segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Pequena memória sobre o trecho II


Rua do Ouro, centro do município de Tucumã, sul do Pará. O nome da rua justifica um dos emblemas do lugar, a mineração. Na década de 1980 a febre do ouro provocou o fluxo de vários monomotores ao município.

Não há nada de nobre no logradouro. Os botecos são simples. Alguns com estrutura de madeira. Ali ficam uns puteiros. Nada atraentes.

Quase vinte e três horas num dia de semana. Tudo pacato. Uma jovem loira toma cerveja com um senhor que sinaliza embriaguez. Ela conta da viagem aos EUA. Ele ouve sem atenção. Tenta curar o porre num prato de sopa. Combinam o serviço. Tomo duas cervejas com o parceiro de viagem. E vamos embora.

Rua à cima uma placa divertida chama atenção: Churrasco do Maranhão com o signo de um japonês gordinho. Três jovens atendem no lugar: Érica, Leila e Renata. A primeira é mais encorpada. Negra do Maranhão.

A dona de riso largo tem uma bunda farta. A segunda é a menor. Tem feição indígena. Simpática. Já terceira é mediana. Cabelos longos e parece a mais jovem do grupo. O sutiã aperta os seios que transbordam da camiseta. A cada noite uma saraivada de cantadas.  Experimentamos o churrasco antes de dormir.

A Rua do Ouro fica perto da rodoviária erguida pela Vale, que explora níquel na fronteira com Ourilândia do Norte e outras cidades.  Calçar ruas, garantir algumas edificações, bancar festival disso ou daquilo constitui como agenda da corporação como estratégia de relação com a comunidade e de comunicação. E ainda barganha com o artificio de “responsabilidade social”.  

Informantes indicam que no pico da obra era comum o deslocamento de jovens das cidades da redondeza no incremento do serviço sexual. A divisória das principais avenidas das cidades servia como butiques de carne humana. A força do capital a tudo subordina?

Na região, após a exploração do ouro sucedeu a madeireira. Nos dias atuais existem produtores de cacau e pecuária leiteira. Os colonos, alguns com mais de vinte anos de vínculo com a terra podem ser tratados de médios produtores. Alguns possuem mais de 200 cabeças no rebanho, um carro adequado para o deslocamento nas estradas de terra, camionetes com tração.    

Explosões nos fornos da fábrica obrigaram a mineradora a suspender a operação. A recuperação é demorada. E nos bastidores a tendência é que a Vale deseja se desvencilhar do empreendimento. 

Assim como outros projetos da corporação no Pará, o projeto Onça Puma, adquirido da empresa canadense Canico Resource Corp tende a pressionar territórios já definidos como projetos de assentamentos, modalidades de reservas ambientais e áreas indígenas.

Os atropelos nos processos de licenciamento obrigaram a mediação do Ministério Público Federal (MPF). A instituição tem sido a principal no cenário jurídico nas pelejas para a efetivação dos direitos violados das comunidades atingidas.

Projetos de grande envergadura provocam a desagregação e turbinam as disputas internas na comunidade. Mesmo entre os representantes de deus isso tem ocorrido: pastores e padres cooptados em algumas localidades advogam em favor da empresa. Ajudam a azeitar “as negociações” entre as famílias impactadas e a mineradora.

Aos que de alguma forma tensionam e encaminham denúncias a tática muda. Passa pela tentativa de cooptação, persuasão ou oferta de mimos e ainda o isolamento.  

Chove no trecho que de vez em quando tem a rodovia tomada por boiadas. Os hotéis mais bacanas erguidos para abrigar o staff da empresa e das terceirizadas estão vazios por conta da suspensão do projeto.

Desde o ano passado uns projetos de reassentamento foram efetivados, como o União, fruto da negociação da área conhecida como Campos Altos.  A assessoria jurídica ficou por conta da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a técnica a cargo da ONG Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp).

O processo ainda não encerrou. Algumas famílias ainda aguardam negociações. Mas, alguns locais já parecem fantasmas, como a Vila Minerasul, no município de São Félix do Xingu.

E o diapasão da expropriação do capital segue o mesmo desde os tempos de Cabral.

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