sábado, 5 de abril de 2025

Virgílio Sacramento – familiares e movimentos sociais realizam ato pela memória de 38 anos do assassinato do líder sindical de Moju

Ato acontece amanhã, dia 06, em Moju, na comunidade de São Pedro



Familiares, movimentos sociais e parte da Igreja Católica, a exemplos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Guajarina, realizam ato pela passagem do 38º ano do martírio do dirigente sindical Virgílio Sacramento, amanhã,  06, na comunidade de São Pedro, em Moju. A iniciativa é da Fundação Virgílio Sacramento, CPT Guajarina, CEBs de São Pedro e o Assentamento Virgílio Sacramento.

Elias Sacramento, um dos filhos do sindicalista e professor de História da UFPA tem sido um animador pela manutenção da memória do pai, onde tem produzido materiais acadêmicos sobre a questão.

Virgílio Sacramento era dirigente sindical em Moju, Pará. Foi assassinado no dia 05 de abril de 1987 atropelado por um caminhão, quando somava 44 anos. Além de viúva, deixou 11 filhos na orfandade. Assim como outros dirigentes, colecionava ameaças de morte.  A década de 1980 é a mais sangrenta na luta pela terra no estado.

Matava-se aos borbotões: dirigentes sindicais, camponeses, religiosos e advogados. Crianças, jovens, adultos e velhos. Crimes em sua maioria cobertos pelo manto da impunidade. Pistoleiros, polícias, agentes das forças armadas encarnavam milícias de grileiros. Mesmo hoje, que o diga a chacina de Pau D´arco, ocorrida em maio de 2017, com saldo de 10 mortos pelas polícias civil e militar.

Sacramento foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Moju, integrou a Federação dos Trabalhadores e das Trabalhadoras na Agricultura do Pará (Fetagri), Central Única dos Trabalhadores (CUT), era quadro do PT e foi agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), assim como o Padre Josimo, que vivo fosse somaria hoje (05) 82 anos.

Josimo militava no Maranhão, igualmente foi morto em plena luz do dia, um ano antes que Sacramento, no mês de maio, quando somava apenas 33 anos. O religioso foi vítima de vários tiros desferidos pelas costas, na porta da sede da CPT de Imperatriz/MA. Meses antes o padre havia publicizado em reunião ocorrida em Belém as inúmeras ameaças e atentados que vinha sofrendo.

Sacramento era filho da cidade de Limoeiro do Ajuru, baixo Tocantins. Região impactada pela barragem de Tucuruí, que integrou o portfolio do projeto de integração da ditadura militar.

O cenário da época, além usina hidroelétrica e do monocultivo de pimenta do reino, era marcado pela exploração madeireira e a instalação de agroindústrias, onde constam: a Reasa, Reflorestadora S.A da Amazônia, Agropalma e a Dempasa, que tinham como meta a plantação do monocultivo de dendê. Enquanto a Sococo, plantaria coco e a Serruya plantaria seringa. A morte do sindicalista nunca foi esclarecida. Assim como a maioria dos casos.

Abril de lutas, abril vermelho

Além da mobilização de indígenas, o mês de abril é marcado pela memória dos Massacre de Eldorado, ocorrido em 1996, no município de Eldorado dos Carajás, no sudeste paraense.

O crime foi cometido pela PM do estado sob as ordens do então governador, o médico Almir Gabriel (PSDB) e o secretário de Segurança Paulo Sette Câmara.  As tropas foram comandadas pelo tenente coronel  Mario Colares Pantoja e o Major José Maria Pereira Oliveira.

Todo ano, no local do crime, a Curva do S, o MST e apoiadores realizam manifestações em memória dos mortos e na defesa da reforma agrária. O dia é dedicado na agenda mundial como Dia Internacional das Lutas Camponesas e na nacional, como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

Para saber mais sobre os crimes da luta pela terra no Pará acesse aqui o livro Luta pela na Amazônia: mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra! O livro sobre organizado pelos professores Rogerio Almeida (Ufopa) e Elias Sacramento (UFPA), em dialogo com sindicatos de trabalhadores rurais, MST, Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e a CPT.  

programação 

Sobre o ato falar com Elias Sacramento -  (9)1 99176-8821

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Alenquer em abril



Centro. Alenquer. Faz calor. Todavia, chove. Ainda é inverno. Terça feira de abril. A porca espocou do nada. Ligeira.  Porruda. Parida. Mais de 100 kg ao olho míope. Desembestou-se pela rua sem calçamento. Caçava comida. Metia o focinho em tudo: lixo mato e lama.

