sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Benedicto Monteiro: solenidade de concessão de título doutor honoris pela Ufopa ocorrerá no dia 25, segunda feira.

Os filhos Wanda e Benedicto Monteiro Filho participarão da cerimônia.

Rogerio Almeida

Benedicto Monteiro. Fonte: redes sociais

A cerimônia que será presidida pela professora Aldenize Xavier,  reitora da Ufopa, ocorre a partir das 14h, do dia 25, na Unidade Tapajós. Os filhos Wanda Monteiro e Benedicto Monteiro filho representarão a família do escritor Benedicto Wilfred Monteiro. Detalhes AQUI

Além da agenda em Santarém, ocorrerá seminário na cidade natal de escritor, Alenquer, na noite do dia 29, na Câmara Municipal. Por coincidência, a 28ª edição da FeiraPanamazônica do livro homenageia Wanda Monteiro e o mestre de cultura popular Damasceno, quilombola marajoara, infelizmente, em delicado estado de saúde.

No Baixo Amazonas, Wanda, advogada e escritora apresentará as obras Chão de Exílio e Aquatempo. O primeiro é uma prosa poética que recupera parcela da memória do pai, lançado em 2022.

O centenário do autor celebrado em 2024 serviu de mote para uma série de ações sobre o conjunto da obra de Benedicto. Muitas restritas à capital, como foi o caso de uma exposição organizada pela Secretaria de Cultura do Pará (Secult), apesar de apelos para que a mesma circulasse no Baixo Amazonas. A Secult não respondeu aos ofícios de solicitação.

Na mesma toada de homenagens, a Imprensa Oficial do Estado reeditou a tetralogia amazônica do autor, composta pelas obras “Verdevagomundo (1972)", "O Minossauro (1975)", “A Terceira Margem (1983)” e “Aquele Um (1985)”. Obras geradas no apogeu da ditadura civil-militar, que representa uma grande inflexão sobre a conformação política, territorial, social e econômica da região,marcada pela hegemonia do capital internacional. 


Sobre Verde Vagomundo, a professora Maria de Fátima Nascimento, do curso de Letras, UFPA, realça que é nesta obra que emerge o principal personagem da tetralogia, Miguel Santos dos Prazeres. Um profundo conhecedor do universo da várzea do Baixo Amazonas. O romance ambientado em Alenquer, contempla a história do major Medeiros, que herda latifúndios, castanhais e balatais na região. 

Sobre o alterego do autor (Miguel dos Prazeres), a professora recorta o curioso fato da obra, em que com a mediação do militar, Miguel é escalado para ser o fogueteiro das celebrações do padroeiro da cidade, Santo Antônio. Ocorre que a festividade colide com o  golpe militar. E ao invés dos fogos serem disparados durante  a semana do festejo, por conta de perseguições, Miguel dispara tudo em único dia. Haverá uma situação de confronto entre o fogueteiro e as patrulhas, onde Miguel desaparece, vindo a reaparecer no romance o Minossauro, onde vai operar como mateiro e pescador de uma equipe de pesquisadores. 

A professora é entusiasta da obra de Monteiro. "O Benedicto deixou para o Pará uma obra valorosa. É dever da gente como educador e pesquisador incentivar a pesquisa sobre o conjunto que ele deixou. Estamos fazendo isso aqui na UFPA. É uma obra que fala das nossas questões, das nossas carências. O reconhecimento acadêmico da Ufopa é muito importante e bem vindo ao nosso grande autor, Benedicto", arremata a professora Nascimento. 

Por inciativa do edil de Alenquer, Luiz Alberto Freire, a Câmara realizou uma moção de aplausos. E, com vistas a publicizar a obra do autor, a turma do curso de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional da Ufopa, campus Alenquer, realizou inúmeros eventos

Para Wanda Monteiro, a filha que herdou a verve poética e a profissão do pai como advogada, “Toda vez em que o Benedicto é homenageado a gente da família considera como um resgate da memória. Não só da memória dele, mas, sobre a história do Pará. uma vez que a história do Benedicto se confunde com a história do Pará. Para a família é um sentimento de alento diante de tantos silenciamentos e apagamentos que ele sofreu durante toda a vida. A família tem um profundo sentimento de gratidão pela honraria concedida pela Ufopa ao Bené. A gente está muito feliz”.  

