Foto: Ícaro Matos
Charles Trocate, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) foi selecionado em concurso da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para ministrar aulas no curso de Pós-Graduação em Geografia, na categoria de notório saber. A categoria confere título de doutor ao profissional ou especialista que contribui em determinada área de conhecimento/saber e na defesa dos direitos humanos.
Trocate é morador da Vicinal do Limão, no projeto de assentamento da reforma agrária Palmares II do MST, localizado no município de Parauapebas, no sudeste do Pará. Uma delicada região de disputa pela terra, subsolo, rios e florestas. É deste ambiente que nasce o ser reflexivo sobre as realidades marcadas pela expropriação e a pilhagem das riquezas naturais.
Filho de migrantes maranhenses, desde jovem fez parte dos quadros do MST. Dona Lurdes, a mãe, o conduziu. Nas fileiras do movimento aprendeu a ler o mundo, além de cultivar o apreço pela leitura, onde devorava de literatura de cordel a Tolstoi.
Quando do Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, Trocate integrava a marcha
que assassinou 19 sem terra sob a ordem do governo Almir Gabriel (PSDB), Paulo
Sette Cãmara, secretário de Segurança, e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), presidente da República.
Trata-se do momento de avanço das agendas neoliberais, quando o imperativo era privatizar setores estratégicos. Assim FHC viabilizou a entrega da Vale ao mercado financeiro e implementou a Lei Kandir, que pune os estados exportadores de produtos primários. Privar era a ordem, inclusive da vida.
O título de doutor e a seleção no pleito para ministrar aulas na UFBA é um reconhecimento pelas contribuições nos campos das artes, da filosofia e das reflexões que o poeta produz sobre a Amazônia ao longo dos anos. Uma toada marcada pelo zelo ao elemento estético, grande sensibilidade política/poética e um profundo senso de justiça.
Na apresentação do memorial proposta pelo grupo Geografar/UFBA e outros pares, o professor Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, sobre as contribuições do Charles, dispara que ". Com as orquídeas que carrega no bolso, o poeta enfrenta as máquinas de poder, o “amor trôpego do mundo”, as injustiças, os latifúndios, os crimes ambientais e as violências nos arrabaldes do país".
O memorial realça tanto as contribuições no campo da poesia, quanto as obras consideradas como acadêmicas, os manifestos políticos, as proposições do campo da política, da economia e do social. Conta ainda com cartas de inúmeras instituições e de programas de pós graduação, onde é recorrente a presença do poeta militantes.
E, ainda, manifestações de instituições entrincheiras nos combates de defesa pela reforma agrária, meio ambiente e direitos humanos, a exemplo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), MST e do próprio MAM. Movimento forjado nas barrancas do Carajás, e hoje territorializado Brasil afora.
Sobre a mineração, entre os títulos em que contribuiu de alguma forma como autor ou organizador, constam: A Questão Mineral no Brasil,cujo
recorte espacial é a região de Carajás, no Pará, em parceria com o jornalista
Márcio Zonta e o Tádzio Coelho, professor
da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Editora Iguana, 2018. Já o volume II
tem como foco o crime ambiental da Vale/BHP Billiton em Mariana/MG; Quando
vier o silêncio:o problema mineral brasileiro, Editora Expressão
Popular em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo,2020, onde também divide a autoria
com Tádzio Coelho.
No mesmo campo tem escrito prefácios e orelhas de
inúmeras obras. Muitas delas resultado de dissertações e teses, a exemplo do
livro de Juliana Barros, A mão de ferro da mineração nas terras de Carajás,
2024, tese apresentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Acesse AQUI
No texto de orelha, o filósofo adverte “Funcional ao sistema mundo de
produção de mercadorias, o projeto Carajás amplifica retrocessos sociais. Foi delineado
como extração infindável sem repartiação de riqueza produzida e acoberta o
fundamental da trama: ruína na periferia e acumulação econômica no centro do
capital – o que origina cálculos e equivocos de interpretação pela força que
coloca na ideia de que estamos presos à inevitabilidade do capitalismo e à
governança da despossessão”.
Em seminários e simpósios sobre a luta pela terra, subsolo, rios e floretas amazônicas, a presença de Charles é recorrente nas principais universidades do país, e, mesmo no exterior, onde já correu o mundo proferindo reflexões sobre a Amazônia na América Latina, EUA e Europa, onde empilha visitações em Oxford (Reino Unido), considerada a melhor universidade do mundo, e entre as mais antigas.
E, ainda
Guayaquil (Equador), Universidade Nacional Autónoma do México (Unam) e Bilbao (Espanha). Em solo pátrio tem participado de prosas na Universidade de Brasília (Unb), Universidade de São Paulo (USP), UFPA, Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Ato Primavera, Poemas de Barricada, Quando as armas falam, as musas calam? Bernado, meu poems de combate integram o rol de livros de poesia. Os livros de poesia, assim como a produção do campo da academia possuem como magma a luta coletiva dos historicamente colocados em condições de subordinação. Um embate crítico sobre a permanência de processos coloniais.
Parte da obra do poeta já foi sujeito de pesquisa dentro e fora da Amazônia, como evidencia a dissertação de Messias Marques apresentada na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), com o título de Os conflitos territoriais na região de Carajás na poesia de Charles Trocate, apresentada este ano, no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe. Acesse o trabalho AQUI
Rasuras no "Chão dos Lobos":. A poética de fronteira de Charles Trocate, nomeia a dissertação do laureado escritor e professor Airton Souza. O trabalho foi apresentado em 2019, na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), no programa de Pós Graduação em Letras. Acesse AQUI
Charles Trocate é caboclo amazônida, nascido e criado nas transitoriedades
do Pará, e nosso intelectual corre-mundo como escreveu o professor e poeta
Paulo Nunes em texto de orelha do livro Búfalo antigo, a mais recente obra da safra
do errante.
Leia artigo recente sobre a Lei Kandir
Sobre o livro Búfalo antigo