As
amazônias do Brasil são várias. Vasto mundo de gentes e conhecimentos milenares
de matrizes indígena e negra. Gentes que serpenteiam entre furos, igarapés e
rios, a fundar e refundar sons, batuques, lendas, histórias, saberes, sabores e
trilhas. No Pará, segundo estado em extensão territorial do país, uma
diversidade de povos e conhecimentos ainda flutua, em certa medida, oculta das
praças formais do conhecimento, por ignorância ou preconceito.
Em
Bujaru (boca da cobra grande), cidade da região metropolitana de Belém, nordeste
paraense ou região Guajarina, aproximadamente 73 quilômetros da capital, é um
exemplo. Curuperé, Cravo, João, Pirapoca e Cravo alguns dos igarapés do rio Bujaru, um dos
afluente do Guamá., vizinho do rio Capim A Amazônia é um mundo de rios. Rios de
águas e gentes. No mundo de águas da cidade, o rio Guamá impera.
O mundo de águas do
Guamá é um mundo de gentes, 25 mil pessoas é a população estimada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), boa parte de origem
negra e nordestina. A PA 140 é a principal via de acesso ao município, que
mantém uma relação muito próxima com Concórdia do Pará e Santa Isabel, cidades
vizinhas. O rio Guamá separa Santa Isabel de Bujaru.
A travessia de balsa dura menos de trinta
minutos. No cais o comércio de bebidas, lanche e café socorrem os viajantes,
que possuem a opção de dois modestos hotéis. Peixe seco e fresco são negociados
a partir das seis da manhã na beira do rio, quando as portas do comércio abrem.
Rabetas e lanchas movimentam o trapiche da cidade, a deslocar os estudantes,
moradores e comerciantes. Pescadores em canoas sem motor arriscam apanhar uma
gurijuba, pescada ou dourada. Açaizais sacodem ao vento em quintais das casas,
algumas de madeira. Os quintais estão repletos de árvores frutíferas, como
mangueira, jambo e bacaba.
Vicente
Salles conta que no vale do rio Guamá predominou no século XVIII e XIX uma economia de
monocultura de cana de açúcar, cacau e algodão, além da criação de gado e engenhos, baseada em mão de obra escrava. A
cana de açúcar predominou nos rios Acará, Capim, Mojú, Igarapé Miri, enquanto
em Bujaru a cultura do cacau tinha a hegemonia. É possível ainda hoje encontrar
estruturas físicas dos antigos engenhos em inúmeras localidades em Bujaru, a
exemplo de: Bom Intento, Guajará Mirim, Conceição, Engenhoca, Mocajuba e São
Judas.
Terras
de Sesmarias e de posseiros conformaram a feição territorial de Bujaru no
período de 1724 a 1824. Portugueses provenientes dos Açores eram os principais
interessados nas terras à beira dos rios. A
decadência da economia escravocrata inicia nos anos finais do século XIX,
quando as fugas ganham volume. No século XVIII, período pombalino, os escravos
chegaram a representar 54% da população, conforme pesquisa da professora Edna
Castro. A partir das fugas organizaram mocambos na região, onde cultivavam a agricultura
em pequena escala, com ênfase na produção de mandioca e hortaliças nas vazantes
dos rios. Nos dias atuais a pressão sobre as terras tem sido exercida pela monocultura do dendê, ativada pela empresa BioVale, com incentivos federais.
Divino
Espírito Santo, Carimbó, Cordões de Pássaros e Boi Bumba são algumas das
manifestações oriundas das localidades rurais, assim como as lendas. Um monte
delas, como a dos “Pretinhos da Pororoca”. Conforme moradores, três pretinhos
seriam os responsáveis pela onda avassaladora. Sobre o mesmo assunto é
recorrente lembrar que o Padre Basílio Bossio, da Paróquia de São Joaquim teria
levantado o braço e jogado água benta no rio da comunidade de Icurapá, para
impedir a pororoca. Desde então o fenômeno nunca mais foi o mesmo.
Além
do atrativo de origem histórica e cultural, o local configura-se uma
possibilidade de investimento em turismo, onde podem ser incentivadas, entre
outras práticas, as trilhas ecológicas e a canoagem. Conforme informações dos
discentes que fizeram parte do curso da EGPA, pode-se afirmar que no mapa das
artes bujaruense há o predomínio de manifestações de origem cristã, a exemplo
da celebração do santo padroeiro, São Joaquim, Círio, celebrado a cada primeiro
domingo de dezembro, Natal e a Marcha da Fé, em julho. No caso de São Joaquim
ocorre uma grande mobilização no mês de agosto, que tem como desdobramentos a
realização de bingos, leilões, auto e folias.
