Nossa viagem ao Peru (eu e Dion) para participarmos dos Atos de Memória do Levantamento e Massacre de Bagua -na Amazônia Peruana- do Encontro Andino-Amazônico em Lima e da Marcha em direção à Quadragésima Reunião Geral da OEA foi para mim a prova mais contundente de que estamos no caminho certo e de que nosso esforço no sentido de construir a unidade dos povos pan-amazônicos começa a dar seus primeiros resultados.
Em Bagua se chega depois de uma viagem de 20 horas- desde Lima- subindo e descendo cordilheiras. Esta pequena cidade é uma das portas de entrada para a selva peruana e para as comunidades dos povos aguajuns e wampis que habitam a região.
Aí participamos de um rápido Seminário - pela parte da manhã- que tinha o objetivo de socializar experiências e debater um documento a ser entregue na 40ª Reunião Geral da OEA. O documento reivindica a imediata promulgação por parte do presidente da república -o nefando Alan Garcia- da lei aprovada pelo Congresso que condiciona a realização de obras e atividades exploradoras de recursos naturais em território indígenas, e à prévia autorização das comunidades, o início de uma campanha pela anistia aos militantes sociais presos, condenados ou processados e uma moratória nas obras do Iniciativa de Integração da Região Sul-Americana (IIRSA) até a realização dos processos de consentimento.
Apresentamos sugestões ao documento- que foram incorporadas ao texto e participamos das discussões sobre alianças entre os povos, destacando o Forum Social Pan-Amazonico e convidando os presentes a participarem do V FSPA em Santarém em novembro. Também falamos sobre o IIRSA, Belo Monte e criminalização dos movimentos sociais, pontos básicos de nossa pauta durante nossa visita às terras peruanas.
À noite participamos de uma emocionante vigília na Curva del Diablo - um ponto de estrada distante quase uma hora de Bagua , onde no ano passado as forças policiais iniciaram o ataque de helicópteros contra os indígenas que ocupavam a rodovia em protesto contra os Decreto-Leis promulgados pela Presidencia da República - que nos marcos do Tratado de Livre Comércio entre o Peru e os Estados Unidos abriam as terras indígenas para a exploração mineira e petrolífera. O Baguazo- como o conflito ficou conhecido- foi um confronto sangrento que se desenvolveu em diversos pontos da região com dezenas de mortos tanto da parte dos indígenas, como dos policiais. Pois os agauajuns e wampis -povos com tradição guerreira - reagiram com lanças aos fuzis e metralhadoras das forças repressivas.
Na manhã seguinte um vigoroso ato público com mais de cinco mil pessoas contou com a presença de Alberto Pizango, liderança máxima da AIDSEP - Agencia Inteétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana que, apesar do nome asséptico ( ela foi criada durante um período de ditadura militar) é a organização unitária dos povos da Amazônia do Peru, que possui bases em treze mil comunidades que se articulam em mais de uma dezena de federações e quatro Confederações.
Pizango e outros dois dirigentes estavam exilados na Nicarágua para não serem atingidos por uma ordem de captura determinada pelo governo. A pressão do movimento conseguiu que o mandato de prisão fosse transformado em um processo que pode ser respondido em liberdade - chamado ordem de comparecencia e Pizango pode compartilhar com seu povo as recordações dolorosas e os chamados à continuidade da luta. Foi um evento emocionante onde intervimos cercado pelo carinho dos compas peruanos, que a todo momento demonstravam e proclamavam a importância de nossa solidariedade. Nos chamou a atenção o fato que o movimento responsabiliza o Governo de Alan García não só pelas mortes dos indígenas, como também pelas perdas entre os policiais.
Neste sentido discursou o pai de um major que juntamente com muitos indígenas permanece desaparecido. Ele foi claro ao culpar o governo pela desaparição do seu filho, exigindo sua reaparição com vida.
