quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Uns punhados sobre a vida, praça, prosa e breja

Em 2021,  a Garapeira Ypiranga soma 99 anos. É  o meu oásis do prosear.  

Fonte: imagem da internet

Réu, confesso, o prosear é o meu vício, chamego, cela. É um matutar sobre a existência nas faculdades sem paredes. Clarão de sabença. Não arrenego. Peço, não encrespe a minha cachola com a ditadura das horas, obrigações, tempo marcado para isso, e para aquilo. Prosear é uirapuru liberto de gaiola.

Prosear, rio do quintal do meu viver. Barco sem pressa. Atitude revolucionária. Ação anticapital e antimanicomial por excelência. Um atropelo desse tempo agoniado. Esse tempo de correria desembestada e desenfreada.

A prosa é o mel no fel do cinza céu do Planalto Central. Terapia horizontal a invocar Freire, Elino Julião,  Kid Muringueira, Caymmi, Áurea Martins, Maria Bonita, Lampião. Trago desde gitinho o hábito em prosear ou macunricar a prosa alheia. Ensimesmado quando não enturmado, depois...tudo é riso.

Quando criança, na Rua da Viração, na Camboa, em São Luís, tinha por hábito arrodear uma roda de dominó dominada por senhores das redondezas. Alfaiates, enfermeiros, funcionários públicos e desocupados. A intenção não era aprender a jogar, residia em ouvir as prosas de histórias antigas do bairro.

Coisas de valentia, futebol, amores, canções, puteiros...ali ouvi sobre as vivências de dois meninos do bairro que fizeram glória no Vasco e no São Paulo, Porquinho e Canhoteiro. Tempo sem pressa. Creio que o defensor do tricolor paulista fez mais sucesso. Tem até biografia. 

Em minha alma a conversa fiada viceja. Vira e mexe, deita e rola. Acomoda-se na rede. É pura bossa. É o perder das horas. Um jardim para criações de escrevinhamentos futuros. Um saque sobre a memória alheia. Docinho (Thulla Esteves), as vezes, não compreende. Calcula que estou de sem vergonhice. Zanga, passa raio. Desconfia.

Nos dias recentes, a Garapeira Ypiranga, na cidade de Santarém, tem sido meu oásis. Vez em quando uma iguana despenca das árvores dos arredores. Um susto. O bicho arrodeia dali, corre pra lá, até sumir. Alcançar um canto sossegado. Uma nova árvore. No derradeiro 07 de setembro, o acanhado espaço somou 99 anos.

A garapeira foi plantada na Praça da Matriz. Bem no Centro da cidade. Fala-se que é um termômetro da popularidade de políticos. Mais eficiente que qualquer instituto do riscado de pesquisa. Cabra passar por lá, e ninguém acenar, lascou-se. 

Professor Paulinho, vulgo Maradona, e o operador de agiotagem do mercado oficial, Silvane costumam fazer par nas barricadas do prosear e brejas.  Fala-se de tudo um cadinho. Amores, dissabores, contas a pagar, grana ausente, histórias a perder de vista de garimpo, sendo as do Cripurizão as mais recorrentes.

Dona Rosilda rivaliza em idade com a instituição de caldo de cana. É funcionária da Secretaria de Cultura. Devota bom tempo na Praça da Matriz. Faz fé no bicho, uns gracejos, e pimba, filou um lanche.

O cego Carlinhos, exímio interprete de Vicente Celestino, tá de gancho do balcão da firma. Fez criancice. Jogou um copo de caldo de cana no Buba. Buba é o atendente fixo da firma, que conta ainda com Dabanha e o Buba II. É o Buba I que desenrola quando a casa recebe gringo. Ele se vira com inglês e espanhol. 

Rosilda e Carlinhos são de paz. A questão são os malas. As almas sebosas, como se diz em Pernambuco.

Antes da pandemia, seu Cacheado e Dona Ninita, ladeados pela filha Dalila tomavam de conta do lugar.  O casal tá de resguardo por conta da peste.  Somente o casal soma mais de seis décadas de casa. 

Pastel de vento, coxinhas e bolo são algumas da iguarias negociadas no estabelecimento quase secular. Fatiar o bolo é exercício de Junior Cacheado, o delegado, que sempre bate ponto em qualquer hora do dia. 

