quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Militante social do Pará é selecionado para ministrar aula na pós graduação da UFBA

Trocate ministrará aulas no curso de pós graduação de Geografia, da UFBA a partir de 2025. 
Por Rogerio Almeida

Foto: Ícaro Matos

Charles Trocate, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) foi selecionado em concurso da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para ministrar aulas no curso de Pós-Graduação em Geografia, na categoria de notório saber. A categoria confere título de doutor ao profissional ou especialista que contribui em determinada área de conhecimento/saber e na defesa dos direitos humanos.   

Trocate é morador da Vicinal do Limão, no projeto de assentamento da reforma agrária Palmares II do MST, localizado no município de Parauapebas, no sudeste do Pará. Uma delicada região de disputa pela terra, subsolo, rios e florestas. É deste ambiente que nasce o ser reflexivo sobre as realidades marcadas pela expropriação e a pilhagem das riquezas naturais. 

Filho de migrantes maranhenses, desde jovem fez parte dos quadros do MST. Dona Lurdes, a mãe, o conduziu. Nas fileiras do movimento aprendeu a ler o mundo, além de cultivar o apreço pela leitura, onde devorava de literatura de cordel a Tolstoi. 

Quando do Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, Trocate integrava a marcha que assassinou 19 sem terra sob a ordem do governo Almir Gabriel (PSDB), Paulo Sette Cãmara, secretário de Segurança, e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), presidente da República.

Trata-se do momento de avanço das agendas neoliberais, quando o imperativo era privatizar setores estratégicos. Assim FHC viabilizou a entrega da Vale ao mercado financeiro e implementou a Lei Kandir, que pune os estados exportadores de produtos primários. Privar era a ordem, inclusive da vida. 

O título de doutor e a seleção no pleito para ministrar aulas na UFBA é um reconhecimento pelas contribuições nos campos das artes, da filosofia e  das reflexões que o poeta produz sobre a Amazônia ao longo dos anos. Uma toada marcada pelo zelo ao elemento estético, grande  sensibilidade política/poética e um profundo senso de justiça.

Na apresentação do memorial proposta pelo grupo Geografar/UFBA e outros pares, o professor Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, sobre as contribuições do Charles, dispara que ". Com as orquídeas que carrega no bolso, o poeta enfrenta as máquinas de poder, o “amor trôpego do mundo”, as injustiças, os latifúndios, os crimes ambientais e as violências nos arrabaldes do país".  

O memorial realça tanto as contribuições no campo da poesia, quanto as obras consideradas como acadêmicas, os manifestos políticos, as proposições do campo da política, da economia e do social. Conta ainda com cartas de inúmeras instituições e de programas de pós graduação, onde é recorrente a presença do poeta militantes. 

E, ainda, manifestações de instituições entrincheiras nos combates de defesa pela reforma agrária, meio ambiente e direitos humanos, a exemplo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), MST e do próprio MAM.  Movimento forjado nas barrancas do Carajás, e hoje territorializado Brasil afora. 

Sobre a mineração, entre os títulos em que contribuiu de alguma forma como autor ou organizador, constam: A Questão Mineral no Brasil,cujo recorte espacial é a região de Carajás, no Pará, em parceria com o jornalista Márcio Zonta e o Tádzio Coelho, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Editora Iguana, 2018. Já o volume II tem como foco o crime ambiental da Vale/BHP Billiton em Mariana/MG; Quando vier o silêncio:o problema mineral brasileiro, Editora Expressão Popular em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo,2020, onde também divide a autoria com Tádzio Coelho.

No mesmo campo tem escrito prefácios e orelhas de inúmeras obras. Muitas delas resultado de dissertações e teses, a exemplo do livro de Juliana Barros, A mão de ferro da mineração nas terras de Carajás, 2024, tese apresentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Acesse AQUI

No texto de orelha, o filósofo adverte “Funcional ao sistema mundo de produção de mercadorias, o projeto Carajás amplifica retrocessos sociais. Foi delineado como extração infindável sem repartiação de riqueza produzida e acoberta o fundamental da trama: ruína na periferia e acumulação econômica no centro do capital – o que origina cálculos e equivocos de interpretação pela força que coloca na ideia de que estamos presos à inevitabilidade do capitalismo e à governança da despossessão”.  

