quinta-feira, 12 de junho de 2025

Romaria Mártires da Floresta mantém acesa memória de extrativistas assassinados no Pará

Realizada de 06 a 08 de junho no Pará, a Romaria dos Mártires da Floresta relembra o legado de Zé Claudio e Maria na luta pela Amazônia. Foto: Francisco Alan / CPT


Três dias de caminhada, memória e esperança: assim se pode resumir a 10a Romaria dos Mártires da Floresta, realizada de 06 a 08 de junho nos municípios de Nova Ipixuna e Marabá, no Pará. A Romaria relembra o legado do casal Zé Claudio e Maria do Espírito Santo, mas também dos demais mártires na luta pela Amazônia. Leia mais no site da CPT

Tiro

 


Negro

Pobre

Desprovido de sobrenome

Pouco mais de 20 verões nos costados

Defendia-se no trapézio do biscaite

Meio dia

Sexta feira

Jazia o corpo sobre o asfalto quente

O tiro dilacerou o crânio

Espalhou nacos de cérebro sobre o chão

Juntou insetos, roedores, felinos e cães

O peixeiro, o vendedor de bananas e o bebum

Até um suíno rondou a área

Todos espiaram o corpo inerte sob o sol

Sem prece, vela ou atenção

Todos filmaram a cena


quarta-feira, 11 de junho de 2025

Paulo Fonteles, presente!

Fonteles foi um dos três advogados de posseiros executados pelo latifúndio, além de João Batista e Gabriel Pimenta. 

Há trinta e oito (38) anos, o latifúndio em conluio com a extrema-direita assassinou covardemente o pai de família, dirigente do PCdoB e advogado de posseiros e de trabalhadores rurais sem terra, Paulo Cézar Fonteles de Lima. Paulo tinha trinta e oito (38) anos de idade, cinco filhos para criar e estava exercendo sua profissão para sobreviver. Hoje estaria com 76 anos provavelmente junto ao povo brasileito em defesa de um Brasil soberano, democrático e socialmente desenvolvido, um Brasil socialista.


As três balas que ceifaram a vida do revolucionário e patriota Paulo Fonteles não conseguiram o objetivo insano de impedir que suas ideias se multiplicassem, que sua presença continuasse viva e altiva como um castanheiro, como uma frondosa samaumeira a espalhar ao vento sementes de esperança. Muitos foram os que entraram para a luta inspirados em seu exemplo de vida dedicada à causa da transformação social, da defesa intransigente dos direitos da classe trabalhadora, da reforma agrária, dos direitos humanos, dos desvalidos.


Um intelectual orgânico, sensível e carismático, estratégico e construtor de ideias, excelente orador e combatente leal,  comprometido e apaixonado por tudo o que empreendia, Paulo Fonteles viveu intensamente. Uma pessoa da classe média, simples e culta, desde jovem tomou o lado do povo por justiça social; no movimento estudantil universitário lutou por uma educação de qualidade pública e gratuita e por liberdades democráticas, pelo fim do regime militar; militante comunista contribuiu significativamente na fundação da SPDDH, sendo seu primeiro presidente, e do jornal Resistência; desceu ao Sul do Pará como advogado da CPT na arriscada e honrosa tarefa de defender os expropriados do campo.


Paulo Fonteles transformou-se no "advogado do mato" e amigo dos camponeses pobres e sem terra levantando bem alto a bandeira da Reforma Agrária. Impulsionado pelo desejo de mudanças organizou junto com lideranças e forças progressistas da região um forte movimento que deu visibilidade ao massacre feito pelos latifundiários no campo, que ocupou terras improdutivas gerando produção de alimentos, que venceu a pelegagem sindical,  que organizou diversos STTRs, e mudou a geografia da área. Paulo e tantos outros companheiros e companheiras de luta começaram a fazer parte da "Lista dos marcados pra morrer".


Paulo Fonteles contribuiu para quebrar o silêncio oficial, a desvendar a verdade e a preservar a memória da Guerrilha do Araguaia, junto às caravanas, em busca dos desaparecidos. Se as lutas camponesas sequentes têm como inspiração a resistência heroica na selva amazônica contra a ditadura militar, a direção política das mesmas tem a participação dos comunistas na pessoa do Paulo e de outros camaradas. Assim o PCdoB e a região Sul/Sudeste do Pará possuem uma rica e inolvidável história de construções e lutas políticas traçadas por gestos heroicos, desprendimentos, alegrias e também sofrimentos. História que além de garantir terra às famílias vincou um pensamento político classista que contribuiu para a eleição do Paulo Fonteles a deputado estadual em 1982.


Paulo Fonteles realizou um mandato pautado na luta pela Reforma Agrária, contra a UDR, na denúncia das chacinas perpetradas pelos grandes fazendeiros contra os posseiros, no apoio às lutas sindicais, em defesa dos direitos humanos e na organização do seu Partido. Infelizmente a batalha acirrada pela Constituinte de 1988 não possibilitou sua eleição a deputado federal em 1986. Porém, o Paulo não se abateu assumindo o CEATRU e a tarefa de secretário sindical do PCdoB, conversando com trabalhadores, realizando encontros e cursos, acompanhando eleições sindicais. Assim, o camarada Paulo tombou  em plena ação política e vitalidade pessoal.