Prosa aglutina. Contudo, também desagrega. Peão que pisa errado no quadrado, logo é desautorizado. O prosear ajunta o povo que aporta das comunidades vizinhas: Arapiuns, Aritapera e Boim.  

Caboquices de pescador. Um trago de conhaque.  Riso certo. Canções antigas de casas de tolerância. Elino Julião, Bartô, Fernandes Mendes, Carlos André e Odair José. Combustível potente para o filosofar sobre as dores de amor. O Tapajós é testemunha. 

Tanto é o falar sobre as canções das dores que acometem o cotovelo, que ao lembrar de prosas sobre um histórico puteiro de Marabá, o Canela Fina, que sucedeu a inspiração que geraram os versos que seguem.

Homem, confesso

Vencido

Chorei

No Canela Fina, chorei

Tudo por conta do pé na bunda que levei

Depois de todo amor que te dei

Chorei, meu sangue derramei

Malárias no garimpo colecionei

Trairagem, bala, vícios

Tudo do pouco que ganhei, te dei

Findo o sofrido e amaldiçoado dinheiro do trecho

O seu desprezo foi tudo que herdei

Chorei, vencido

Derrotado

Sem uma cama para voltar

Na porta do Canela Fina

Chorei.....até definhar...

Sem o seu amor encontrar....

Sem bandeiras, barrancos, um lar...

Um fio de luz de algum luar .....

II Marcha das Mulheres Indígenas protesta contra os constantes ataques aos povos ancestrais. O Evento encerra no dia 11, quinta feira

"Território: nosso corpo, nosso espírito" - lema exalta a centralidade do território para a efetivação da reprodução cultural, econômica e política dos povos indígenas. 




Com a força das ancestrais, saberes, tradições e lutas que se somam e convergem juntando mulheres de todos os biomas brasileiros, este primeiro dia da Marcha, 7 de setembro, tem sido dedicado à acolhida das delegações. Até o momento, são 4 mil mulheres, de 150 povos indígenas, reunidas durante três dias de atividades no espaço da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), em Brasília. Leia a íntegra AQUI

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Morre em Marabá D Olinda, mãe do padre Josimo Tavares, assassinado pelo latifúndio na década de 1980

Josimo era agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Imperatriz, no Maranhão, quando foi assassinado na sede da instituição na década de 1980, período conhecido como o mais turbulento na história da luta pela terra. O religioso era filho de Marabá, no sudeste do Pará.  


É com grande pesar, que recebemos na manhã deste dia 3 de setembro de 2021 a triste notícia da partida de dona Olinda Moraes Tavares, mãe de Padre Josimo. Ela fez sua páscoa hoje aos seus 82 anos, na cidade de Marabá, PA, em consequência de uma súbita parada cardíaca. Leia a íntegra da nota da CPT AQUI


Expedito Ribeiro de Souza, vivo fosse, festejaria 74 primaveras em 2021

A sanha do latifúndio  trajetória do ativista comunista, lavrador e poeta no ano de 1991. No mesmo ano, um pequeno grupo de intelectuais editou um livro póstuma de poemas de Ribeiro. Coube a Lúcio Flávio Pinto a seleção dos versos e a apresentação. Aqui republicada.


Fonte: imagem da internet

No ano passado Expedito Ribeiro de Souza selecionou poesias no vasto acervo de literatura de cordel que havia produzido e inscreveu-se num concurso promovido pela Fundação Cultural Tancredo Neves, em Belém. Conseguiu um terceiro lugar. Se fosse o primeiro colocado, e se a Fundação agisse rápido, Expedito teria tido a alegria de ver um livro seU publicado. Mas o prêmio não veio, o livro não saiu, e Expedito foi morto com três tiros, perto de sua casa, em Rio Maria, no dia 02 de fevereiro.

