Encontro no Campus da Ufopa de Alenquer inicia a celebração do centenário de Benedicto Monteiro.
É a Amazônia é o império das águas? Por todos os lados, de
diferentes colorações, a água predomina. Olhos, furos, paranás e rios
configuram riomares. Nas cidades ribeirinhas, trapiches e portos encarnam espaços
fundamentais e estratégicos no fluxo de informações, mercadorias e gentes, em
tempo considerado pela Geografia como lento. É justo este espaço-tempo que será
a seiva essencial da obra de Benedicto Monteiro, marcada pela inquietação em
justiça social e no jeito do falar do povo das barrancas do Baixo Amazonas.
Cá, nestas paragens parauaras, três horas de barco separam Santarém
de Alenquer. A viagem ocorre duas vezes
ao dia, o que representa um indicador de demanda. A viagem também é possível
por via terrestre, todavia, sem o lirismo das águas.
Casas de madeira, redes de pesca, redes de dormir, embarcações de tudo
que é tamanho e coloração integram a paisagem, bem como currais de gado e
árvores tombadas por conta da dinâmica das águas, que a tudo afronta. A
pecuária em pequena escala predomina em Alenquer, onde nasceu há quase cem
anos, o advogado, gestor público, político de verve comunista – ainda que a
família fosse considerada abastada- e escritor, Benedicto Monteiro.
A orla é a alma do universo ribeirinho. Trocas materiais e
simbólicas são ali materializadas. Hotéis e alguns comércios estão articulados no
mesmo perímetro, bem como o mercado municipal, além de palafitas relacionadas
com a pesca e o lazer. Casa das Malhadeiras, loja localizada à orla de Alenquer,
sinaliza para a importância da atividade pesqueira, bem como as embarcações de variados
calibres que embelezam o local. Para além
de Santarém, cidade polo da região do Baixo Amazonas, de Alenquer é possível
alcançar Manaus/AM, Óbidos/PA e Monte Alegre/PA.
Registros históricos e geográfico apontam que Surubiú ou Alenquer
nomeia o braço do Amazonas, que compõe o mundo de águas que alumeia o front da
cidade de Alenquer, um homônimo de Portugal, elevada à categoria de vila lá pelas
remotas eras do ano de 1758, pela ordem do então governador Mendonça Furtado,
irmão de Marques de Pombal, e ao status de cidade em 1881.
No portifólio do processo civilizatório e de domínio territorial de
Pombal, constava além de nomear cidades com nomes portugueses, o incentivo ao
comercio do tráfico negreiro para a Amazônia, quando no Velho Mundo, graças ao
saque nas colônias, o processo industrial ganhava corpo, e o trabalho
assalariado era debatido. Marcas coloniais. Sob inspiração inglesa, Pombal criou uma
companhia de comércio para este fim.
Santarém, Óbidos, Almeirim, Faro, Aveiro, Monte Alegre são outros
municípios desta composição lusa. Registros indicam que Abarés ou Barés era povo
indígena que predominava na região antes da chegada de religiosos capuchinhos,
tidos como “fundadores” da cidade, que antes da atual localização, ficava às
margens do rio Curuá. Por conta da oscilação das águas, mudou-se a vila para o rio
Surubiú.
Os dados do IBGE indicam que a população estimada de Alenquer é de
57,390 habitantes distribuídos em um território de 23.645,452 km, sendo o Índice
de Desenvolvimento Humano (2010) de 0564, patamar que é considerado médio. A mesma base de dados indica que a cobertura
educacional na faixa até 14 anos é de 95,6%, e a mortalidade infantil é de 34,58
óbitos por mil.
Entre os dias 19 e 20 uma atividade no Campus da UFOPA, junto ao
Curso de Gestão Pública, na agenda do III Ciclo de Debates sobre Políticas
Públicas. Wanda Monteiro, filha do notório autor, igualmente advogada e poeta,
e os professores Gilberto Marques (Economia/UFPA) e Abílio Pachêco (Letras/Unifesspa)
colaboraram na primeira mesa de debate, que residia em refletir sobre economia,
sociedade e natureza na obra de Benedicto Monteiro, 59 anos após a sua prisão no
território quilombola de Pacoval, durante a ditadura empresarial-militar, em 15
de abril de 1964. Acesse o diálogo AQUI
Será o Benedicto?