A
partir do universo rural ocorrem celebrações em inúmeras comunidades e em
escolas da sede do município. Neste segmento, vários festivais são realizados,
entre eles: o da mandioca (Escola Izolina Reis), maracujá (Escola Maria José),
tucupi (Escola Cantinho do Saber) e coco (escola don Angêlo Frosi) e do açaí
(Igreja Jericó- Ipixuna). É possível sinalizar que ocorre uma convergência em
diferentes dimensões, onde comungam homem, natureza e cultura. Neste cenário
cultural há o envolvimento de uma gama de instituições do poder público
municipal e estadual, entres as quais é possível indicar: as secretarias de
educação, cultura e meio ambiente; e a Empresa de Assistência Técnica Rural
(Emater), o comércio da localidade e pessoas simpáticas às manifestações.
Pássaros
e Boi Bumbá existem desde o século passado no município de Bujaru. Bruno dos
Santos Batista, conhecido como mestre Neco, é cantador e poeta de boi bumbá,
cordões de pássaros e sambas. Ele explica que desde os anos 1960 há registro do
folguedo em Bujaru. O mestre conta que Brilha Noite foi o primeiro boi. Além do
mestre Neco ajudaram a animar a brincadeira, Manoel Roque, Joaquim Gomes da
Silva (Marreta).
Por
conta de alterações das pessoas na direção da brincadeira, ocorreu a mudança de
nome de Brilha Noite para Estrela D´alva. Conforme informações dos
participantes da oficina, as manifestações não existem desde ano passado. Neco
rememora que a maioria das manifestações possui como seio o Bairro da Palha, estigmatizado
pelo fato de ser um bairro de periferia, habitado por pessoas negras e carentes.
Palha é um dos primeiros bairros da cidade.
Mestre Neco recorda que uma das canções
da brincadeira conta o seguinte:
Menina
varre o terreiro
Mestre Neco –
Menina varre o terreiro
Que o Brilha Noite Chegou
Jogando terra no lombo
Sem achar pastorador
Já
a poesia do Estrela D´alva, assinada por Marreta, que trata da despedida do
boi, proclama:
Canção
do Estrela D´alva
Joaquim Gomes (Marreta)
Adeus morena
Peço que não vá chorar
Que o Estrela D´alva já vai se arretirar
Se eu não morrer neste grande bombardeio
Para o ano
Nós há de voltar
A
professora Jacirene do Socorro Silva dos Santos, filha do artista Marreta,
explica que a maioria das canções das brincadeiras era assinada pelo pai, Maria
Pedrina (Peda), Neco e Carlos Batista (Seu Carroça), pai do mestre Neco.
Peda
assina a seguinte música do Estrela D´alva:
O nosso boi não tem ouro na madeira
Mas nós temos dinheiro que o nosso
prefeito arrumou
Com o dinheiro eu compra prata enfeito
ele
E ainda compro alguma coisa de valor
Olha o chapéu dos bailantes com fitas
avoando
As sandálias nas candeias se for
brilhantes
Alumeia
O
Bairro da Palha é uma espécie de centro irradiador de cultura no município. A
professora Lúcia Baena narra que o logradouro abriga artistas plásticos,
compositores, cantores, carpinteiros, estilistas, costureiras, bordadeiras,
quadrilhas juninas, blocos de carnaval, carimbós, umbanda e artesões.
Os
cordões de pássaros tiveram o mesmo destino dos bumbás. Os (as) alunos (as)
contam que Bacurau, Surucuá e Japiim existiram até uns anos atrás. Todos
tocados por mulheres. Os cordões existem somente no Pará. É um folguedo típico
da Amazônia. A professora Maria Irani Ferreira Serra era a pessoa responsável
pelo Surucuá; Margarida Palheta
animou o pássaro Japiim, enquanto a
também professora Benedita Luz colocava nas ruas o Bacurau. No caso do carimbó, o grupo Canto do Guará foi o mais
citado, e encontra-se em plena atividade. Ele sempre é convidado para
participar de feira agropecuária no município de Castanhal e de atividades no próprio município.