Este, portanto, é um livro póstumo. Nada a reclamar da comissão que não deu o primeiro lugar ao alegre Expedito. As poesias dele não são obra prima, nem mesmo se circunscritas ao âmbito do cordel nacional. Com todo poeta popular, ao contrário da flamula e dândis das avenidas formais do verso, Expedito sabia muito bem de suas limitações e as expunha ao público. Versejar, porém, era a maneira de projetar sua esperança, realimentando-a. Maravilhosa é essa condição humana, que não prescinde da poesia como forma de conhecimento, emoção, prazer, mistério, surpresa e alegria – no sangrento sertão, ou na sangrenta cidade.

Em meio à violência e aridez que o campo cobra dos que nele sobrevivem, Expedito era a confirmação da inesgotável capacidade humana. Imigrante, lavrador, preto, pobre, religioso, líder, comunista e poeta. É muito título para uma pessoa tão humilde. Um título não é nada, um título é apenas uma etiqueta que se afixa numa pessoa para classifica-la., quando necessário. A pessoa Expedito Ribeiro de Souza transcende a etiqueta colocada em seu corpo inerte para o inevitável assento necrológico. Ele foi como aquela flor que nasce no meio do asfalto, amarela que fosse, mas flor, um produto do milagre humano percebido pelo grande poeta Carlos Drummond de Andrade, mineiro como Expedito, mineiro como o mago do sertão Guimarães Rosa, ciranda de mineiros que não se passaram ao passarem pela vida deixando sua marca.

Quanto capital humano penosamente fabricado é desperdiçado em fração de instantes pela estupidez dos homens, pela convivência dos homens, pela insensibilidade dos homens por trás de um gatilho de revolver de pistoleiro. Expedito foi assassinado porque pensava pelos seus, brigava por eles, queria que fossem menos desiguais do que os mais iguais da sociedade. Porque há uma liturgia dessa palavra e uma confraria desse rito. Expedito tornou-se militante do Partido Comunista do Brasil, que, em Rio Maria, tenta manter sua mística do Araguaia (mais mito que mística, aliás). Na sala da pobre casa em que morava, deixada para mulher, nove filhos, mãe e agregados dividirem. Expedito mantinha um cartaz do PC do B e imagens bíblicas, além do retrato das chagas de Cristo. Isto é Brasil. Quem entende de sertão sabe, aprende, respeita. Quem de sertão tenta fazer mares nuca dantes navegados, em papel ou celuloide, naufraga – e arrasta consigo aquele forte que só em cabeças grandiosas rebrota por inteiro (nas de Rosa e Euclides, por exemplo).

Os poetas costumam ser doces, mas é de sua natureza ir ao fundo dos homens, trazendo-lhes as raízes. Não espanta que os violentos tomam os poetas como alvos preferenciais. Garcia Lorca, um sertanejo andaluz, sucumbiu à aurora fascista na Espanha.   A Maiakovski não coube outra alternativa senão o suicídio, que Eisentein – poeta da imagem – bebeu em goles lentos, inodores, imorais (na imoralidade de escapar ao fatalismo planejador de Papá Stálin).

No sertão amazônico, nem mesmo o poeta pode reinar pacifica e docemente. Mesmo divino, ele que se arme e se acautele, como está escrito nos versículos do “Grande Sertão Veredas”. Pessoa do povo, como Expedito, se tornam poetas porque os grandes temas filosóficos da vida os levam a transcender a prosaica comunicação de todos os dias. Nenhum tema é mais filosófico do que a morte. Nenhuma agenda de Rio Maria é fechada a cada dia sem considerar uma morte, ou um anúncio premonitório da morte, como a de Expedito, ou a dos Canuto. Neste livro, que abriga apenas alguns das poesias que ele produziu, o tema é quase profético. Infeliz do país em que poetas são infalivelmente proféticos, e as autoridades incompetentes, cúmplices. Não podendo preservar a vida de Expedito, de muito listada para ser consumida, salvamos seus versos, na tentativa, talvez vã, mas necessária, de que permaneçam no ar, como o perfume a que aspirava ser outro poeta do povo, o maranhense João do Vale, de mais sorte por não ter “mexido” aos mortíferos assuntos da terra, razão da vida de milhões de desterrados brasileiros, razão também de suas mortes.

