Ao apagar das luzes de 2018 um ato combinado e covarde entre o Legislativo e o Executivo do municipal mandaram às favas todo o processo de revisão do Plano Diretor do município de Santarém. Os poderes acenaram positivamente ao agronegócio ao liberar a construção de um complexo portuário na área do Lago do Maicá. A decisão desrespeitou a assembleia final da revisão do plano, que acenou para a manutenção da área sem a estrutura que deve servir à logística de infraestrutura da produção de grãos do Brasil Central.
A medida dos poderes repercutiu negativamente na cidade, no país, e mesmo no exterior. Por
conta da decisão dos poderes legislativo e executivo do município, considerada
arbitrária, vários setores da sociedade produziram notas em oposição aos
poderes. Neste conjunto, temos desde setores da Igreja Católica, setores
ligados ao urbanismo, professores de universidades centrais do país, a exemplo
da USP, Ufscar, grupo de professores da
UFOPA, ONGs, entre outras. Conseguimos
acessar 15 destas notas.
Sobre
a decisão do legislativo e o executivo local, o Sindicato dos Sociólogos do
Estado do Pará (2018), critica:
A
Câmara de vereadores de Santarém ao decidir pela autorização de obras
portuárias no Maicá, passou por cima da Plenária final de Revisão do Plano
Diretor Participativo, que reprovou a ideia. De nada valeram meses de intensos debates
entre os mais diversos setores da sociedade – empresariais, acadêmicos, entes
públicos e organizações sociais. Com a decisão, a Câmara demonstra não ter
compromisso com os anseios da população e atua na contramão do desenvolvimento
com sustentabilidade social, econômica e ambiental.
Já
o manifesto animado pela professora da USP, Erminia Maricato, que contou com a
adesão de professores da UFRJ, Adauto Cardoso, UFPR, José Ricardo Vargas de
Faria, UFSC, Maria Inês Sugai, entre outros, declara que:
A conferência municipal ocorrida nos
dias 23 e 24 de novembro de 2017 foi, sem dúvidas, o fórum mais representativo
do exercício da cidadania ativa pelas moradoras e moradores de Santarém.
Estiveram presentes diversos segmentos da sociedade civil: associações de moradores,
empresários, ambientalistas, pastorais, movimento indígena, quilombola,
diversos coletivos, estudantes, professores, entre outros. Todas essas pessoas
construíram esse espaço como forma de contribuir para discussões acerca do
planejamento urbano da cidade, ações que impactam diretamente em suas vidas
cotidianas. Nesse fórum, ficou registrada a rejeição do projeto de transformar
a Área de Proteção Ambiental do Maicá em área portuária devido às evidentes
consequências predatórias ao meio ambiente e às populações cujo sustento depende
dos recursos naturais existentes na área.
A nota de repúdio
da Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de
Santarém (Famcos), entidade que integrou a comissão executiva do processo de revisão
do Plano Diretor, salienta que dos 21 vereadores que compõem a Câmara
Municipal, somente três participaram de forma esporádica das jornadas de
debates. A Famcos esclarece que:
Na Conferência final do processo de revisão do Plano
Diretor, duas propostas divergentes e relacionadas à questão portuária foram
apresentadas. Numa delas, o agronegócio queria para si o Lago do Maicá,
especificamente para a construção de um complexo portuário. Na outra proposta,
defendida pela sociedade civil organizada e pelos movimentos sociais,
priorizava-se o Lago do Maicá como área de pesca artesanal, turismo de base
comunitária e também para embarque e desembarque de pequenos barcos. E foi esta
segunda proposta a aprovada pela ampla maioria das pessoas presentes, em sintonia
com as regras e com a dinâmica do Plano Diretor Participativo (PDP) que estava
sendo conduzido pela própria prefeitura de Santarém. A vitória da proposta
defendida pelos movimentos sociais não foi digerida pelos representantes do
agronegócio que saíram ameaçando reverter a situação quando a votação do texto
final na Câmara de Vereadores.
O caso repercutiu
internacional a partir do artigo bilíngue assinado por Marcos Colón, publicado
às vésperas do Natal. Colón é professor do Departamento de Português e Espanhol e membro do Center
for Culture, History and Environment (CHE) do Nelson Institute for
Environmental Studies, da Universidade de Wisconsin-Madison. Nele,
o professor adverte sobre o risco da região vir a se tornar uma commoditie. Leia AQUI
A decisão da
Câmara de Vereadores em atender a demanda do setor do agronegócio e o
respectivo endosso do prefeito Nélio Aguiar convergem de forma direta para o
contexto da fragilidade da democracia nacional. Bem como para o ambiente de
reinserção da região aos circuitos mundiais de trocas desiguais, no qual é
premissa pétrea a fragilização dos marcos jurídicos formais que, de certa
forma, garantem os processos democráticos de revisão do Plano Diretor
municipal.
Como bem analisado
pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida ao tratar de agroestratégias,
o setor visa a fragilizar ou suprimir os direitos das populações consideradas,
no campo da antropologia, como tradicionais, destaque aqui para os remanescentes
de quilombolas.
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