Paulo Nunes, escritor, professor da Uepa (Universidade do Estado do Pará) e da Unama, pesquisador da literatura amazônica na perspectiva geopoética, considera que “Benedicto honra Alenquer, o Baixo Amazonas e a todos nós que gostamos da região e de estudar a literatura que dela emana. É uma grande felicidade receber a notícia de uma universidade da grandeza da Ufopa reconhecer academicamente a obra de Benedicto Monteiro, assim como a sua trajetória em defesa dos direitos humanos, o direito à terra e em defesa da democracia do Brasil”.

Justa, merecida e necessária a comenda concedida pela Ufopa a Benedicto Monteiro, avalia Franssinete Florenzano, jornalista, advogada, membro da Academia de Letras do Pará e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós.

Para a imortal, “A literatura amazônica de Benedicto Monteiro é também expoente da literatura mundial. Seu personagem Miguel Dos Santos Prazeres, alter ego e porta-voz do caboclo amazônico e suas dores, já fazia, há tantas décadas, manifesto ecológico. Homem à frente de seu tempo, de talento multifacetado, era membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e da Academia Paraense de Jornalismo. Ombreou as lutas de quilombolas, ribeirinhos, indígenas, balateiros, castanheiros, vaqueiros, atores de uma Amazônia situada em perspectiva universal. Ave, Bené!”

A dissertação apresentada na Universidade de Campinas (Unicamp) pela professora Maria de Fátima Nascimento, em 2004, examina a obra O Minossauro (1975), a partir das alegorias que coteja sobre a ditadura civil-militar. Período em que Benedicto Monteiro foi cassado e preso. A montagem a partir de discursos pretéritos e de outros autores  constitui um dos recursos adotados por Monteiro. A professora destaca o uso de canções, relatórios e  poemas.

No percurso do trabalho a professora alerta para e heterogeneidade de estilo que a obra enseja, onde de sobressai a voz de Miguel dos Santos dos Prazeres. Uma espécie de alter ego de Monteiro. É um caboco ribeirinho, sabedor das manhas da floresta, canoeiro e remeiro.  

Doutor Honoris – o fio da meada - Um seminário realizado de forma remota em abril de 2023, onde participaram Wanda Monteiro, escritora e filha do homenageado, e os professores Abílio Pacheco, da Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará), Gilberto Marques, UFPA, com a mediação do professor Rogerio Almeida, Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) em celebração ao centenário do escritor e político Benedicto Monteiro, foi a semeadura da ideia da elaboração do documento que culminou com a comenda de doutor honoris ao alenquerense Benedicto Wilfred Monteiro (in memoriam). Assim como a professora Nascimento, o professor Pacheco é autor de uma tese sobre Benedicto na mesma universidade.     

O tema foi sugerido pelo professor Rogerio Almeida foi pauta do III Ciclo de Debates sobre Políticas Públicas, do curso de Gestão Pública, do campus de Alenquer.  Outros conteúdos seguiram pautando a obra do autor.

Para efeito burocrático, a comenda sugerida pelo professor Almeida foi aprovada no colegiado no curso de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional, em seguida passou pelo escrutínio do conselho do Instituto de Ciências da Sociedade (ICS), até ser aprovado pelo Consun (Conselho Superior da Universidade) da Ufopa em 22 de agosto de 2024.

A condição de escritor, gestor pública, professor, defensor da democracia e dos direitos humanos na condição de advogados de posseiros e outras categorias serviram de recurso no documento que solicitou a comenda ao filho de Alenquer.  

Benedicto Monteiro - vários

Advogado, político,professor, escritor e gestor público, Monteiro nasceu nas barrancas de Alenquer/PA. 