Além das poesias, este livro divulga a última entrevista de Expedito, concedida a Marcionila Fernandes. Aluna do curso de mestrado do Plades, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, Marcionila conversou várias vezes com Expedito, em função de sua dissertação de mestrado, sobre a atuação de fazendeiros no Pará, tornando-se amiga do lavrado. Ela também é autora do breve perfil de Expedito.  Foi ainda quem recolheu as poesias que selecionei para este livro, com o qual se espera, também, ajudar na difícil sobrevivência da família do líder sindical assassinado.

Aqui está o registro da voz do poeta que fala pelo povo, e, como fiz o povo: empresta a voz de Deus. Que outros poetas do povo não inaugurem sua literatura postumamente, é o que esperamos, e pelo que continuaremos a lutar.

 

Belém, fevereiro de 1991, Lúcio Flávio Pinto         

  

Negra Melodia, banda de Marabá, lança o seu 1º EP no dia 10, sexta feira

7 composições fazem parte do EP com influências diretas do samba, do reggae, do bumba meu boi e da sonoridade caribenha.




Samba, reggae, bumba meu boi, carimbó e a sonoridade caribenha fazem parte do primeiro EP da banda Negra Melodia, a ser lançado no dia 10, sexta feira, a partir das 17h, no Museu Municipal do Núcleo Cidade Velha, em Marabá. O EP foi viabilizado pela Lei Aldir Blanc - edital - SECULT - Som das Cidades 1. Toda a produção ocorreu em Marabá, no Estúdio Calango, do cantor e compositor Clauber Martins, e contou com a produção musical do baixista Itair Rodrigues.  

A dupla de jovens negros Jane Martins e Marcelo Melo é a linha de frente do grupo nascido das atividades culturais da antiga Universidade Federal do Pará (UFPA) Campus Marabá, hoje Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), quando ainda cursavam Ciências Sociais. As reflexões sociológicas dos três tenores da Sociologia mundial, Marx, Weber e Durkheim e o pajé nacional, Florestan Fernandes apimentam a verve crítica dos meninos sobre tenso solo onde habitam.

A tradução sobre as desigualdades da região pode ser traduzida na canção Periferia. Ela é uma crônica sobre dois jovens que fazem o corre na cidade em busca de dias melhores, no entanto, acabam sendo executados pela polícia. Fato corriqueiro registrado de Norte ao Sul do país, onde repetidamente os indicadores sinalizam para um genocídio da juventude negra. Marcelo Melo divide a autoria da canção com o poeta e jornalista Ademir Braz. Além de Braz, Milton Rocha, o professor e músico Bruno Malheiro, Lariza Xavier, Adler Olsen e Leandro Silva constam como compositores e parceiros das canções do EP.

Na estrada desde 2009, o som da banda expressa situações de conflitos das encruzas da fronteira mais delicada da luta pela terra do país, o sudeste do Pará. As composições do grupo traduzem as contradições e lutas que transcorrem na região, bem como as relações de trocas culturais com o vizinho estado do Maranhão, materializadas nas composições Reggae-boi e Viver e lutar.

Conforme os sociólogos e artistas, Rita Ribeiro, Chico César, Edson Gomes, Gilberto Gil e banda Tribo de Jah são algumas das referências do grupo, que na cena cultural de Marabá é figura carimbada na agenda de luta do movimento negro da cidade, a exemplo das manifestações que ocorrem pela passagem do Dia da Consciência Negra, realizadas em novembro, e na quadra  carnavalesca, quando animam o bloco Terra Preta.  

Para o lançamento do 1º EP da Negra Melodia integram a banda, assinando a produção musical e baixo, Itair Rodrigues, comanda a bateria Guedes Junior, enquanto Bruninho ataca na guitarra, Marcelo Melo responde pelo violão e voz, ladeado por Jane Martins, toma conta da percussão Edu Hilário, nos teclados quem manda o recado é o Marlisson, já o nipe de metais é composto por Walkimar Guedes, Jairo Moreira, Gabriel Raiol, cabe a  Walkimar Guedes o sax.

 Ouça Periferia AQUI

O EP terá acesso livre  em todas as plataformas de música a partir de outubro.

Serviço

Lançamento do 1º EP da banda Negra Melodia

Dia: 10 de setembro

Local: Museu Municipal de Marabá, Núcleo Cidade Velha

Hora: 17h