Diário de Bordo - 22 e 23 de dezembro - Marabá - São Luís - Rogério Almeida
Partida
Eu voltar pro interior.
Vou me casar com Terezinha. Vou trabalhar de encanador. Ou lavrador.
Manhã de 22 de
dezembro. Marabá. Sudeste paraense. Amazônia. Tempo de chuva. Vésperas do
nascimento de Jesus Cristo, dizem, o filho de Deus. Busão lotado. Criança
saindo pelo ladrão. Gritos. Gente entulhada de bagulho. Despedidas na
plataforma. Lágrimas. Vestes exalando odor de outras estradas. Poeira de outros
rincões. Famílias de muitas paragens: Piauí, Ceará....Maranhão. Gente indo ao
encontro dos seus celebrar a quadra natalina. Talvez eu chegue amanhã em São
Luís. Busão lotado. Muitos sotaques. Batalhão de histórias. Nenhuma nação.
KM 06
O ocaso da minha vida o dado não abolirá
Tempo nublado. Penduricalhos toscos enfeitam a rodoviária do km 06 em Marabá. A canção sertaneja enche o ambiente farto de gente em trânsito. É daqui que as pessoas alcançam a estação de trem da Vale. Crianças vendem água, maçã, castanha....bolos....Daqui até Santa Inês são onze horas de sacode.
Destino
Minha vida é andar por este país. Pra ver se um dia descanso feliz...
Recife é o destino do busao da Guanabara. Rock e
sertanejo é a trilha sonora. Vez em quando ecoa um louvor. Historias de vida e
de morte quebram a monotonia da viagem. Crianças dormem. A canção de Pablo parece
um encosto: Saudade meu bebê... Em Marabá ela foi por uns 10 dias a alvorada.
Na madrugada o apito do trem da Vale sufocava o latido dos cães. O barulho dos
grilos. A sinfonia dos sapos. Os ruídos dos coitos. Menos o saque.
Araguaia-
Tocantins
E voltar pra casa todo fim de ano....cantando um
bolero de Waldick Soriano
Duas pontes ajudam a superar os rios Araguaia e Tocantins
na região do Bico do Papagaio no trajeto de Marabá a Imperatriz. Antes eram as
balsas que acudiam a travessia. O barato era consumir peixe frito nos
entrepostos no intervalo de tempo de espera das embarcações. Tudo improvisado.
Latas de tintas forradas com barro serviam de fogareiro. Farinha de puba e
pimenta compunham o luxuoso acompanhamento. Ali nasceu o merchadising. Os
empreendedores da beira do rio não ocultavam a marca Suvinil.
Saque
no trecho
Lua. Oh lua cor de
prata. Me diga por favor, aonde anda aquela ingrata...
Extrativismo mineral e de energia, pecuária,
monoculturas de grãos e do exótico eucalipto dominam a paisagem entre Açailândia
a Santa Inês, Maranhão. A estrada é sinuosa. É serra. No meio de tudo a
agricultura familiar ainda respira em paragens como Bom Jesus, Nova Vida e
Buriticupu. Terra de Luiz Vila Nova. Terra de lutador. Terra de lavrador, onde
aquele que mata também pode morrer. A ferrovia de Carajás corre em paralelo.
Encontra-se em fase de duplicação. No século passado, quando corri o trecho
pela primeira vez, a estrada era de poeira. O comércio era incipiente. A
pistolagem ativa, assim como a disputa por madeira. Numa unidade de conservação
havia onça. É tempo de corte do eucalipto. Pilhas de troncos da madeira ornam o
trecho desprovidas de enfeites de natal.
Antônio
do açaí
Garçom.
Aqui nesta mesa de bar, eu hoje vou me embriagar...
Antônio
tem pouco mais de 50. O chapéu de couro oculta a carapinha grisalha. O
comerciante de açaí em Marabá é um negro encorpado na labuta do roçado. Ele é
pai de seis filhos. Duas mulheres e quatro homens. Um formado. Dois na
faculdade e os demais fechando o curso médio. É o orgulho do negociante que
apenas sabe desenhar o nome. Após 25
anos de casório caiu na catrevagem. A compa era brava. Riscava o corpo do cabra
com peixeira. Ameaçava furar o bucho. Após o ocaso do primeiro enlace amoroso engatou cinco
ajuntamentos. O derradeiro durou sete anos. Faz dois meses que a amada pegou o beco.
Ele sofre. Declara amor. Viaja com uma filha e dois netos rumo a Campo Maior,
no Piauí. Cidade conhecida pela apicultura. Foi uma das filhas que encontrou a
parentela no facebook. Troca de fotos e contatos telefônicos antecederam o reencontro
com a família depois de 27 anos de apartamento. Ele fala sem parar. Pode ser
ansiedade.
Santa
Inês
Se
eu te amo e tu me amas. Um amor a dois profana.
Caldo de ovos é o prato
principal no menu da rodoviária de Santa Inês, interior do Maranhão. Rivaliza
em importância com a panelada, iguaria festejada no sul e sudeste paraense A
cidade é um entroncamento. O ar é árido. Rude. Típica cidade parida no muque da
fronteira. A moça negra de cabelos vermelhos amamenta a cria. A avó cochila e
prende o outro rebento na altura da cintura. A casa tá cheia. Bancas de produtos genéricos competem
com o escasso espaço. Vende-se de tudo. Bichinhos de pelúcia, brinquedos de
plástico, relógios. Tudo colorido. Entre os viajantes o baiano cata latas. Em
silêncio.
Criança
a bordo
Nós
gatos já nascemos pobres....porém já nascemos livres..
Manu é pixixita. Cabelo
enfeitado com Maria Chiquinha. Uma de cada lado. Fruto do amor de um
caminhoneiro cearense com uma maranhense com feição indígena. Mulher de anca
grande e formas renascentistas. A bebê tem nariz de bola. Sob ele um riso
fácil. Acena. Faz graça. Não chorou única vez no percurso de 12 horas entre
Marabá a Santa Inês. Viaja com os pais e uma irmã mais velha. As netas de
Antônio brincam com ela. Crianças enchiam o busão.
São Luís
Pra que chorar se o importante da vida é sorrir...
São Luís. Clima ameno. Vento forte. A especulação imobiliária sufocou dunas e mangues. A bosta tomou conta do mar. A maioria das praias é imprópria para banho. Na Litorânea abastados desfilam grife. Um maluco puxa sono sobre redes de dormir. No Atlântico navios em fila aguardam o instante do carregamento do saque do minério dos Carajás.
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Laranja é a cor do uniforme do gari. Os que operam nas praias de São Luís lembram ninja, só que em tom feliz. Usam além de botas, calças, blusa de manga longa, chapéu, óculos e um pano que protege boca e nariz da areia da praia carregada pela força do vento. Na areia da praia desenhei seu nome como um enfeite a Iemanjá. Mimo que a maré alta num piscar de olhos engolirá...
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