Apesar da família abastada e dona de terras, o socialismo servia de farol para o político. Ao tomar possa das terras da família, as compartilhou entre trabalhadores rurais de Alenquer. A opção política provocava tensões no seio familiar.

Monteiro correu o mundo em busca de formação. Idos das primeiras décadas do século XX, no Rio de Janeiro fez par com o marajoara Dalcídio Jurandir - igualmente comunista - após ter sido convidado a sair da casa do tio (um militar) por conta da sua opção política, recupera Abílio Pachêco, em perfil sobre o autor, em tese apresentada na Universidade de Campinas (Unicamp), em 2020.   No mesmo documento, o professor realça que Monteiro foi convidado por Marighela a engrossar as fileiras da luta armada. Acesse  a tese AQUI 

As informações aqui elencadas sobre Monteiro possuem como fonte dados sistematizados por Pachêco, que recupera que em as atividades na condição de advogado ou em campanha política, o ximango autor registra em gravações relatos dos trabalhadores. Nestas incursões ao longo dos anos reuniu mais de 100 fitas gravadas. Fitas k7 e um número expressivo de fichamentos sobre a linguagem local.

O horizonte residia em coletar informações para a produção de uma dissertação sobre o falar loca, e assim pleitear uma vaga no magistério superior.  Pachêco sublinha que todo esse material foi apropriado pelos militares, e nunca foi restituído ao autor.  A sanha contra o saber é de velha data.    

Preso, Benedicto fez da reclusão do cárcere o tempo para refletir e formatar narrativas e forjar personagens, a exemplo de Miguel dos Santos Prazeres.   Privado do assento político, o alenquerense fez da literatura a sua bandeira

O aclamado professor Darci Ribeiro, em prefácio da obra a Terceira Margem (1981), festeja que: “Nos textos de Benedicto Monteiro é onde melhor se destrança a trama humana desumana da vida social da Amazônia que é a verdadeira selva selvagem: a mata penetrada, assassinada, pela civilização predatória. Lá, metidos por milênios, povos índios morenos de mil falas e mil caras, decifram a mata, aprendendo a viver dela e com ela, cultivando, caçando e procriando. Um dia, sobreveio a hecatombe mercantil e cristã. Era a civilização. Como uma avalanche ela apodreceu os corpos com as pestes da raça branca. Escravizou os sobreviventes, para desgastar milhões no trabalho venal. Reproduziu-se no ventre de mil cunhãs. Entorpeceu o espírito das gentes com a desmoralização missionária das velhas crenças. Apodreceu suas almas no desengano da vida nova que não vale a pena ser vivida. A salvação para muitos foi a terceira margem”

Chove sobre os campos de cachoeira (1933), de Dalcídio Jurandir, aos olhos de Monteiro serve de farol sobre a construção da representação da Amazônia, em particular, sua especificidade da oralidade, o mundo das águas e da floresta e seus habitantes, em uma relação dialética entre sociedade e Abílio Pachêco apontam que Monteiro foi convidado por Marighela a engrossar as fileiras da luta armada, quando setores da sociedade organizavam movimentos com vistas a viabilizar guerrilhas urbana e rural. Tendo o comandante procurado advogado em sua residência em Belém. Neste contexto, o advogado teve a sua licença da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) cassada, e passou a colaborar com escritórios de amigos. Ele informa em relato do período que, sempre que era anunciada a visita de alguma “autoridade” do regime ao Pará, era preso com antecedência, e liberado vários dias após o evento. Em Transtempo, espécie de autobiografia, constam os episódios, acima, entre outros.

Pachêco (2020), nas informações elencadas sobre Monteiro, recupera que na condição de advogado, ou em campanha política, o ximango registrava em gravações os relatos dos trabalhadores em suas andanças pelo interior. Nestas incursões ao longo dos anos, reuniu mais de 100 fitas k7 gravadas   e um número expressivo de fichamentos sobre a linguagem local.

