Obra da barragem de Estreito/MA2008.
Caçamba despeja entulho sobre o Tocantins.Estreito/MA/2008
No caso de Estreito, tais projetos tensionam com comunidades indígenas Krahô, Apinajé, no estado do Tocantins, e Gavião e Krikati no Maranhão. Na fronteira há ainda pescadores, extrativistas e camponeses, ladeados por reservas como a Serra das Mesas do lado maranhense e um sítio de árvores fossilizadas no Tocantins. A hidrelétrica de Estreito, prestes a completar o segundo ano em fevereiro de 2009, avança sobre o rio.
As obras da barragem iniciaram em fevereiro de 2007. Estreito/MA/2008
Estreito em questão – um mapa de enclaves
Entrocamento em Estreito/MA/2008.
Obra do lado Tocantinense, Aguiarnopólis/TO/2008.
Moradia às marges do Tocantins. Ao fundo a ponte que separa os dois estados cortados pela Ferrovia Norte-Sul.Estreito/MA/2008.
Além do pólo de soja, impactam o município a implantação da ferrovia Norte-Sul, a ampliação da BR-010 e a construção do maior projeto hidrelétrico do país, a hidrelétrica de Estreito, no rio Tocantins. Não muito distante dali, no município de Açailândia, um pólo de gusa dinamiza uma cadeia de destruição ambiental e de trabalho escravo para a produção do carvão vegetal.
O grotão e o planeta
O empreendimento da UHE de Estreito pluga o grotão marcado por inúmeras chacinas de camponeses ao resto do mundo através da geração de energia. O empreendimento pertence ao Consorcio Ceste, que aglutina as grandes corporações do quilate da Camargo Corrêa (4.44%), ALCOA (25.49%), Vale (30%) e a belga Suez-Tractebel (40.07%).
A radical alteração do ciclo de reprodução dos peixes, destruição da mata ciliar e inundação de florestas nativas que abrigam animais silvestres são alguns dos impactos pontuados. Empreendimentos de grande porte tendem a atrair grandes contingentes de migrantes. Somente no canteiro de obras atualmente há cerca de 5.500 operários, são postos de trabalho na construção civil. Cabe interrogar: para onde essa população irá com a conclusão da obra, prevista para 2010?
Draga usada para a retirada dos sedimentos no rio Tocantins. Estreito/MA/2008.
As cidades abaladas pelo empreendimento tendem a ter o preço da terra, do aluguel e venda de imóveis inflacionados. As periferias proliferam ladeadas pela marginalidade, aumento de consumo de álcool e a criminalidade. Até três anos atrás no município de Estreito não se via mendigos nas ruas. Um passeio na rodoviária local indica a alteração dessa realidade.
Carros das empresas sinalizados com uma bandeira vermelha com um xis, homens fardados de variadas indumentárias que indicam a variedade de empresas que atuam no canteiro de obras da barragem, ônibus que os carregam agora fazem parte da paisagem na cidade.
A hidrelétrica de Estreito encontra-se em croquis dos planejadores de velha data. Localiza-se na bacia Araguaia-Tocantins. A maior em potencial de geração de energia hidroelétrica do Brasil. Tal modelo de empreendimento ratifica uma economia baseada no uso intensivo dos recursos naturais, ou seja, extrativa.
O hoje ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, reconhecido pelos serviços prestado á ditadura, integrante do ninho da família Sarney, ainda quando senador foi um dos mais fervorosos defensores da implantação da hidrelétrica de Estreito. Dono de meios de comunicação na região Tocantina, cedeu os veículos que controla para que alardeassem as “benesses” da instalação do empreendimento.
A Tractebel em Goiás
Bento Rixen, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Goiás em artigo publicado em 2003, numa publicação do Fórum Carajás, “Escritos sobre a água” alerta sobre os passivos sociais e ambientais provocados pela empresa na construção da hidrelétrica de Cana Brava, nos município de Minaçu e Cavalcante.
Por conta da indiferença dos diretores da Tractebel em relação às populações atingidas a CPT mobilizou a visita de um grupo de representantes de ONGs belgas. Os militantes internacionais puderam conhecer o cotidiano das famílias que foram expulsas de suas terras, e os desdobramentos do lago que surgiu depois da construção da barragem.
O reassentamento é uma das questões mais delicada no processo de implantação de hidrelétricas. Em geral não se consegue reproduzir as mesmas condições de reprodução de vida das origens dos trabalhadores rurais. Esse tem sido um questionamento constante, e a construção de Lajeado e Serra da Mesa, erguidas no estado do Tocantins ratificam a tese sobre a questão.
