quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Bacia do Tapajós: audiência pública discutirá gestão no dia 12, terça feira

O evento será online

Além da opção de participação presencial, as pessoas interessadas também poderão participar de forma on-line da audiência pública convocada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) para discutir a gestão social da bacia hidrográfica do Rio Tapajós e seus recursos hídricos. O evento será realizado na próxima terça-feira (12), partir das 8h30, no auditório do MPPA em Santarém (PA). Saiba mais AQUI

terça-feira, 5 de agosto de 2025

MPF cobra do poder pública ação contra uso de agrotóxico no Planalto Santareno

O uso de veneno em monocultivos de soja afeta povos indígenas, camponeses e quilombolas. Mostra de urina dos moradores indica que todos os moradores da região foram afetados pelo agrotóxico


O Ministério Público Federal (MPF) entrou na Justiça Federal, nesta segunda-feira (4), com uma ação para obrigar a União, o estado do Pará, a Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) e o município de Santarém (PA) a elaborarem e executarem um plano emergencial para proteger as populações e o meio ambiente dos impactos da pulverização de agrotóxicos na região do Planalto Santareno.

O Planalto Santareno, localizado na região oeste do estado, fica a aproximadamente 42 km da área urbana de Santarém e é caracterizado pela expansão do agronegócio e pelo monocultivo de grãos. Na mesma região está a Terra Indígena (TI) Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno, composta por cinco aldeias.

O objetivo central da ação é cobrar uma resposta efetiva dos órgãos públicos, com a elaboração urgente de um conjunto de normas que regulamente a atividade. O plano deve, necessariamente, estabelecer distâncias mínimas de segurança entre as áreas de aplicação de agrotóxicos e os locais onde vivem pessoas, como comunidades indígenas, quilombolas e de agricultores familiares, além de escolas, unidades de saúde e cursos d’água.

O plano ainda deve indicar coordenadores responsáveis, ações, prazos, metas e indicadores bem definidos e ter como conteúdo mínimo os seguintes itens:
  •     a identificação de todas as comunidades (indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e camponesas) do Planalto Santareno.
  •     o estabelecimento de distâncias mínimas de segurança entre as áreas de aplicação e núcleos populacionais (especialmente de comunidades tradicionais, como aldeias e quilombos), escolas, unidades de saúde, cursos d’água e outras áreas sensíveis.
  •      a realização de fiscalizações periódicas nos imóveis rurais que exerçam atividade agrícola na região do Planalto Santareno, sugerindo-se periodicidade mensal no primeiro ano.
  •     o monitoramento da saúde dos comunitários e dos cursos d’água, sugerindo-se periodicidade mensal no primeiro ano.
Após a aprovação do plano emergencial, o MPF pede que ele seja executado, sob supervisão judicial, e avaliado periodicamente, mediante relatórios trimestrais, até a sua conclusão por homologação judicial.

A ação é fruto de investigação que reuniu provas quanto ao risco aos quais pessoas e meio ambiente estão expostos. Um dos documentos centrais é um laudo pericial da Polícia Federal que constatou a proximidade excessiva das lavouras com as moradias. Os peritos encontraram plantações a apenas seis metros de casas na aldeia Açaizal e registraram a ausência total de barreiras de proteção, como faixas de segurança ou quebra-ventos. Imagens anexadas ao processo mostram caixas d'água comunitárias ao lado de plantações, e análises de solo revelaram a presença de três tipos de agrotóxicos: paration, alacloro e atrazina.

Omissão do poder público Segundo o procurador da República Vítor Vieira Alves, autor da ação, a omissão dos órgãos públicos é um fato incontroverso. O MPF destaca que a própria Adepará admitiu oficialmente, em 2022, que não realizava fiscalizações no Planalto Santareno por "inexistência, na legislação estadual, de critérios específicos para distâncias mínimas na pulverização terrestre". A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) chegou a reconhecer a necessidade das medidas e a elaborar minutas de normas, mas, até o momento, não as aprovou.

O MPF aponta que essa inércia ocorre apesar de o uso de agrotóxicos na região ter crescido 600%, conforme dados citados na ação. A situação levou o Conselho Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto (Cimap) a denunciar ao MPF que o veneno é carregado para os igarapés, contaminando fontes de água e os açaizais. Os indígenas relataram o desaparecimento de diversas espécies de árvores frutíferas essenciais para sua economia e cultura, como graviola, piquiá, uxi e pupunha.

Impactos avassaladores Os danos à saúde são um dos pontos mais alarmantes citados na ação. Um estudo do projeto Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCT) – Observatório das Dinâmicas Socioambientais (Odisseia) revelou que 100% das análises de urina de moradores da região continham resíduos do herbicida glifosato.