Em seminários e simpósios sobre a luta pela terra, subsolo, rios e floretas amazônicas, a presença de Charles é recorrente nas principais universidades do país, e, mesmo no exterior, onde já correu o mundo proferindo reflexões sobre a Amazônia na América Latina, EUA e Europa, onde empilha  visitações em Oxford (Reino Unido), considerada a melhor universidade do mundo, e entre as mais antigas.

E, ainda Guayaquil (Equador), Universidade Nacional Autónoma do México (Unam) e Bilbao (Espanha). Em solo pátrio tem participado de prosas na Universidade de Brasília (Unb), Universidade de São Paulo (USP), UFPA, Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA).   

Ato Primavera, Poemas de Barricada,  Quando as armas falam, as musas calam? Bernado, meu poems de combate integram o rol de livros de poesia. Os livros de poesia, assim como a produção do campo da academia possuem como magma a luta coletiva dos historicamente colocados em condições de subordinação. Um embate crítico sobre a permanência de processos coloniais.  

Parte da obra do poeta já foi sujeito de pesquisa dentro e fora da Amazônia, como evidencia a dissertação de Messias Marques apresentada na Universidade Estadual  Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), com o título de Os conflitos territoriais na região de Carajás na poesia de Charles Trocate, apresentada este ano, no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe. Acesse o trabalho AQUI 

Rasuras no "Chão dos Lobos":. A poética de fronteira de Charles Trocate, nomeia a dissertação do laureado escritor e professor Airton Souza. O trabalho foi apresentado em 2019, na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), no programa de Pós Graduação em Letras.  Acesse AQUI


Charles Trocate é caboclo amazônida, nascido e criado nas transitoriedades do Pará, e nosso intelectual corre-mundo como escreveu o professor e poeta Paulo Nunes em texto de orelha do livro Búfalo antigo, a mais recente obra da safra do errante.


Em poesia é sua oitava aparição desde que decidiu escrever para driblar a miséria que confrontava sua adolescência. Nas últimas duas décadas transformou-se em militante político e escritor, e escritor e militante político. Pelo último livro que agora vem a público é fácil perceber que não se rendeu em nenhuma das frentes, alterando de maneira permanente estes lugares que escolheu para viver e imaginar. 

O professor e jornalista Felipe Milanez (UFBA) sobre os combates empreendidos por Trocate no front da Amazônia, avalia que " É uma luta de ideias contra as formas hegemônicas de dominação e construção de mundos, formas pré-estabelecidas de se pensar, das epistemologias ocidentais que constroem os conhecimentos do mundo para servir a um tipo de mundo, o mundo colonial, machista, capitalista  desigual e contraditório". 

Parceiro do MST, Jorge Neri, ratifica a necessidade em incomodar o coro dos contentes e do afrontar as cercas do monopólio da palavra, que, assim como as cercas da terra grilada, necessitam ser afrontadas. Sobre Trocate,  argumenta" Charles é multifacético. É poeta, cantador, formador, agitador de massas, organizador, um cronista de seu tempo, tempo esse que dividido entre barracos de lona quente e as vezes o conforto do espaço de sua casa, aqui perto, na Vicinal do Limão, no assentamento Palmares. Ele se inclina a decifrar enigmas do tempo do não tempo, sabendo claro que o espaço das disputas que circulam no mundo das ideias, é o território onde se expressa de modo mais cruel, a exploração do homem pelo homem."

Sobre a comenda recebida, Charles Trocate expressa agradecimento pelo esforço coletivo dos inúmeros sujeitos envolvidos na peleja, e considera que, "só posso expressar um sentimento de contenteza. Digo a vocês e os muitos e muitas que saudaram essa iniciativa, com cuidado politico e com empolgação, os que foram além da razão, os que sentiram e o fizeram por prazer e por desprendimento este momento acontecer.  Sim, continuo acreditando que se há algo por fazer, façamos também pelas batalhas das ideias."

Leia artigo recente  sobre a Lei Kandir

Sobre o livro Búfalo antigo