Fazia alguns dias, o corpo jazia sobre a laje fria. Por entre empoeiradas
caixas de recortes de notícias antigas, resguardadas por grossas cortinas de
teias de aranha. Relíquias inúteis de vidas pretéritas. Malas de viagem entupidas de vazios. Ferro e tábua de passar
roupas, cristaleiras, cômodas, quinquilharias de ginástica, pipas, algodão,
tubos de linha e roupas de banho. E, ainda um pequeno sofá antigo, suporte de
colchão, abajures desmantelados e alguns sacos de trigo de 60kg.
Jazia o corpo sobre laje fria, fazia uns dias, vigiado por amores
mofados do último feriado o corpo desprovido de vida. Entre gavetas e mais
gavetas de mágoas e pororocas de tristezas diante de solo de violinos de
rancores, rangeres de ódios e melancolias. Ruídos de solidões dos porões de
tumbeiros e o latido dos cães de rua. Procissão
de desvalidos em marcha lenta.
Em um cômodo acanhado o corpo foi encontrado. Fundo de casa. Fundo
d´alma, fundo do poço sem fundo. Não estava
em decúbito dorsal. O peito apontava para o céu. Como a reclamar prece, oferenda,
afeto, xodó, um ebó, um gostoso beijo e bom sexo.
O corpo sem vida coleciona muitas vidas. Ali, solitário, sobre a laje fria, ninguém jamais cogitaria. Imaginaria algum vestígio de riso ou alegria. Jazia o corpo por entre traças de tumores de esquizofrenia. Rascunhos sem valor de esboço de poesias. Augusto, anjo sem corpo. Alma em formol.






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