Charles Trocate & Sabrina Lima da coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração-MAM analisam o delicado quadro do setor da mineração no país.
A mineração e o agronegócio
são celebrados por setores nacionais como os salvadores da pátria mãe gentil na
composição da balança nacional. No caso mineral, os estados de Minas Gerais e o
Pará funcionam como uma espécie de locomotiva do setor. O primeiro há séculos,
e nele sucederam os principais crimes ambientais recentes da mineração do país,
casos de Mariana e Brumadinho. Os eventos protagonizados pela mineradora Vale, por
vias tortas colaboraram na popularização dos dramas a que são sujeitadas as populações
afetadas de todas as formas pela atividade mineradora (econômica, social, cultural e
ambientalmente), além de colocar o tema na agenda política nacional, e realçar o debate
sobre a apropriação por poucos pela riqueza gerada pelo setor, bem como o papel do país
como mero exportador de produtos primários, o que ratifica a sua condição
colonial no xadrez da política mundial. Sabrina Lima, radicada no Rio Grande do Sul
e Charles Trocate, natural do Pará, ambos da coordenação nacional do Movimento pela Soberania
da Mineração (MAM) buscam nesta entrevista analisar o setor da mineração no país, e
ressaltam da necessidade urgente de uma reorientação do mesmo a partir dos
sujeitos por ele afetados.
Blog furo: O minério, em particular o de ferro, representa uma importante commoditie na composição da balança comercial do país, produção que vem sendo colocada em xeque por conta dos sucessivos crimes cometidos pela Vale e outras empresas e garimpos, qual é a análise que o MAM faz sobre panorama da mineração no país nos dias atuais?
Charles Trocate & Sabrina Lima
Vamos lá então, de
tantos modos de interpretar esse processo podemos escolher um de viés crítico,
porém aberto e dialógico. A origem das articulações sobre os impactos da
mineração no Brasil - chamemos de recente e tardia, dentro de uma conjuntura
histórica ao menos de três séculos de mineração no país - tem como causa
aproximada a prática mineral da Companhia Vale do Rio Doce - CVRD no conflito em
Carajás e suas mutações empresariais. A atuação da empresa no estado de Minas
Gerais e no Pará, minas a céu aberto dentro da Floresta Nacional de Carajás,
Estrada de Ferro Carajás - EFC, Hidrelétrica de Tucuruí, assim como os
complexos minérios metalúrgicos intensificaram-se no imaginário coletivo. Na
aparência é possível distinguir que não há questão mineral de impacto conjuntural,
como defendem os especialistas do assunto, mas, a estruturação do problema
mineral, seu início e fim, como nas imagens recentes de catástrofes do uso
industrial dos solos e subsolos, que muitos definirão como parte do sistema de
perdas e ganhos. Outros insistirão na necessidade do equilíbrio da balança
comercial.
Os projetos de mineração
em escalas ampliadas de produção e a fratura territorial são externalidades do
problema mineral desde o centro capitalista à periferia exportadora. O
centro é onde a expropriação se torna acumulação, ao mesmo tempo em que
impulsiona a imprevisibilidade sistêmica – não só a derrama de rejeitos como
formas de catástrofes públicas. A natureza brasileira e o seu piso geológico são
funcionais ao sistema-mundo de produção de mercadorias. Todas as políticas
liberais, neoliberais ou progressistas, como caso brasileiro encerrado
recentemente tendem a conviver com as redes ideológicas que sustentam essa
relação subordinada. A dialética da dependência se instaura por muitos meios e
o que agora vivenciamos na mineração tem em seu caráter a financeirização
absoluta. Muitos dos minerais arrancados da terra não viraram mercadoria e sim
estoque - morto em algum país da era global realizando capitais sobre o
controle de algum estado transnacional.
Blog Furo: O que representa a insistência da
economia baseada no extrativismo, em particular o mineral?
Charles Trocate & Sabrina Lima
Os riscos com os quais
convivem os habitantes dos circuitos da rede global de produção mineral são
inúmeros e um deles é a desfunção da economia da natureza. O desenvolvimento
pela mineração tem seu alcance trágico das pequenas às mais avultadas experiências,
e não nos preparamos para olhar a fundo o espantalho que são. A reincidência é
uma virtude que corre desembestada para o passado e para o presente, e nessa
forma de gerir negócios os destroços da mineração é matizada como política de
Estado e é por ela que se realiza. É o caso da mineração em Serra do Navio, no estado
do Amapá. Exemplo centrífugo mais pertinente de que o desenvolvimento pela
mineração gera subdesenvolvimento. Sem controle a empresa mineral é a sua
própria legislação ambiental, econômica e trabalhista. É ideologia de poder.
