Av. Paulista. Garoa. Primeiras
horas do novo, velho ano. Sob as marquises em traje e cobertores em desalinho,
seres humanos buscam abrigo. Contraditórias contradições, no espaço dedicado a
grandes negociatas e desfiles de patos amarelos pessoas passam privações.
“Tenho fome. Me ajude”
roga um cartaz de papelão segurado por um adulto em um dos acessos do metrô. Não
há tanta luz na avenida. São escassos os
enfeites nas edificações. “Outrora
ocorria uma espécie de competição entre as empresas”, informa Thulla, a
companheira. “O normal era tudo iluminado até o dia 10 de janeiro”, arremata.
Tal um carro alegórico pós
desfile de carnaval, o palco que abrigou shows da virada do ano ainda ocupa a
rua. Gal e Jorge Bem foram as atrações principais.
Tempo lento. Ao menos
esta noite, a via opera assim. Grupos e
casais de todas as tendências e idades circulam na mesma velocidade. Alguns assistiram
ao novo longa-metragem de Spike Lee no Espaço das Artes.
Os conflitos raciais
configuram o centro de gravidade. Entendi como uma provocação à reflexão sobre
a aurora/ocaso dos nossos dias. A película ilumina arenas onde rivalizam os grupos
Pantera Negras e a KKK.
Cenas de violências nos
dias atuais ocorridas nos EUA encerram o filme, entrecortadas por discursos de
ativistas e do atual presidente. Antes do acender das luzes decretando o fim da
sessão, ecoam gritos em oposição ao presidente do Brasil, e aplausos ao filme.
O mesmo desfecho teve o
delicado musical dedicado à vida de Elza Soares, encenado num espaço do Sesc. A
apoteose ocorreu durante a canção que protesta sobre a carne negra do mercado
sendo a mais barata.
Assim com os/as Panteras
Negras, as interpretes cometeram o gesto do punho cerrado e o braço erguido em
protesto. Comovente. Confesso: as lágrimas ocorreram em mais de uma ocasião.
Estranhamento: árvores
no centro da medusa concreta.
Novo, velho ano.
Portela celebra Clara Nunes, Mangueira em um samba suntuoso exalta o povo preto [Brasil, meu nego deixa eu te contar aquilo que a história não conta..] enquanto Salgueiro invoca Xangô. Oxalá nos alumie.
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