Tudo sucedeu nas proximidades da feira do peixe. Mercado cercado por favelas. Esgoto a céu aberto.  Na vala do esgoto, por entre sobras de peixes e lixo doméstico, felinos e urubus disputam rebotalhos dos pescados. Tambaqui, bodó, tucunaré. Tempo lento. Lentinho.  Sem agonia. Um jovem cruza o caminho com duas fieiras de peixes. Cumprimenta: “dia senhor”...respondo: diassss”

O rio faz parte da casa das pessoas das cidades ribeirinhas. É quintal. É par. É dispensa, que quando tudo falta, pesca-se o peixe. A depender do lugar, outras iguarias, a exemplo de camarão. O rio é a vida do lugar. Homem peixe. Homem rio. Homem floresta. Homem várzea. Homem quintal. Homem ribeirinho. Milenar. O rio é a vida. O rio é a morte do lugar.

Casas sobre os rios. Feitas de madeiras. Porta e varanda entupidas de plantas sinalizam que ali existe vida. Encantarias. Encruzos e armadilhas.  Nas paragens amazônicas esgoto inexiste. Pública omissão. Diarréias prosperam aos borbotões....

Árvores frutíferas garantem alguma sombra. O rio, a floresta, a várzea, o quintal, as plantas, o peixe, alguns pequenos animais, entre outros, galinhas integram o espaço. Ah, o homem. O homem e a natureza em par. Açaí na veia.

Nas casas espiadas por mim, havia embarcações pequenas. Em algumas, motos. O cavalo ferro. Uma cadeira de balanço feita em macarrão antigo aguarda o/a dono/a. Assim como uma bicicleta suspensa em uma parte externa.

Em outras residências mais bem ajambradas estranhei a ausência de grades de proteção. Reinará a paz nestas paragens? Em meu caminhar matutino, recebi de todos que por mim passaram nas ruas acanhadas e sem calçamento um bom dia. Ainda que desconheçam a minha triste figura. “dias moço”, “dias senhor”....cumprimento que faço questão em retribuir: “dias!”....

À beira do rio, embarcações. Tudo que é tamanho e estrutura: madeira, ferro. A primeira integra a cadeia do tempo agoniado, a segunda do tempo lento. O posto de gasolina socorre os grandes e os miúdos. Os agoniados e os lentos.  É recorrente pessoas comprarem o combustível em garrafas de plástico/pet. Combustível para as canoas.

Mototáxis, táxis espreitam passageiros. À beira do rio, existe pelo menos quatro hotéis: o Detinha, Hotel da Gaúcha, Pepita e o Vale do Paraíso. Entre outros povos, a região contou a presença de libaneses.

A professora Marília Emmi assina uma publicação sobre migração no Pará.  Benchimol a precede, em Eretz, obra que foi metamorfoseada em documentário. Benchimol trata especificamente da migração de judeus. Em Alenquer, por uma temporada a família Gantuss chefiou a cidade. O sobrenome nomeia alguns espaços da urbe. família de origem libanesa. 

Bodó e Mocotó formam uma dupla do lugar. Bodó é uma espécie de peixe. Mocotó uma iguaria. A dupla não canta. Bodó e Mocotó são motoristas de táxi. Conhecem todas as quebradas do lugar e vizinhança.  

Bodó é claro, enquanto Mocotó é escuro. Faz um ano que Bodó levou uma garrafada na cabeça. Uma garrafa de cachaça 51. Iniciativa de um desocupado em porta de festa.  Passado mais de 12 meses, os zoio de Bodó tiveram um probleminha. Agora padecem de lagrimação. Chora por tudo....

“Sou filho de muitas mães. Mamava as mães da vizinhança. A minha não tinha leite”, rememora. Mocotó é trecheiro. Já correu Manaus por longa temporada. Um dia resolveu mudar para Alenquer. A parceira não topou. Juntou os quase nada, e pegou o Ita sozinho. Fichou na mineração do Trombetas. Ficou 20 anos por lá. Não bebe, nem fuma. Traja uma camiseta camuflada do Exército Brasileiro.

Bodó e Mocotó orgulham-se dos bens que possuem: moto, carro de passeio e camionete. Assim defendem os dias. E, afinam amizades com ximangos e não ximangos. Ximango é o termo usado para denominar o nascido em Alenquer, assim como “espoca bode” é em Oriximiná.

Outro dia, na comunidade de Campina do Pilar, por conta das chuvas intensas, relíquias de civilizações antigas vieram à superfície. A região é um grande sítio.  Cogita-se que ainda em abril, técnicos do Iphan visitem o lugar. Trata-se de resquícios do povo Baré da região do Trombetas, como consta da história da origem da cidade. 

O museu antigo aguarda uma nova sede. Tá quase tudo pronto. É uma teimosia de alguns moradores sensíveis à cultura. E, por falar nela, a secretaria estadual, nunca respondeu a um ofício que solicitava que uma exposição sobre o centenário do escritor e político ximango Benedicto Monteiro passasse uma jornada por aqui.  Ficou restrita à Belém.

Abril. As águas estão grandes. O retorno para Santarém será ligeiro, por entre rebojos de um passado que não passa.