A equipe de belgas visitou uma área de 26 famílias reassentadas pela empresa Tractebel. Apesar de boa casa e uma parcela de 20 ha, eles não estão bem. Entrevistados reclamam que só é possível produzir em um hectare. Posto ter de manter a reserva ambiental e a impossibilidade de plantar sobre os morros. Segundo a família, a plantação tem de ser irrigada, entretanto, eles não possuem dinheiro para pagar a energia da bomba de irrigação, revela Rixen.
Em outro local de visita da equipe as terras férteis viraram brejos por conta da proximidade com o lago da barragem. Tornou-se impossível produzir os alimentos para sustento da família. O cheiro de fermentação e os mosquitos completavam o quadro crítico.
Desenvolvimento para quem?
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o principal agente financiador da obra, ou seja, a sociedade financia um modelo de desenvolvimento arcaico. Não seria mais prudente o Estado induzir um modelo de desenvolvimento contrário, em setores intensivos em tecnologia, por exemplo?
Artigo no jornal Le Monde Diplomatique Brasil, edição de outubro, do professor João Roberto Lopes Pinto, da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ), baseado em relatórios do próprio BNDES, indica que tal opção de desenvolvimento intensiva no uso dos recursos naturais, induz a um crescimento menor de renda e da produtividade, onde prevalecem a ocupação informal, precária e de baixa qualificação. Ou seja, cresce feito rabo de cavalo. Gozam da gentileza do Estado o setor da mineração, celulose e etanol.
Canteiro de obras do lado maranhense. Estreito/MA/2008.
Tal modelo de desenvolvimento induzido pelo Estado tende a fortalecer ainda mais as desigualdades existentes no país. Nesse sentido um conjunto de organizações sociais e políticas organizaram a frente “Plataforma BNDES,” explica o artigo do professor Pinto. A frente deseja pressionar o governo para que reoriente a política do BNDES em favor de um desenvolvimento que busque a superação das desigualdades e promova os direitos sociais.
Pinto reflete que a Plataforma argumenta que se faz necessário, entre outros pontos, a) fortalecer a economia de base camponesa e familiar, que garante produção para o mercado interno; b) descentralizar o crédito e que fomente a diversificação produtiva e a inovação técnica; c) incentivar a participação pública em obras de infra-estrutura social, como uma política de saneamento básico.
Comissão Mundial de Barragens adverte
Entre os anos de 1997 a 2000 uma comissão realizou estudos sobre a construção de barragens em todo o mundo. Tucuruí foi o caso selecionado na América Latina. A construção de barragens do Brasil é responsável por 40% do valor da dívida externa. Entre os impactos da construção de barragens como a de Estreito os estudos organizados pela Comissão Mundial de Barragens (Banco Mundial, construtores, atingidos por barragens, pesquisadores) verificou-se:
a) Alagamento e salinização afetam um quinto das terras irrigadas no mundo, incluindo terras irrigadas por grandes barragens e apresentam graves impactos de longo prazo, muitas vezes permanentes, sobre a terra, a agricultura e a subsistência da população;b) as grandes barragens provocam impactos cumulativos sobre a água, inundações naturais e a composição de espécies quando várias barragens são implantadas em um só rio (caso da bacia Araguaia-Tocanstins);c) as grandes barragens provocam destruição da floresta e locais selvagens, o desaparecimento de espécies e a destruição das áreas de captação à montante devido à inundação da área do reservatório;
d) as grandes barragens provocam o deslocamento de 40 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo; muitas das pessoas deslocadas não são reconhecidas (ou cadastradas) como tal e, portanto, não são reassentadas ou indenizadas.
Barramento do rio Tocantins,Estreito/MA/2008
Na região, as histórias de venturas e desventuras sobre a busca de riqueza fácil em garimpos no Pará é generosa. Francisco foi o moto-taxista que serviu como guia na ensolarada Estreito. Ele soma uns 40 anos e é filho de migrantes do Ceará, estado que nunca chegou a retornar após ter ficado adulto. O nosso guia perambulou pelos garimpos do sudeste do Pará nos município de Xinguara, Rio Maria, Redenção e São Félix do Xingu.
Mamão, Pedra Rica, Camuru são alguns dos garimpos em que Francisco passou. Num deles ganhou um pouco de dinheiro com o ouro encontrado. Fala que não guardou muito da sorte que teve na década de 1980. “Dinheiro de garimpo parece que é amaldiçoado. Nunca durou muito”, reflete o moto-taxista. Francisco informa que passou no maior garimpo a céu aberto do mundo, o de Serra Pelada, mas não ficou por lá.
Ele lembra de gente que “bamburou“ (achou) até 300 quilos de ouro. Teve fortuna em fazendas de gado e casas, como o caso de um garimpeiro que mora em Estreito conhecido como Índio. O afortunado é do município de Codó. Quando ele pegou o dinheiro comprou uma penca de carros e invadiu a cidade natal exibindo o “sucesso” em terras paraense, conta Francisco.