Outra pesquisa, da doutora em neurociências e biologia celular e professora na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) Eliza Maria da Costa Brito Lacerda, apontou déficits na discriminação de cores entre os moradores, um indicativo precoce de efeitos neurofisiológicos.

Em depoimento ao MPF, a pesquisadora transcreveu relatos que demonstram a gravidade da exposição: “As pessoas relatam que elas sentem o cheiro dos agrotóxicos sendo aplicados. Elas sentem o sabor dos agrotóxicos quando eles estão sendo aplicados. [...] Isso é um nível de exposição extremamente alto. É como se elas estivessem tomando eles, em gotas”.

Racismo ambiental – A ação cita ainda que 70% dos entrevistados em um estudo da doutora em toxicologia e professora da Ufopa Flávia Garcez da Silva apresentavam sintomas como cefaleia, vertigem e náuseas, além de alterações laboratoriais significativas, como dislipidemias. Um exemplo do perigo é o caso da escola municipal Professora Vitalina Motta, em Belterra (PA), que teve as aulas suspensas após uma "nuvem de veneno" invadir o espaço escolar.

O MPF argumenta que essa realidade configura um quadro de "racismo ambiental", em que populações vulneráveis são desproporcionalmente expostas aos riscos, e um "verdadeiro genocídio cultural", pois a degradação força o abandono de territórios e a perda de modos de vida tradicionais.

Pedidos de reparação – Além da elaboração do plano emergencial, a ação busca a reparação pelos danos já causados. O MPF pede a condenação dos réus à implementação de um plano de recuperação de áreas degradadas (PRAD). Requer também o pagamento de indenizações por danos morais coletivos e sociais, e o reconhecimento do direito à indenização individual para os moradores das comunidades afetadas desde o ano 2000. O valor total da causa foi estimado em R$ 900 milhões.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

V Congresso da CPT celebra mártires da luta pela terra

Foto: João Palhares / Agro É Fogo



Em meio à programação do V Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma celebração tomou as ruas escuras do centro histórico da cidade de São Luís (MA) na noite da quarta-feira (23), o terceiro dia do encontro, fazendo memória aos mártires, defensores e defensoras da vida no campo, nas águas e nas florestas. A celebração iniciou de forma animada, com concentração na Praça Deodoro, seguida de uma caminhada em romaria e terminando no local principal do Congresso, o Instituto Estadual do Maranhão (IEMA). Leia a íntegra no site da CPT

Violência contra povos indígenas: Cimi adverte para aumento da violência em 2024

O ano de 2024 foi o primeiro a iniciar sob a vigência da Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada nos últimos dias de dezembro de 2023. A expectativa dos povos indígenas e seus aliados era de que, dada a flagrante inconstitucionalidade e o evidente conflito com a recente decisão de repercussão geral sobre o tema, a chamada “Lei do Marco Temporal” fosse rapidamente derrubada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).  Baixe o relatório AQUI

O jornalista Alceu Castilho reflete a partida de Ariovaldo Umbelino e o silêncio da mídia corporativa

 

Foto: Alceu Castilho

O professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, do Departamento de Geografia da USP, formou várias gerações de pesquisadores em geografia agrária. A partir de uma linha teórica muito clara, que ressaltava a existência e resistência do campesinato. (Não proletários rurais. Camponeses.)
Sim, ele foi o mais importante geógrafo agrário do país, o que não é pouco em um país agrário. E um país agrário dominado por aristocracias manipuladoras e violentas. Ariovaldo não se cansava de descrever a grilagem como elemento crucial para entendermos este país.
Ele foi um teórico incisivo e decisivo, inspirado na sociologia de José de Souza Martins. E ia a campo. Correndo riscos. E ajudando os movimentos sociais a medir seus territórios. A noção de território costuma ser invisibilizada por nossas elites e era central na práxis de Ariovaldo Umbelino.
Sua morte sem referências na imprensa comercial mostra o quanto este país se tornou estúpido, o mesmo país que menciona com respeito cínico a passagem, também neste sábado, de um dos jornalistas mais inescrupulosos das últimas décadas, um golpista qualquer.
Curiosamente, eu conheci Ariovaldo Umbelino de Oliveira fazendo uma entrevista sobre imprensa e questão agrária, em 2006. Depois fui cursar Geografia e sua disciplina na pós-graduação da USP, "Agricultura e Capitalismo no Brasil", para tentar não escrever muita bobagem em meu livro "Partido da Terra".
E entrei no mestrado sob sua orientação. Cursei de novo a mesma disciplina, enquanto ele se recuperava de um AVC. Sua memória espetacular não era a mesma. Olho retrospectivamente e detecto um certo ar melancólico, alguma frustração por não ter sido realizada a reforma agrária em nosso país.
Uma das coisas que posso dizer em respeito às décadas de trabalho desse pesquisador é que o De Olho Nos Ruralistas tem na linha teórica defendida por Ariovaldo Umbelino uma de suas principais referências. Os dados — os fatos — mostram que ele sempre esteve certo.
A imprensa brasileira invisibilizou Ariovaldo durante todo esse tempo porque a ela interessa invisibilizar o território e os motivos estruturais (a grilagem, a marcha destruidora do capitalismo) da destruição dos biomas, da desigualdade e da violência no campo. Ou, em outras palavras: porque é cúmplice.
A geografia brasileira está em luto e o país deveria estar em luto.

