Alenquer. É maio. Ainda chove. As águas estão altas. Em Santarém pareia o asfalto. A lua em quarto crescente a tudo espia. A rede é a acomodação do navio. Ganchos de ferro facilitam a operação de armar. Antes era necessário o uso de cordas.
Até 1h aportaremos
em Santarém. Quatro horas dura a viagem nesta modalidade de nau. O veículo saiu
20h30. Cidade de Oriximiná é o nome da nave. Seu Luís é o responsável. Os irmãos Aquino (Tomás e Rubens) os proprietários. Ela carrega
gentes e cargas. R$50,00 é o preço da passagem no Cidade. Caso fosse ferry boat seria R$50,00 ou
R$40,00, a depender do ferry. Ele carrega além de gente e cargas, automóveis.
No caso da
lancha, a viagem nesta época do ano dura duas horas ao preço de R$80,00 a
passagem. A lancha é de fibra. Infelizmente deixaram de negociar cerveja. A saída
é abastecer o bucho na plataforma de embarque e mocozar pelo menos uma
garrafinha na boroca. As embarcações tradicionais deixaram de circular faz uns
cinco anos. As talhadas na madeira.
O Cidade de
Oriximiná possui três andares. É imponente. É de ferro. O último acomoda o bar.
Sofrência é a trilha sonora. Pablo na veia. No último volume. Um jogo de luz
enfeita o teto. Ao canto um casal em chaveco. Bichos de luz simulam pilotos
kamikaze. Periga chover. Quando isso ocorre uma lona socorre.
Uma senhora
atende na cantina. Além de breja, negocia água, refrigerante, biscoitos...10
"real" o serviço de nete. Venta forte. Assanha alegrias e tristezas.
Só não tira a lua do lugar. O trem é de ferro e você não avisou que estava
passando pelo meu coração só de visita ...verso de alguma canção.
Uma jovem clara,
cabelo tingido em amarelo em trajes inadequados para o vento frio atende as
poucas mesas. Ela usa um short claro onde é possível avistar as figuras de joaninhas da
calcinha. A blusa negra não alcança o
umbigo. Desprovidos de corpete, os seios sacodem ao rebojo das águas. Venta frio.
Ar de chuva.
Um senhor negro a corteja. Paga lanche, um misto e brejas. Parece eufórico. Usa tênis, calça jeans e camiseta. Vez em quando grava um áudio no celular. A depender da canção, a moça simula uns passos. Faz charme. Espia de soslaio para se saber notada.
A lua em quarto
crescente reflete no rio. A sofrência troa em elevado volume. Quem é de dormir,
dorme. Quem não é flutua entre os pisos da embarcação. Os conhecidos do trecho
confraternizam.
Uma trupe
parece parte da tripulação. Misturam refrigerante com algo mais porrada: pinga
ou conhaque. A outra turma checou as passagens. Eu dei carteirada. Cego não tá
nem vendo. Mas, enxerga na escuridão, acredita o poeta. As luzes ficam apagadas no redário.
O céu é puro
breu. Pontos de luz distantes sinalizam a cidade. Uma embarcação desponta ao léu.
Uma grande, outra miúda. O vento ressoa no oco do ouvido. A sofrência insiste.
Uma assombração. Reclama um coracão jogado de cima do muro.
A jovem da
quitanda da nave inicia os serviços. Ataca uma cerveja barata. Uma lata alcunhada
de periguete. Alguns tripulantes fazem a segunda voz do Pablo. Talvez seja
efeito do conhaque. Um manga do outro. Ri..zomba..quizomba...
Após uma
overdose de Pablo, alguém reclama Zé Ramalho. Ufa...Chão de Giz. Único tiro
curto a gente pinta o sete em exíguo tempo. Em outro extremo do terceiro piso
um jovem esquálido não aparta do aparelho de celular.
A canção de
Rossi domina a atmosfera. A Raposa e as Uvas. As luzes da cidade soam mais
próximas. Noutro momento distantes... garçom, aqui, nesta mesa de bar....as
estrelas do céu parecem mais perto.
Agora, nada
mais, nada menos que Dalziza. A mulher que não tem coração. A destruidora dos
corações dos peões do trecho.”Me iludiu pra roubar o meu dinheiro/Só pra depois ela me deixar na mão”, Julio Nascimento a entoa.
Leidiane
rivaliza em maldade com a Dalziza. Leidiane gastava o dinheiro que Nascimento
ganhava no garimpo com outros homens no cabaré. Apesar da judiaria, ele reclama a presença da
musa e jura a ela perdão pela maldade que cometera: “Lidiane, Leidiane, meu
amor/Leidiane, eu te quero, you my love/Leidiane, eu te peço pra você voltar/Ah
volte meu bem que eu sei que vou te perdoar”.
“Bebo, eu bebo
mesmo. Eu boto é pra beber. Ah, como os amigos eu bebo com prazer”, sugere a
canção. Em algumas quebradas e momentos é a única possibilidade de
transcendência. “bebo, eu bebo mesmo”....






