O Bar do Amauri, no Sá Viana, nos anos de 1990 abrigou shows de rock de bandas protagonizadas por estudantes da UFMA .
Anos
1990. Fim de século. O tornado da cartilha neoliberal varria boa parte do
planeta. A ordem residia em responsabilidade fiscal, privatizar e
desregulamentar. Azeitar a estrutura para a melhorar a desenvoltura do capital.
Saciar a gula das corporações. A ferrar os países ao redor.
Nas
perifas do Brasil setores populares empenhavam esforços em colocar nos trilhos
demandas represadas por mais de duas décadas de ditadura. Tempo em recolocar
representações da classe trabalhadora de pé. Tristes trópicos. O Estado ao
centro pressionado pela agenda das agências multilaterais e pelos setores
populares.
Mother
Love Stone, Pearl Jam, Alice Chains e Stone Pilots, entre outras iniciativas
encarnavam o que ficou conhecido como sonoridade Grunge, a emanar a partir de
Seatle e fazer a cabeça da moçada. Mais que sonoridade, representava estilo.
Abaixo
da linha do Equador, a partir dos mangues do Recife, jovens turbinavam elementos
de matriz africana. Guitarra de Maia. As alfaias ganharam o Brasil e o mundo. É
mangue. Maracatu pesado. Caranguejo com cérebro. É beat. É bite. É Chico. É Science.
São
Luís. O mar toma a cidade. Água por todos os lados. Nos beirais da UFMA, na
área Itaqui-Bacanga, no bairro do Sá Viana, um buteco fuleiro acolheu uns
meninos errantes. Havia de tudo. Comunista, anarquista, liberal, maluco,
maloqueiro, até policial. Creio que o nome dele era Wilson. Negro retinto.
Estudante de artes. Quando o álcool transbordava em sua cuca, ficava um saco.
Baixava nele a essência do capitão do mato.
O
Bar do Amauri era simples. Contudo, bem localizado. Ficava numa esquina. Ponto
de ônibus. Ao lado da UFMA. Ozimo,
estudante de Física, creio, era o mais fiel e frequente habitue. Mesas de
sinuca. Um som precário executava as fitas cassetes de rock da moçada.
Ozimo
é grande. Em todos os sentidos. Cara de mal. O rosto abrigava uns buracos de
espinhas remanescentes da juventude.
Cabelo longos. Um coração de
borboleta. Chorava de amor quando tocava uma canção de axé do Araketu. Não sei
a responsável pela judiaria. Oz, toca
múltiplos instrumentos. Todavia, sempre andava com uma gaita.
Um
bar. Um canto. Um lugar de abrigo de renegados que se opunham ao Bambu Bar.
Contraponto. Algumas mesas ajudavam na
composição do salão, onde era recorrente desafio de xadrez. Fábio, estudante de
Direito e o mano Lavousier empenhavam horas sobre o tabuleiro. Eu nunca aprendi
a mexer nem nos peões. Saber de torres e reis. Xeque. Dirá sacar o movimento
dos cavalos. E por falar neles, as carroças logo na estrada do bar representavam
o cartão de visitas. Bar do Amauri. Um
território de paz entre os diferentes.
Uma
pororoca confluía para o bar. Os meninos e meninas de Filosofia - os Ribas -, a
turma das artes, Silvia, Mônica, Célida, Núbia (Letras), Fabiano Lumbrega (Ciências Sociais), os
cabras do rock, Carlos Pança (Pereira), estudante de Ciências Econômicas faz
parte da banda Amnésia, enquanto Pedro e Beto integram ainda hoje a Comportamento
Estranho. Havia mais gente. Não consigo rememorar todos.
Amnésia,
Comportamento Estranho e Fome descortinaram no Amauri um movimento coletivo
para a realização de shows. Os meninos já agitavam o movimento em outros cantos
da cidade. Assim nasceu a Cooperativa do Rola o Rock. Havia até identidade
visual no bar do Camarada Amauri.
Se
a memória não falha, o pescador, carroceiro e comerciante era filho da Baixada
Maranhense. A turma que cursava Comunicação Social fazia os espetáculos de rock
do Bar do Amauri repercutirem na mídia local. Era rotina a inclusão na agenda
cultural e nas editorias de cultura, capas de cadernos, pauta nos programas de
rádio.
Amauri
vez em quando apresentava uns peixes fritos para a rapaziada. Pescado ali
pertinho, na barragem do Bacanga. Lanche para amenizar a larica. Estica, modela
e castiga. Território livre.
O
senhor raramente usava camisa ou quando a usava não a abotoava. Era comum ele
guardar os nossos cadernos e livros na sexta para a gente apanhar na segunda.
Bar do Amauri. O começo da farra, que desembocava
para a Praia Grande, depois para o reggae do Espaço Aberto, no São Francisco,
até encerrar numa praia ou seria um novo recomeçar de festejos?
Amauri
ficou todo orgulhoso ao ver o nome do bar na agenda da TV. Os parentes do
interior ligaram para ele. Ganhei umas Belcos devidamente quentes como
agradecimento. O Joacy Jamis era o responsável pela produção dos cartazes. Não
mais entre nós. Vivo entre nós. Fanzineiro, roqueiro, punk, poeta e
diagramador.
Amauri
vendia bem quando da realização dos shows. Era tempo da cerveja Belco. O
freezer não ajudava muito. O comum era a breja quase tirada da grade. Conhaque
com limão e mel também fazia parte do repertório etílico.
A
turma avaliava que o bar não resistiria ao avanço do capital. À especulação imobiliária.
Dito e feito. Estrategicamente localizado, possuía a régua e o compasso para um
comércio com maior musculatura. Um comércio da fé que espoca em todo canto com
a rapidez e violência de uma pandemia. A
profecia se realizou.
O
camarada Amauri partiu na semana passada. Padecia de úlcera crônica. Ao seu
jeito tolerou e abrigou uma horda de gente inquieta em jornada de formação
política, cultural, afetiva, e coisa e tal.
Após
o êxito de venda de breja e pinga no primeiro show organizado pela Cooperativa
do Rock, Amauri indagava: “Quando faremos outra orquestra?”