Apesar da família abastada e dona de terras, o socialismo servia de
farol para o político. Ao tomar possa das terras da família, as compartilhou
entre trabalhadores rurais de Alenquer. A opção política provocava tensões no
seio familiar.
Monteiro correu o mundo em busca de formação. Idos das primeiras
décadas do século XX, no Rio de Janeiro fez par com o marajoara Dalcídio
Jurandir - igualmente comunista - após ter sido convidado a sair da casa do tio
(um militar) por conta da sua opção política, recupera Abílio Pachêco, em
perfil sobre o autor, em tese apresentada na Universidade de Campinas (Unicamp),
em 2020. No mesmo documento, o professor realça que
Monteiro foi convidado por Marighela a engrossar as fileiras da luta armada. Acesse a tese AQUI
As informações aqui elencadas sobre Monteiro possuem como fonte
dados sistematizados por Pachêco, que recupera que em as atividades na condição
de advogado ou em campanha política, o ximango autor registra em gravações
relatos dos trabalhadores. Nestas incursões ao longo dos anos reuniu mais de
100 fitas gravadas. Fitas k7 e um número expressivo de fichamentos sobre a
linguagem local.
O horizonte residia em coletar informações para a produção de uma
dissertação sobre o falar loca, e assim pleitear uma vaga no magistério
superior. Pachêco sublinha que todo esse
material foi apropriado pelos militares, e nunca foi restituído ao autor. A sanha contra o saber é de velha data.
Preso, Benedicto fez da reclusão do cárcere o tempo para refletir e
formatar narrativas e forjar personagens, a exemplo de Miguel dos Santos
Prazeres. Privado do assento político, o alenquerense
fez da literatura a sua bandeira.
O Museu de Alenquer
Não há energia elétrica na casa. Por
falta de pagamento o serviço foi suspenso. O fato é recorrente em cidades que
possuem essa modalidade de equipamento de cultura. O Museu do Marajó que o
diga. A casa da foto abriga o museu de Alenquer. Ele possui um acervo bem
bacana de livros, fotos, equipamentos antigos das áreas de saúde, comércio e
algumas peças indígenas.
Proseamos por horas com o senhor
Nivaldo, o zelador do espaço. Um autodidata que adora História. Falou coisas sobre os intelectuais da cidade, em particular sobre Benedicto Monteiro. Mas, também de outros, a exemplo do Aldo Arrais, professora Raimunda Brilhante, Joaquim Bentes.
Nivaldo lembra que quando em Alenquer, Monteiro mantinha contato constante com os setores populares. Ao notar a segregação social com trabalhadores e negros na cidade, criou um time de futebol com inspiração socialista, e junto com os moradores, nasceu assim o Internacional, uma referência ao hino comunista. Ainda hoje o prédio existe na cidade.
Bem antes da China se consagrar na geopolítica como uma nova força mundial na arena de poder, peças provenientes de Taiwan já eram encontradas no Baixo Amazonas, a exemplo de um moedor de gelo.
Outra relíquia encontrada no museu é uma espécie de purificador de água. A operação levava mais de 24. Foi uma ação na área de saúde da Spvea (Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia), que precedeu a Sudam (Superintendia de Desenvolvimento da Amazônia). Medida das políticas do tempo de Vargas, o primeiro a elaborar políticas de desenvolvimento para a Amazônia.
A Despedida
Avisei a Nivaldo que andar de
bermuda de vastos bolsos era uma estratégia para subtrair livros por onde ando.
Ele respondeu" sua aparência não deixa dúvidas". A brincadeira foi
sucedida por risos. Nivaldo zela pelo museu de Alenquer. Dele ganhei dois
livros e a licença para escanear um terceiro.
Noutro encontro na casa professora
Raimunda Brilhante foi agraciado com mais dois mimos. Tenho fé: um livro muda
vidas. Agradecido demais pelos mimos. Voltarei, cuidado com o acervo da casa Nivaldo.
Fitei com apreço o livro do Lúcio Flávio Pinto sobre o Projeto Jari.
Encaminhamentos – estamos a matutar
ações em celebração ao centenário de Benedicto Monteiro.
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