Nas idas e vindas de Francisco ao Pará em busca de riqueza perdeu dois irmãos. A perda mais trágica foi a do caçula. Francisco lembra que o irmão tinha apenas 16 anos, e que era muito generoso com as pessoas ao redor. Mas, a realidade do garimpo não permite tal atitude.
Após achar uma pequena porção de ouro foi tocaiado e morto por parceiros de farra em bebidas e cabarés. Um outro irmão não tem notícia faz mais de 15 anos. Francisco acredita que ele mora em Redenção, sudeste do Pará.
A busca pelas fotos
Falo a Francisco do interesse em fazer fotos da obra da UHE de Estreito. Ele sugere que alugue uma canoa. Somente ela pode levar você até o local onde a construção começou. Numa viagem até um portinho tenho sorte, deparo-me com José Antônio por volta das 11h da manhã de um dia escaldante. Antônio entre outras atividades é pescador, feirante e dono de sítio.
Ao fundo a ponte que separa os estados do MA e Tocantins. Estreito/MA/2008.
Antônio, nosso timoneiro na arriscada viagem no caudaloso Tocantins. Estreito/MA/2008.
Dragas, barcos de vigilância, numa paisagem aonde é possível se avistar babaçuais e outros tipos de vegetação antecipam a nossa chegada. A passagem de uma embarcação veloz conhecida como voadeira forma banzeiros e faz a nossa canoa sacudir no meio do Tocantins. Antônio sugere cuidado.
O pescador avisa que os vigilantes do barco ficam ali para impedir que a passagem dos ribeirinhos quando usam dinamite na obra. Segundo ele, as explosões são comuns no raiar do dia e no apagar da tarde.
Há luz nos grotões?
A instalação da hidrelétrica de Estreito coleciona inúmeros capítulos. Os relatórios de impactos sócio-ambientais amplamente criticados, as ações nos Ministérios Públicos do Maranhão e Estreito, mobilizações do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), apoiados pelo MST, atentado à bala de um gerente de operações contra militantes contrários a instalação da barragem, greve de operários do canteiro de obras por conta da péssima qualidade da comida e assédio moral de um gerente, que acabou sendo espancado pelos operários.
Isso foi verificado desde o processo de audiências públicas. A força da “grana” coopta de clérigos a políticos, passa pelo incentivo a criação de associações de fachada, como o caso da Associação de Atingidos pela Barragem, entre outras. As audiências que seriam um espaço de debate possuem ares de congresso de “partido único”, isso na capital ou interior.
Os boletins do Ceste celebram uma série de ações junto aos mais diversos segmentos da sociedade. Um posto de atendimento ao migrante localizado na pequena rodoviária indica para que as pessoas façam ficha no Sistema Nacional de Emprego (SINE), sempre com filas enormes. Escritórios do consórcio se espraiam em cidades estratégicas nos dois estados.
Centro de atendimento ao Mingrante do Ceste na rodoviária de Estreito/MA/2008.
Não raro os boletins inundam suas páginas com depoimentos de famílias que já foram desapropriadas pelo Consórcio. Tudo é flor nesse jardim? Uma série de reportagens de Beatriz Camargo, pública no site Repórter Brasil, no mês de julho indicam que não. Sobre a especulação imobiliária, a série indica que houve pressão por parte de pessoas de empresas terceirizadas na compra de imóveis, com vistas a serem desapropriados com um melhor preço pelo consórcio.
A não inclusão dos povos indígenas como setores que podem ser afetados pela construção é um outro ponto. O certo é que desde o começo do processo há uma série de pontos nublados. Enquanto isso as obras avançam sobre o rio, sobre as histórias das populações locais, a reconfigurar uma região prenhe em conflitos na disputa pele terra e os recursos naturais nela existentes.
Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR)
Raimundo Carvalho, conhecido como Cabeça Branca, dirigente sindical rural de Estreito, explica que no começo todo mundo achava que a barragem ia ser boa. Aos poucos o povo vai aprendendo que não é bem assim. Carvalho foi operário na construção da barragem de Boa Esperança, no rio Parnaíba, no estado do Piauí na década de 1960, e também o atingido pela própria obra que ajudou a erguer.
Dirigente sindical rural de Estreito, Carvalho fio operário na barragem de Boa Esperança, no Piauí. Estreito/MA/2008
Construção civil - sindicato em construção
Delfino Araújo é o presidente do recém criado Sindicato da Construção Civil de Estreito, que tem 140 sócios como fundadores. Ele explica que o registro para a criação do sindicato foi publicado no Diário Oficial em fevereiro deste ano. O sindicato ainda está em fase de construção, é o que se conclui após a conversa com o dirigente.
Araújo ainda não sabe quantificar quantas empresas estão no canteiro de obras da hidrelétrica e nem o número preciso de operários. Ele informa que já solicitou os dados para o setor responsável.
Mascote do boteco do portinho em Estreito/MA/2008
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