Pacu, tambaqui e tucunaré foram as espécies que
Rinaldo logrou pegar esses dias. Ficou umas noites no corre. Cumpre a missão em
uma bajara. Uma embarcação típica da
região. Nem grande, nem pequena. Usa aquele motorzinho. Mas, sempre carrega
remo.
Sabe de cor e salteado as manhãs do universo da
várzea que viceja por entre o Amazonas e o Trombetas. Bandas de Oriximiná.
Baixo Amazonas, oeste paraense. Ori é terra de aquilombação. Um mundo de
cachoeiras de pretas e pretos fugidos da opressão. Sabença de mocambos. Ainda hoje são consultores para quem visita o
lugar. Cachoeira não é para qualquer um.
O pescador arreceia os dias presentes: “Foi uma seca no rabo da outra. Uma tristeza
só. Os peixes tudo miúdo. Sem plantas para comer. A morrerem nos lagos. A gente
tem que viajar mais longe para conseguir um peixe melhorzinho num calor de
lascar”.
A gente gasta mais tempo, combustível, gelo e
rancho, assim Rinaldo traduz os efeitos extremos que precipitam
sobre o Baixo Amazonas, o oeste paraense ao longos dos recentes anos.
Rinaldo é pescador de ofício. Soma mais de 60 invernos.
Destes, 40 como cabra do riomar das águas barrentas das bandas de cá. Faz uns
três dezembros que celebra a aposentadoria. Orgulha-se de sempre ter
contribuído com a Colônia de Pescadores. Pura sabença do mundo da várzea. Ele não tem a compreensão exata do que sucede
a COP 30 de Belém.
Mas, sabe muito bem da sofrência que é a vida dos
seus em tempo de seca. Um dó que é não ter água boa de beber. Água limpa de
banhar. Água de zelar pelo espititual. E, tudo na mais robusta bacia
hidrográfica do mundo.
O corpo esguio resulta da labuta e da dieta à base
de peixe. Ele rejeita carne vermelha e
não nutre muito afeto pela carne de frango. Sempre que possível devota uma breja.
Em certa manhã invernosa da cidade irrigada pelo
Amazonas e Trombetas, trombei com ele a matar uma cerveja no comério Cajueiro.
Nas proximidades da Praça Centenário. Nem longe. Nem perto. Umas três quadras
de lonjura. Usa uma dessas camisas que são negociadas como que se tivesse
recurso de proteção de sol. Boné e óculos escuros completam o figurino.
10h da manhã. Já vendeu os peixes que conseguiu
pescar após uns dois dias de missão. Tucunaré, Pacu e Tambaqui em pencas. Não
há atravessador do negócio do Rinaldo. Em uma bicicleta sambada de guerra ele
negocia diretamente com o freguês. Quando a pesca é das boas, faz duas viagens
com as pencas de peixes. Atende fiado. Assim como tem caderno no comércio Cajueiro.
Rinaldo fez uns 12 barrugudin. Tem orgulho em ter
conseguido encaminhar a todos. Fala das crias todo pávula. Mora às proximidades
da bodega, que se avizinha a um porto de gasolina. “ A mulher topava qualquer
parada. Mesmo depois de parir corria o trecho comigo. A gente carregava o
barrigudin junto. Seja para pescar ou
catar castanha”, conta.
Rinaldo é cabra de ciência. Sabe de trás para frente
o quanto tem de adquirir de combustível, gelo e mantimentos. Fruto de
conhecimento acumulado ao longo de décadas. Tem as manhãs de que é quando o rio
cobre o ingazeiro que o peixe tá melhor. “ Quando o rio sufoca a várzea tá tudo certo. O peixe fica bonito”,
festeja.
Tatauari, Marajá, Loiro, Socoró, Tarumã e Pixuna, entre outras
espécies integram o cardápio dos peixes, ensina Rinaldo. Aqui conheço tudo.
Corro o trecho: reserva do Paruru, Volta do Mutum, Ilha das Pombas e por aí
vai.
Na viagem vai linha, rede, tarrafa e arpão. O arpão é uma defesa. Se jacaré tá na tua
rede, você cega ele. Tem chovido bem. Mas, ainda não tem fruta caindo.
Um amigo se achega. A pilhéria desenvolve. Associam o chupar
caranguejo e siri ao ato sexual de acarinhar a
xota da amada. O cantinho explode em risadas. O pescador tem orgulho de ainda
trabalhar. Esclarece que negócio é só. Não anda de cambada. E, nunca teve
problemas com a secretaria do meio ambiente ou com o Ibama.
Quando necessário, Rinaldo se defende como pedreiro e adora
celebrar a vida. Gosta de cantar. Em nosso prosear recordou de sambas de Chico
da Silva. Autor filho de Manaus. Com sucessos gravados entre outros artistas,
por Alcione, a exemplo de Pandeiro é meu nome.
Ao
bater as mãos, Rinaldo relembra entre risos umas estrofes:
Falaram
que meu companheiro
Meu amigo surdo parece absurdo
Apanha por tudo
Ninguém canta samba
Sem ele apanhar
Não
ouviram que seu companheiro
Amigo pandeiro
Também tira coco do mesmo coqueiro
Apanha sorrindo pra povo cantar