Junho. Tempo de copa. O Nordeste em festa. É verão na Amazônia. Ainda assim chove. É entressafra do açaí. O produto de caboclos virou coqueluche em academias de abonados nas principais praças do país, e mesmo em escala mundial, entre os surfistas da Califórnia.
Aqui o comum é consumir
após o almoço para dormir. Lá é tido como energético. Aqui, charque, camarão,
peixe frito e tapioca fazem par com a iguaria. Lá, cereais e banana. Açaí agora é marca. Como analisam os sabidos,
foi ressignificado. Antes fonte de proteína de pobres, hoje, parada de
descolado.
No dito mundo globalizado,
pós um monte de coisas, a principal rede de TV do país já escalou em uma de
suas telenovelas uma barraca de açaí em praia do Rio. O Pará agora é moda. “Novos” expedicionários não
cessam de brotar no cais. A redescobrir
um mundo tantas vezes saqueado.
É tempo de entressafra.
Em Belém o litro do açaí grosso é comercializado a uns R$20,00. Desde muito
tempo, vendedores adensam o produto com farinha de tapioca e corante. E mesmo
com papel, como tem atestado a vigilância sanitária nas periferias da cidade.
Os negociantes da Feira
do Açaí, um espaço dentro do complexo Ver o Peso, informam que nesta época o
açaí consumido em Belém é proveniente do Amapá. Vem congelado. As vezes ocorre perda por
conta disso.
Mas, quem consome o
produto em Belém ou em outras praças, não calcula que a cadeia produtiva
engendra a super exploração do trabalho de ribeirinhos, num contexto marcado
pela apropriação de terras públicas por coronéis. E mesmo por gente que conhece
a letra da lei, como ocorre entre Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras, e na
cidade suspensa de Afuá, região fronteiriça com o Amapá, apenas para pontuar
algumas.
Existem fábricas na
região metropolitana de Belém. Elas verticalizam a produção transformando o
fruto em polpa, que é comercializada com agregação de valor para os estado
do Sul e Sudeste. Não raro. as mesmas famílias que são “donas” das terras
controlarem as fábricas.
Quem faz o trabalho
pesado mora em casa de madeira. Na maioria das vezes sem os serviços básicos:
energia e água encanada, por exemplo. Pensar em saneamento é heresia. O lixo
flutua entre nascentes, igarapés, furos e rios. Não há nada de bucólico nos rios
marajoaras povoados de lixo. E a maioria das pessoas fora da região, não
imagina que lá existe mais que búfalos, como é comum a ênfase nas lentes dos comerciais.
No complexo xadrez do
mundo do açaí, algumas famílias se apropriam de faixas de terras. A divisão do
território é realizada a partir de marcos geográficos da região. Furos por
exemplo. E as vezes, o sobrenome da família acaba por nomear o lugar.
O extrativista é o
responsável pelo manejo e coleta do fruto, e repassa o produto ao “dono” da
terra, que também é o dono do barco, e que possui agente que negocia a safra no
Porto do Açaí ou no Porto da Palha, no bairro do Guamá. O que lhe cabe neste jogo desigual depende do
poder do patrão. Tudo é feito fora da lei. Não existe relação trabalhista.
Após
anos de labuta, aquele que perde a força para o trabalho é convidado a sair da
área sem nenhuma compensação. E os que questionam a relação são expulsos por
jagunços, espancados e ameaçados. E pasmem, colocados sob as barras da lei. Em
terra de coronel, polícia e justiça estão a seus préstimos. E não se fala mais
nisso.
Quem consome o açaí
aqui, não sabe do duro mundo do Marajó, a mais empobrecida região do Pará.