Ariovaldo Umbelino, presente!



A notícia do falecimento do Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, nosso Ari, Professor Titular aposentado do Depto de Geografia da FFLCH USP, ocorrida ontem, 02 de agosto, pegou a todos de surpresa e nos deixou sem voz e sem chão. Uma perda que restará inconsolável para quem o conheceu e teve a oportunidade de com ele aprender.

Ari foi vanguarda e resistência. Uma das primeiras gerações de filhos da classe operária a chegar na Universidade, como estudante nos anos 1960 e como professor nos anos 1980, tendo antes atuado como professor do ensino básico e como geógrafo no IPT, onde contribuiu para a criação de um projeto de solo-cimento que servia a baratear os custos de produção das casas da classe trabalhadora.

Coragem, firmeza e coerência eram suas qualidades mais marcantes. Ousou convencer seu orientador, Pasquale Petrone, a acompanhá-lo na construção de sua tese de doutorado construída sob o método materialista dialético, a primeira “tese marxista” da USP e do Brasil, defendida nos anos de chumbo da ditadura. 

Teve coragem para enfrentar uma banca e o anfiteatro de Geografia lotado, em uma longa defesa onde, como ele sempre recordava, parte estava para apoiá-lo e parte para ver sua derrota. 

Ele venceu, e desde então, formou gerações de estudantes com sua geografia crítica, socialmente empenhada e comprometida com a transformação da sociedade em que vivia, deixando claro que o discurso da ciência neutra não tinha lugar na sua sala de aula e que, ao contrário, a sua Geografia era feita para dar luz e voz àqueles que até então haviam sido invisibilizados pela academia: os camponeses, indígenas, quilombolas e de todos os que enfrentam a exclusão decorrente da violenta concentração fundiária do campo brasileiro. 

E esse compromisso o levou a trabalhar com a CPT durante anos, estando presente na construção dos Cadernos dos Conflitos no Campo que há décadas fornecem dados sobre a violência do latifúndio no Brasil. Era um geógrafo comprometido com seus princípios e a ciência que produzia, firme no método, militante crítico, o que o colocou em posição divergente em relação àquelas adotadas por movimentos sociais em determinados momentos da luta. Essas divergências não o abateram, ao contrário, o estimularam a consolidar a sua produção na busca por uma sociedade mais justa e socialmente solidária. 

Suas aulas, na Graduação e Pós-Graduação, encantavam pelo domínio do conteúdo e eloquência do discurso. Era possível não concordar com suas ideias e posturas, mas não com a firmeza de seus argumentos. Seus trabalhos de campo, muitos deles feitos para a Amazônia com dias de duração, eram oportunidades ímpares de um contato com o Brasil real e de muito aprendizado para todos os que puderam deles participar. 

Na USP, e nas universidades por onde passou após sua aposentadoria, auxiliando na democratização da Pós-Graduação, formou milhares de estudantes. Criou o SINGA, simpósio que hoje caminha sozinho com seus 22 anos de existência, cujos 20 anos foram comemorados em 2023 no DG, a casa onde ele nasceu, o que o encheu de orgulho. 

Na Pós-Graduação orientou, como se orgulhava sempre de dizer, mais de 100 estudantes entre Mestres e Doutores, exclusas as supervisões de pós-doutoramento, o que certamente faz com que seus ensinamentos estejam espalhados por muitos lugares neste país. 

Um orientador preciso, que nos estimulava a caminhar com autonomia e liberdade para ousar e que com poucas palavras nos fazia ver além do que estava diante a nós. Como sua última orientanda de doutorado disse em uma aula, “um homem de poucas palavras e muitas ações”. 

Deixou uma produção científica densa e de peso e contribuições para o estudo da Geografia Agrária e das ciências humanas no geral que permanecerão ao longo do tempo. Sentiremos muita falta de sua risada farta e de suas ponderações precisas, por vezes intransigentes, mas seu legado permanecerá vivo conosco e seguirá sendo transmitido para as gerações futuras. 

Ari querido, o Agrária seguirá mais triste, mas você seguirá presente em nossos corações e práxis.

Veja interpretações sobre o agrário nacional AQUI

Ari, Presente!

 

Marta Inez Medeiros Marques 

Valéria de Marcos