Ao encerrar essa pequena homenagem ao grande e inesquecível camarada Paulo Fonteles, filho de Cordolina Fonteles, pai de Paulinho, Ronaldo, Juliana, Joãozinho e Pedrinho, avô dos netos e netas que o não deixaram conhecer, reflito sobre o exemplo dele para nós e as novas gerações de lutadores. Paulo foi preso pelos generais, junto com sua companheira Hecilda Veiga, torturado barbaramente nos porões de Brasília, teve um filho nascido na prisão, cumpriu pena no presídio São José, saiu e continuou a luta. A convicção de construir um mundo melhor o movia, o fez suportar os suplícios da tortura sem entregar os parceiros da luta; o fez seguir em frente de forma destemida. Lutou bravamente contra os algozes da pátria, contra os destruidores das famílias brasileiras pela fome e pelo abandono, para que todos tivessem liberdade de escolher sua profissão de fé; inversamente aos golpistas, patéticos adoradores de "mito" e da bandeira norte-americana, fascistas promotores do retrocesso, ratos de quartel fantasiados de verde-amarelo que fogem e delatam no primeiro estalo de festim.

PAULO FONTELES VIVE!!!


Belém, 10 de junho de 2025

Érico Leal

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Crimes na luta pela terra: familiares buscam compensação pela morte dos seus entes

Familiares de camponeses, amigos e parlamentares em reunião para refletir sobre reparação. Redenção/PA. Fonte: rede social de Elias Sacramento. 

Família Canuto, Sacramento, Lima, Ribeiro, entre outras estão mobilizadas há alguns meses na busca por compensações pela morte de pais, irmãos e filhos/as em processos de luta pela terra no Pará. 

O grupo tem fomentado encontros para refletir sobre o assunto e buscado alianças em diferentes campos: parlamentares, universidades, ONGs, defensores de direitos humanos dentro e fora do Brasil.

A última reunião ocorreu em Redenção, no fim do mês de maio. Eles otimizaram a audiência ocorrida no dia 30, que analisou o trabalho análogo à escravidão cometido pela empresa alemã Volkswagem, na Fazenda Cristalino, em Santana do Araguaia.    

Por conta de inúmeras experiências desenvolvimentistas impostas para a Amazônia, o Pará ganhou notabilidade mundial no tema de violência na luta pela. Desde os anos de 1980, onde a violência foi mais aguda, o estado tem sido líder absoluto, como apontam os dados organizados e refletidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os indicadores recentes fazem paralelo com os a nos de 1980.

Elias Sacramento, professor do curso de História da UFPA, no município de Cametá é um dos principais animadores do debate sobre reparação. Ele esclarece que a rede almeja a realização de uma audiência na Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional.

Impunidade e a busca por reparação

Resultado do avanço do capital sobre a Amazônia, ao longo dos processos históricos a violência na luta pela terra no estado do Pará vem sendo naturalizada. É como se fosse algo inerente à racionalidade do sistema.

A maioria dos casos que envolve a morte de dirigentes, chacinas, execução de advogados e religiosos é coberto pelo manto da impunidade.

O desdobramento combina pistolagem privada e pública, morosidade e uma certa cumplicidade do Judiciário. Uma das saídas mobilizadas pelos movimentos sociais e instituições de assessoria por conta do cenário tem sido responsabilizar o Estado Brasileiro em espaços internacionais, a exemplo do recente caso do advogado Gabriel Pimenta.

O mineiro de Juiz de Fora foi executado em via pública na cidade de Marabá por defender posseiros na região sudeste do Pará. Após mais de 40 anos do assassinato, o Brasil foi responsabilizado a promover um conjunto de reparações.   Outros casos precederam o de Pimenta, a exemplo de chacinas da década de 1980 e o assassinato de João Canuto na mesma quadra temporal.

Maio e os assassinatos nas terras do Pará

Maio é o mês em que a Igreja Católica celebra Maria, a mãe de todos. Neste mês, muitas mães e viúvas camponesas choram os seus mortos. A exemplo do dia 29 de 1980, quando do assassinato de Raimundo Ferreira Lima, conhecido como “Gringo”.  

A execução do dirigente sindical foi o pontapé inicial de caça aos defensores da reforma agrária, meio ambiente e aos direitos humanos no estado do Pará. Gringo era dirigente sindical e agente da CPT em São João do Araguaia, sul do Pará.  Foi o primeiro líder sindical executado na região.

Anos depois, em Nova Ipixuna, sudeste do estado, o casal de extrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo, no dia 24 de 2011. O anúncio da execução chegou a ser anunciado no Congresso. A bancada da agricultura capitalista celebrou como se fosse uma final de campeonato brasileiro.

Romaria da Floresta celebra a memória dos extrativistas executados em Nova Ipixuna/PA, em 2011. Foto: Marquinho Mota/2025. 
Na mesma região, no município de Pau D´arco, no mesmo dia da morte dos extrativistas, 10 camponeses foram executados pelos policiais civil e militar. No começo de 2021 Fernando Araújo, principal testemunha da chacina foi assassinada com um tiro na cabeça.

Ainda em maio, mais de 40 anos depois, no dia 30 do corrente ano, no município de Redenção, uma audiência pública discutia o trabalho análogo à escravidão cometido pela empresa alemã Volkswagem.

Ao contrário do que o nome do município sugere, foi ele o berço da União Democrática Ruralista (UDR), em terras paruaras. A milícia do setor ruralista mobilizava uma série de ferramentas com vistas a arrecadar fundos para financiar a pistolagem. O fato celebrizou o Bico do Papagaio, o sudeste do Pará, o norte do Tocantins e o oeste do Maranhão, como a região mais letal do Brasil na luta pela terra.

As violências, o trabalho análogo à escravidão, o desmatamento, a corrupção, a grilagem de terras são alguns dos desdobramentos de todas as experiências desenvolvimentistas impostas à região desde o período Vargas, quando da instalação da Ford na fronteira de Itaituba e Aveiro e ganha robustez durante a ditadura civil-militar.

A violência constitui um elemento de permanência no bojo de todas as políticas de desenvolvimento impostas sobre a Amazônia e em particular no estado do Pará, como podemos com os casos aqui pontuados, assim como a impunidade.