Em Lima participamos durante dois dias do Encontro Andino-Amazonico que contou com a presença aproximada de cento e cinquenta participantes organizados em delegações oriundas de diversos pontos do território peruano que deu forma final ao documento entregue por uma comissão na reunião da OEA e aprofundou o temário discutido em Bagua.
Neste evento ficou claro a necessidade de articulação dos povos pan-amazonicos para fazer frente a processos já em marcha como os projetos de construção de duas hidrelétricas - Inambary e Paitzpatango que impactarão fortemente os ashanikas e outros povos indígenas peruanos.
Não por acaso estas represas serão construídas por consórcios liderados pela Eletrobrás e Furnas, as empreiteiras serão a Odebrecht e a OAS, o financiamento do BNDES e o destino da maior parte da energia a ser produzida serão os mercados do Sudeste brasileiro. O encerramento das atividades foi uma gigantesca marcha com milhares de participantes que percorreu uns seis quilômetros pelas ruas de Lima, em apoio às reivindicações entregues na OEA.
A polícia não permitiu que a passeata se aproximasse do Palácio, onde se realizava a reunião interamericana, mas isto não tirou a força e o brilho da manifestação, onde o destaque foram milhares de jovens - em sua maioria universitários - com seus rostos pintados com traços vermelhos como sinal de apoio à causa indígena.
O saldo da visita é muito positivo. Recebemos uma importante carga de informações, tivemos a palavra franqueada e ouvintes atentos em diversas intervenções, estreitamos laços, fizemos amigos e fortalecemos a consciência de que a unidade dos povos pan-amazônicos é decisiva para se enfrentar a ofensiva do capital.
Em particular ficou fortalecida a idéia de que o V FSPA deve ser um processo que articula resistências e um espaço onde estas forças se articulam para ações e campanhas conjuntas. Neste sentido foi importante a realização de uma reunião com a AIDSEP, CONACAMI e delegados das áreas que serão afetadas por Inambary e Paitzpatango onde ficou acertada a participação de delegações destas áreas no Encontro Sem Fronteiras do Rio Madeira, com o objetivo de se preparar um Plano Comum de Lutas contra a construção de hidrelétricas na Selva Amazônica.
Os companheiros peruanos depois seguirão no barco que sairá de Porto Velho para o V FSPA em Santarém, compartilhando os cinco dias de viagem até Santarém. Desde já penso que esta decisão avulta a importância do ESF do Madeira e torna imprescindível a presença no mesmo de delegados que participarão do Encontro Preparatório dos Três Rios (Madeira, Xngu e Tapajós) que discutirá a mesma temática. Uma outra idéia é a realização no V FSPA de um Seminário sobre Leis de Consentimento, tendo por base a experiência peruana, que apesar de limitações importantes pode ser base de um projeto mais amplo e de alcance continental do companheiro Henrique Laats do Ponte entre Culturas tivemos a alvissareira confirmação da presença da delegação de jovens lideranças indígenas do Peru, Equador, Bolívia e Colombia no V FSPA.
Henrique informou também que a viagem de barco porto Velho- Santarém terá a cobertura de importantes meios de comunicação independentes e se comprometeu a ajudar no contato com a ONIC - Organização Nacional dos Indígenas Colombianos e uma outra organização indígena da Bolívia com trabalho nas áreas de selva.
Além disto, tivemos um contato com Miguel Pallacín - coordenador geral da CAOI- Coordenação Andina de Organizações Indígenas que confirmou seu apoio ao V FSPA, reafirmando a CAOI na condição de organização promotora. Por último quero citar que o nome do Fórum Social Pan-Amazonico estava presente em todos os materiais de divulgação das atividades, e em todos os momento tivemos demonstrações claras de que o sentimento de unidade entre os povos pan-amazônicos começou a germinar.
Um passo foi dado. Vamos em frente.
Luiz Arnaldo
0 comentários:
Postar um comentário