Manejo da cultura garante segurança alimentar e renda
A Amazônia é um mundo
de águas. No Porto da Palha em Belém, um canto dele, o rio Guamá se impõe. O
chão é tomado de folhas de bananeiras e cestos de açaí enfeitam o cenário. O
local é um dos pontos de venda do produto mais consumido na capital do Pará. Conforme
o dia avança mais barcos chegam carregados do fruto em ‘basquetas’, caixote
pesado de plástico, similar a um engradado.
O porto é pequeno para a
quantidade de barcos, rabetas e canoas que atracam ali. Quem chega cedo
consegue ancorar a embarcação próximo da ponte de madeira para descarregar os
produtos e o desembarque dos ribeirinhos, moradores das comunidades próximas ao
longo do rio. Há uma variedade de embarcações de diferentes tamanhos que configuram
a paisagem do local, repleto de lixo.
Na outra margem do rio
distante dali, existe uma comunidades que luta por sua sobrevivência. Na data
que se comemora o dia Internacional de Combate à Pobreza (17), a Comunidade Quilombola
do Espirito Santo dá exemplo que com a manutenção da floresta em pé se consegue
o direito à segurança alimentar, apesar da ausência de políticas públicas. Na
comunidade não há saneamento básico, água potável e energia elétrica.
Espirito
Santo
Localizada na zona
rural do município de Acará, a região é conhecida como Baixo Acará. No território moram em torno de 19
famílias em uma área de 167 hectares. O acesso a comunidade pode ser tanto via
fluvial e terrestre. De barco a viagem dura cerca de uma a duas horas até a
comunidade quilombola de Itacoã, após isso mais 5 quilômetros por estrada de chão
batido. Espírito Santo fica a 130 Km distante da cidade do Acará. indo pela Alça Viária a comunidade fica no Km
24.
Mesmo enfrentado
dificuldades com a ausência de políticas públicas a Associação de Moradores e Agricultores da
Comunidade Quilombola do Espírito Santo conseguiu executar o projeto de
Manejo de Açaí
Autossustentável Coletivo Consorciado, com o apoio da Malungu – Associações das
Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – e do Fundo Dema.
O fundo é resultado de um processo bem sucedido
entre Ministério Público, governo brasileiro e Sociedade Civil Organizada.
Criado para fortalecer e apoiar projetos de movimentos sociais, associações e
comunidades para atender aos povos da floresta. Este ano o Fundo Dema completa
10 anos de luta e resistência por justiça ambiental na Amazônia.
A presença do negro no Pará se registra no clássico o
livro, O negro no Pará, do autor
paraense Vicente Salles, importante obra de revisão em documentos oficiais e
jornalísticos datados dos séculos XVII a XIX. A região Guajarina, onde se
localiza a comunidade do Espirito Santo, teve grande concentração de mocambos ao
longo dos Rios Moju, Capim e Acará.
Os dados apresentados pela Coordenação Nacional das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) durante o III Encontro dos
Quilombolas do Pará informam que estado do Pará lidera o ranking nacional na
titulação de territórios quilombolas. Das 193 comunidades quilombolas de todo o
Brasil que já receberam títulos de propriedades da terra, 118 estão no Pará até
agosto deste ano, ou seja, mais de 60%. O Fundo Dema contribuiu para se chegar
a esse número. Em 2010 a Malungu lançou a Campanha pela Legalização dos
Territórios Quilombolas com o apoio do fundo. Entre os anos de 2010 e 2012
receberam títulos de terras 11 comunidades. Até outubro deste ano já foram 8 áreas tituladas e legalizadas.
O numero apresentado tende aumentar. A comunidade do
Espirito Santo ainda não recebeu a titulação do território, prevista para
próximo mês. A titulação das terras quilombolas garante o direito ao trabalho,
a preservação de seus costumes e a cultura, além de garantir segurança
alimentar as populações tradicionais. A insegurança alimentar está diretamente
ligada com a situação de conflito e exclusão do homem no campo.
Carvão
Antes do projeto a principal atividade de
sobrevivência das famílias era o plantio da mandioca e queima da madeira para a
produção de carvão. É o que conta Paulo Araújo, morador da comunidade e atual
Diretor do Departamento de Promoção da Igualdade Racial do município. “O carvão
predominava na comunidade, a maioria das famílias mantinham sua famílias da
venda do carvão, duas não realizavam a atividade que era o meu caso. Pra nós
era um martírio ver as pessoas nessa atividade, além de afetar a natureza é desumana
a condição de trabalho no qual o agricultor se encontrava”.
Sem recursos para investir no manejo do açaí eles
não tinham condições para comprar os equipamentos necessários para realizar a
manutenção e a limpeza da área do plantio. O projeto transformou ambientalmente e socialmente a realidade da
comunidade. Promoveu o manejo sustentável, baseado em práticas agroecológicas,
ou seja, na manutenção e preservação da floresta em pé, sem uso de agrotóxicos
ou práticas danosas ao solo, contribuindo assim para a redução do desmatamento
e por consequência a recuperando de áreas degradadas.
Resultados
Após três anos a avaliação sobre a iniciativa é
positiva. “A gente percebe nas nossas próprias crianças elas estão mais
alegres, tem mais vigor”, destaca Paulo. O projeto foi iniciado em 2010 e alcançou
o objetivo, garantir segurança alimentar e aumento na renda dos quilombolas
contribuindo para uma melhor qualidade de vida dos moradores.
Apesar da grande maioria das famílias na comunidade
não dependerem mais da produção do carvão, ao longo da estrada ainda se podia
ver alguns moradores, que residem fora da comunidade, realizando o desmate e
queima da floresta para a produção do carvão.
Com o projeto, além de proporcionar a compra dos
equipamentos, foi possível construir um barracão para que a comunidade pudesse
se reunir de forma mais digna. De acordo com o presidente da Associação de
Moradores e Agricultores Quilombolas da Comunidade do Espírito Santo, Maciel
Seabra, durante a construção do espaço todos se uniram, homens e mulheres,
idosos e crianças. Atualmente o barracão abriga a escola de alfabetização dos
meninos e meninas do Espírito Santo.
O fortalecimento dos laços é um dos resultados
conquistados. Com o aumento da renda da
produção do açaí algumas famílias puderam construir casas de alvenaria. Maciel compara
a média de produção do fruto com a quantidade de latas de açaí. A comunidade produzia
o açaí, mas não de forma intensiva. Ele conta que antes o barco da associação
levava uma média de dez a quinze latas por semana, após a execução do projeto
houveram viagens em que se levou cerca de 100 a 118 latas de açaí para vender
no Porto da Palha.
Mas para a senhora Maria José Brito, mais conhecida
como Leda, o maior benefício foi o agricultor do Espírito Santo perceber o
valor do trabalho que realiza, e conclui. “Houve
uma mudança de paisagem muito boa, um resgate maior do nosso enxergar, de que a
zona rural é o nosso lugar. A gente pode fazer disso aqui algo que seja
perfeito para morar e criar nossos filhos, enviá-los para estudar e que depois
eles entendam que aqui é o local deles viverem, produzirem e trabalharem em
prol dessa comunidade”.
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