Logo cedo, 6h, corre para o outro lado da cidade. A missão é
encarar um processo de perícia de deficiência. Já nem sabe qual é a fase e
quantas vezes já foi ao soturno lugar.
Na espera, somente ele outro senhor de homens.
A maioria no corredor mal iluminado é composto por senhoras. Elas falam de crises de depressão, coisas de
desenlace, casa, útero, vagina e do coração. Ah, esse maltrato ente do peito.
Uma delas é muito grande. Como se em
casa estivesse, deita em um dos bancos do corredor de espera. Há algo de filme
de terror no ambiente. A senhora conta histórias de gravidez e abortos. Uns
provocados, outros espontâneos. Para cada mal aventado, recomenda um tipo de
garrafada. Diz que toma uns quatro tipos por dia. Foi a segunda a ser atendida.
Ao levantar, a senha de atendimento despenca de uma de suas inúmeras dobrinhas.
Anda com o apoio de uma bengala. Um esforço hercúleo, o apartamento do corpo da
senhora do banco.
Uma outra, exímia contadora de causos,
entre risos e expressões faciais tristes, roga aos colegas de fila uma ajuda
para a passagem de volta para casa, apesar de ser passe livre. Diz que precisa
de 20 contos para voltar paras a comunidade. Algumas pessoas ajudam. A
solidariedade soa como se tática de sobrevivência fosse entre os despossuídos.
Ela dispara causos. Um no rabo do
outro. “Meu irmão era feio mais que o cão. Tirava a vida na caça, ali na
comunidade de Solimões. Fez filho mais que preá. Não fosse a diabete tombar
ele, ainda hoje fazia menino. Vivo fosse somaria mês que vem 97. No Solimões é
bom demais de viver. Tudo quieto”.
Noutro momento lembra do tempo de
andanças pelo vasto mundo das águas do Amazonas, o rio. “Ponta do Cururu é
lugar bonito, mas, é arriscoso. Periga de barco afundar. Maresia forte. Coisa
de cobra gigante que tem por lá. Quando o barco afunda o jeito é ficar de
bubuia. Como a gente perdeu farinha nesse desmantelo da vida”.
Meia vida. Meia morte. Meio dia. Resta esperançar. Sol de lascar.
Antes do meio dia arrisca de ser atendido. Após o atendimento no ambulatório,
precisa reapresentar o laudo à assistência social, e rogar que a carteira de
passe livre chegue antes de 12 meses.
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