Além
do mestre Neco, completam a constelação de artistas populares de Bujaru
Ambrosio Correa, que executava Flauta, Antonio Carlos Bezerra (Tonhão) violonista
e Zé Holanda, que toca cavaquinho. Os experimentados artistas além de ocuparem
lugar de protagonismo na cultura popular, foram formadores de jovens músicos,
como no caso do Zé Holanda. Raimundo Soares e Haroldo Reis são os cantores mais
conhecidos de Bujaru. Reis é popular como cantor de bailes da saudade em Belém. Hugo
Reis (Bigasbalde), irmão de Haroldo, integra o coletivo dos cantores
populares. Nativos é uma banda que existe há uns três anos. O grupo executa uma
variedade de ritmos.
Na
literatura existem as irmãs poetisas Lindarlene
e Lindadarle Farias. Além de poesia Lindalerne é conhecida por compor sambas
para o bloco carnavalesco Caldeirão da Alegria, que existe desde a década de
1990. As professoras Oda Bernardo, Benedita Luz e Iracema Heitor assinam o hino
de Bujaru.
Cultura em Bujaru - Dias
de hoje – Os blocos de sujo do carnaval não
existem mais. Os discentes do curso avaliam que a falta de apoio público
colaborou para a extinção dos mesmos. Nas manifestações havia batucada, letras
e o canto, e o abadá ainda não predominava na paisagem. No lugar dos antigos blocos surgiram: Caldeirão,
Vermelhinho e Palha Não Há. A participação é permitida mediante a aquisição do
abadá. Um trio elétrico com músicos
garante o arrastão. As composições de autores locais são cantadas no trio. Os participantes
da oficina esclarecem que os blocos de carnaval surgiram a partir de antigas escolas
de samba.
Na
construção do Mapa das Artes de Bujaru a quadra junina é outro expoente. As
quadrilhas configuram a principal atração, despontam neste campo: Forró da Alegria,
Maluquinha e o Cheiro do Pará.
As
irmandades religiosas estão expressas a partir das agremiações do Divino Espírito
Santo e Santíssima Trindade, ambas da comunidade de Ponta de Terra; São
Sebastião, oriunda de Bacuri. Na primeira sede do município, Santana, ocorre
uma série de festividades no final de julho. A comunidade abriga a primeira
igreja do município. E em setembro festeja o açaí.
Bom
Intento e Quizomba são as expressões locais nas artes cênicas e fazem
referência à cultura africana. O Bom Intento é uma localidade remanescente de
quilombolas. Uma antiga fazenda de cana de açúcar. O grupo de teatro que existe
há mais de duas décadas, e sofre dificuldades para a garantia de sua
manutenção. O Quizomba é fruto de uma dissidência do Bom Intento. Raimundo
Chermont é o principal animador do teatro do Bom Intento, já Rogério Lino é do
Quizomba. Chermont também é artista plástico.
A
juventude evangélica de diversos segmentos organizou o Hip Hop Unidade Cristã.
A atividade engatinha os primeiros passos. Os participantes da municipalização
da EGPA informam que a cidade abrigou uma oficina sobre o assunto organizada
pelo IAP (Instituto de Artes do Pará).
No
artesanato despontam a arte em cipó (timbuaçu, guarumã). Abano, tipiti, peneiras, paneiros, vassouras,
rasa de açaí (cesta), tupé (espécie de tapete) são alguns produtos de origem das
comunidades ribeirinhas.
Há
doze anos o Torneio Náutico e Trilha Ecológica, antigo torneio de jet-ski e
canoagem é realizado pela Ação Social da prefeitura. O evento é realizado no
cais de arrimo, em frente à cidade. E, ainda, a primeira Trilha Ecológica será
realizada na comunidade Bom Intento.
O
município possui biblioteca pública. Na comunicação e entretenimento o Itamarati
foi a primeira aparelhagem de som, e existe há pelo menos cinquenta anos.
Dulcídio Geraldo de Sousa foi o empreendedor. Nos dias atuais a aparelhagem tornou-se
Itamarati Publicidade, e tem como proprietário Ducival Sampaio, que herdou a
atividade do pai, Sousa. A aparelhagem ganhou o nome DuckSom. Outro recurso
usado na comunicação é o carro de som, além de faixas e outdoor.
Não
há teatro em Bujaru. As praças são utilizadas para eventos, como o Pará
Paidégua, uma espécie de feira cultural, organizada pela Secretaria de Cultura.
Grupos evangélicos e de teatro também
costumam usar o espaço. A Praça das Bandeiras é a principal da cidade. Trata-se
do antigo cemitério.
Benzedeiras
– Gertrudes Macedo, Iolanda, Tibúrcio, Dona Dudu (falecida). Criança com quebranto mofina, sapinho na
boca, mal olhado. Terço, arruda molhada na água, catinga de mulata, hortelãzinho,
chá de erva doce, reza. Ainda hoje é comum as mães levarem as crianças para
serem benzidas.