O horizonte residia em coletar informações para a produção de uma dissertação sobre o falar local, e assim, pleitear uma vaga no magistério superior.  Pachêco (2020) sublinha que todo esse material foi apropriado pelos militares, e nunca foi restituído ao autor ou a sua família.  A sanha contra o saber, a educação, a democracia e o conhecimento era a palavra de ordem. Um projeto de país. Um projeto de aniquilação e obscurantismo.    

Preso, Benedicto fez da reclusão do cárcere o tempo para refletir, formatar narrativas e forjar personagens, a exemplo de Miguel dos Santos Prazeres.  Uma espécie de altergo do autor.  Privado do assento político, o alenquerense fez da literatura sobre a latitude de nascença a sua bandeira e oxigênio. O Baixo Amazonas que gerou expressivos literatos, entre eles, Inglês de Souza e José Veríssimo, estes, assim como Monteiro, em outra quadra temporal, possuem repercussão para além das fronteiras nacionais.

No diversificado rosário de relações dos vários Benedictos, há  registro de diálogos com os intelectuais da Amazônia, onde encontramos nomes como Benedito Nunes, Lúcio Flávio Pinto, Rui Paranitinga Barata, Vicente Cecim, Samuel Benchimol, Artur Cézar Ferreira Reis, Max Martins, Márcio Souza (Editora Marco Zero), entre outros.  Bem como, trocou correspondências com Nélida Piñon, prosa com Jorge Amado e Darci Ribeiro. No campo político, além de Marighela, tem-se o presidente deposto pela ditadura civil-militar, João Goulart.

Sobre a repercussão dos escritos de Benedicto mundo afora, o site da UFPA alumeia que, na Europa, suas obras despertam interesse em países como Portugal, Holanda, Itália e Alemanha, onde foram traduzidas e geradoras de inúmeros trabalhos acadêmicos. Na Alemanha sobressai a investigação do pesquisador Klaus Meyer Koeken, intitulada "Die Illusion Von oraitãt im brasilianischen Roman": "Zur Simulation realer Sprechsituationen in drei ‘mündich erzählten Lebensgeschichten ".

Já nos Estados Unidos, destaca-se o trabalho do professor Macolm Silverman da San Diego State University – Califórnia, que em livro traduzido para o português intitulado "Protesto e o novo romance brasileiro".  Benedito Nunes, professor e ensaísta paraense de reconhecimento nacional, sobre Verde Vagomundo, em texto datado de 1973, adverte: “[...] um romance que, rompendo com as limitações do regionalismo, integre, numa narrativa universalmente representativa, o mais característico e o mais peculiar tanto ao meio físico quanto ao meio cultural quanto do estado das relações humanas, inclusive sociais e políticas, duma região quase sempre desgastada pela má literatura.” 

Em breve a revista Moara/UFPA apresentará um dossiê sobre a obra de Monteiro. 

Abaixo fala de Wanda Monteiro por ocasião da exposição sobre a obra de Benedicto Monteiro, em Belém/PA. 


Links de algumas obras sobre Benedicto Monteiro 

Tese - Territorialidades de enunciações: as Amazônias na tetralogia Amazônica, de Benedicto Monteiro. Airton Souza /UFPA.  Leia AQUI

Dissertação A REPRESENTAÇÃO ALEGÓRICA DA DITADURA MILITAR EM O MINOSSAURO, DE BENEDICTO MONTEIRO: FRAGMENTAÇÃO E MONTAGEM, Maria de Fátima Nascimento. Leia AQUI

Dissertação Educação e memória na Amazônia a partir do olhar de Miguel dos Santos Prazeres, de Benedicto Monteiro, CRISTINA DIAS NOGUEIRA. Leia AQUI

Artigo -Memória e modernidade em Benedicto Monteiro e Milton Hatoum, Tânia M. Pantoja. Leia AQUI 

Artigo - A magia dos objetos na narrativa de Benedicto Monteiro, José Guilherme Castro. Leia AQUI

Projeto Biblioteca Benedicto Monteiro. Saiba mais AQUI