Dilma é branca. Usa óculos. É esguia.
Tem pernas finas. É desprovida de bunda, no entanto é dona de um protuberante
bucho. Parece ser de cerveja. Há 30 anos peleja com bar. O atual tem proteção
divina. Fica defronte da Igreja Sagrada Coração de Jesus, na Feira da Folha 28,
em Marabá.
O logradouro não tem água há mais
de um mês. Neste período do ano o sol é inclemente.
As nuvens de poeira fazem par com as de fumaça
das queimadas rurais e urbanas. A sensação é de 40º.
Quatro mesas tomam a calçada do
bar de Dilma. Além de cerveja a comerciante vende comida. Panelada é o prato
principal. Influência nordestina. Em particular
do Maranhão.
Ali aposentados, apontadores do
jogo de bicho e outros habituês dão
vida ao local. A proprietária é econômica com as palavras. Muda de expressão ao receber um telefonema
que informa da morte do filho de uma amiga. O garoto de 20 e poucos anos
enfrentava a morte após um acidente de moto.
O cavalo ferro é o principal
veículo usado na cidade. Somente de moto-taxistas legais são 700.
O clima árido coaduna-se com o
aspecto rude de uma cidade erguida sob a violência de grandes projetos, e a
corrida por riqueza fácil em inúmeros garimpos em tempos de ditadura.
Um carro com som automotivo toma
o lugar. O repertório ao ritmo de seresta desfila clássicos do trecho: Bartô
Galeno, Alípio Martins, Raimundo Soldado e outras canções antigas que retratam
a dor de cotovelo. Soa que o sofrimento pela perda da mulher amada ou a distância
da família e da terra natal integra o DNA da fronteira. Melancolia em elevado
grau de concentração.
Uns seis
bebuns compartilham pinga e sobras de comida. Dançam. Celebram a vida e a
morte. Um faz performance em atirar em pessoas: Pa! Pa! Pa! Cai na gargalhada. Festeja.
Tempo de eleição. A caminhada do
ex prefeito que disputa assento no legislativo estadual recua. É persona non grato entre os feirantes.
Uma negra magra buchuda comercializa churrasco de gato. Brinca com consumidores e comerciantes. Divide
espetos com os vizinhos.
O sol avança sobre a empresa de
Dilma. Sem cerimônias, um senhor que
estava na mesa da frente ocupa uma cadeira no local em que estou. Não existe constrangimento.
Bom dia é um luxo. Ironizo: “o senhor já tem 60 anos?” Ele confirma que sim. Brinco:
“então pode tudo’.
Não tarda mais duas pessoas tomam
as cadeiras que estavam vazias. Prosam. Fazem pilhéria. Arquitetam uma fraude
no SUS para facilitar uma operação de hérnia de um amigo goiano. Sob o sol
escaldante de uma tarde a cerveja corre solta. É tempo de praia. Um dos ocupantes é dono de barco.
Outro sugere uma suruba fluvial:
tem umas meninas ai pra gente levar para passear. Como tá o barco? “que tal a
gente fazer no dia das crianças, em outubro, quando celebro o meu aniversário?”
Sem despedidas, pago a conta e
pego o beco.
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