá
presente em nossos
corações e práxis.
Veja interpretações sobre o agrário nacional AQUI
Ari, Presente!
Marta Inez Medeiros Marques
Valéria de Marcos