Artistas plásticos
– Raimundo Chermont, Rosivan Baena, Richard Farias, Gileno Farias e Ítalo
Holanda são alguns artistas da cidade na cena de artes plásticas.
Parteiras
– Dona Zezé (falecida), Dona Clara, Dona Coló (falecida), Creuza Santos, Dona
Antonia Cordeiro, Manolita Gomes, Maria Acionila, Eva Belém, Faustina Abreu, Bertolina
Alves. Em todo o município são perto de quarenta mulheres que realizam o parto
assistido.
Igarapés
- Mariahi, ramal do km 25, Igarapé no km 12, Melou Lavou, na comunidade
castanheiro, Bom Intento, São José (Buraco Fundo), na cidade, Pandeiro, no km
20 formam a constelação de igarapés que movimentam o fim de semana em Bujaru.
Considerações -
Em
síntese, é possível sinalizar que o município de Bujaru abriga uma
potencialidade de apelo cultural e ambiental ainda pouco explorada, e que
necessita de uma política pública de valorização e profissionalização dos
diversos grupos que integram o cenário cultural do município, e que tal
política possa colaborar tanto para provocar um processo de reconhecimento e
valorização; quanto para a melhoria da qualidade das populações, e pessoas que
protagonizam grupos e iniciativas nos dois setores (públicos e privados).
Os
trabalhos realizados em grupo indicam que as principais manifestações do
município são: Festa de São Joaquim, Marcha para Jesus, celebrada em julho;
Carnaval, Festa do Produtor Rural e os festivais Culturais Comunitários, que
ocorrem durante todo o ano.
Nas
diversas atividades visualiza-se como apoiadores a prefeitura, comércio e
pessoas físicas, a partir de recursos monetários, gasolina, condução,
deslocamento para a capital e alimentação.
Uma
possibilidade para se otimizar as potencialidades do campo de cultura, pode ser
a construção de um núcleo de cultura, que dialogue com os acúmulos já
existentes e registrados nas conferências municipais de cultura. Os trabalhos em sala indicaram algumas
pistas, que seguem abaixo.
Núcleo de Cultura
Composição – secretaria
municipal de cultura e outras afins, como a de educação e a secretaria de meio
ambiente, artistas e mestres da cultura popular, quadrilhas juninas, blocos de
carnaval, grupos de teatro, grupos de dança, etc.
Apresentação
- O núcleo de cultura de Bujaru a partir do Mapa das Artes tem por finalidade
reunir, organizar e orientar as diversas manifestações culturais no município
de Bujaru.
Missão
– Fomentar a cultura no município de Bujaru.
Objetivos
–
Geral
– Fomentar a cultura em Bujaru
Específicos
–
i)
Qualificação técnica e artística;
ii)
Qualificação para captação de recursos
Prioridades
e metas –
i)
Qualificação técnica e artística;
ii)
Montar uma equipe para captação de
recursos, que realizar um levantamento sobre os principais editais nacionais e
estaduais do setor da cultura;
iii)
Promover uma parceria com instituições
da União e Estado (Minc, IAP, Centur).
[1] O presente
documento resulta de uma oficina sobre gestão cultural promovida pela politica
de municipalização da Escola de Governo do Pará (EGPA) entre 09 a 14 de
setembro no município de Bujaru. A escola estadual Don Mário Miranda Vilas Boas
abrigou o evento, coordenado pelo assessor da EGPA, Cleodon Gondim. Relação dos
discentes: Anne do Socorro Santos, Bruno Batista (Mestre Neco), Elizabeth Valadares,
Francyanne Maciel Chaves, Graça Trindade do Carmo, Joel Marques, Lucilene
Corrêa Natividade, Marcilene Campos
Piedade, Maria Benedita de Farias, Maria de Lourdes Silva Souza, Maria
do Socorro Reis, Maria Lenilda Fonseca, Raimunda Nonata de Abreu, Renata Alves,
Rosalina Faro Lobessa, Thatiana Santos da Silva, Jacirene Silva Santos, João
Evangelista Cunha, Lucimar Castro Correa, Maria Lúcia Baena, Marinalda Gomes
Meneses, Raimunda Ribeiro Souza, Raimundo Chermotn Ferreira, Renata Oliveira
Alves, Rosilene do Socorro Cunha, Silvana da Silva Cruz, Tatiani Conceição
Maciel, Wanderléia do Socorro de Araújo, Zena Lima dos Santos.
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