As economias
dependentes dominadas de fora, para ter acesso às finanças internacionais e
vínculo à economia global optam apenas por equilibrar a variável de recursos
entre importação e exportação, e estimulam a exportação dos produtos primários
com maior prejuízo às regiões onde estes territórios do capital se realizam sem
nenhuma taxação. O que importa é o produto primeiro, o equilíbrio da balança
comercial. Neste caso o que determina o valor absoluto das commodities
são os intermediários financeiros e com ele a complexa rede do poder global
(bancos, agências de desenvolvimento e bolsas de valores), impondo o uso
intensivo da natureza à custa de uma renda melindrada por diferentes agentes
rigorosos nos negócios, onde os altos juros de retorno e o aumento da taxa de
lucro dos acionistas compõem a máxima. A reorganização dos espaços globais de
produção e consumo é uma definição hegemônica que o geógrafo Milton Santos
chamou de “alienação territorial”- quanto maior a dependência de exploração de
bens naturais, maior controle da economia por multinacionais.
Blog Furo: Como podemos entender os mecanismos
desse modelo que ratifica a condição colonial do país?
Charles Trocate & Sabrina Lima
No Brasil nada se parece
mais ao modelo de mineração do que a Vale S.A. Gestada como empresa estatal nos
debates parlamentares– 1889-1945 herda as características da empresa colonial e
assim prossegue como enclave provocando minério-dependência em seu lugar
de origem, o estado de Minas Gerais. A Vale nasce na ditadura de Getúlio Vargas
e é dirigida em outra que a espacializará para a Amazônia no sudeste do Pará, e
se sobressai incontornável na terceira república com a constituinte de 1988 e
de lá até os dias atuais. No caso do Programa Grande Carajás é ilustrativo o
subtítulo do livro de Lúcio Flávio Pinto, - as
mutações da estatal, e o estado imutável do Pará. A presença da Vale S.A.
fez a economia do Pará pobre e limitada, administrada institucionalmente pelas
elites predatórias, que bloqueia os espaços políticos e os setores populares do
usufruto da renda mineral que circula nas regiões mineradas. Nos últimos dois
códigos de mineração, o de 1967 e o de 2017, a mineração permanece como o
espaço de decisão mais antidemocrático da república.
O modelo de mineração no
Brasil e a empresa mineral ficaram incontroláveis e este descontrole advém da
inserção econômica no sistema-mundo de produção de commodities. O incremento da
mercantilização da natureza resultou na privatização da estatal em 6 de maio de
1997. A empresa publicou em 1993 numa edição de 4 livros para comemorar os 50
anos de sua fundação -A História da
mineração no Brasil-, da qual é primeira depositaria sobre todos os
pretextos reluzentes do ouro ao manganês entre outros minerais. O livro,“O
Guia Bibliográfico para a História da Mineração do Brasil” somam 1280
referências bibliográficas entre estudos, teses, ensaios da trama que estamos
envolvidos. O poder de diluir esta trama em algo novo (se é que é possível
esgotá-la) consiste em compreendê-la e transformá-la.
Sobre a atuação da
empresa mineral pouco se sabe ou se deixa facilmente saber. Conhecer as lógicas
da mineração não se tornou entre nós cultura de palavra pensada. Mas ela poderá
vir a existir e já dá sinais evidentes, e os desafios de traduzi-los em luta
política não pode ser inconveniente ao movimento critico que se forma na
sociedade. Nota-se que desde 1997, duas décadas depois da sua privatização, e
marco temporal para a atual política mineral, estas pesquisas tenham aumentado exponencialmente.
Algumas informações indo de encontro à necessidade da “Coleção: A Questão
Mineral no Brasil”, entre outras publicações e os motivos para tanto são
inúmeros, sobretudo em termos conjunturais onde as tragédias não se filiaram às
mudanças necessárias que o tamanho da erosão da Mina Guaíba, prestes a ser
instalada no Rio Grande do Sul, aos dilemas do polo gesseiro no sertão do
Pernambuco acionam na sociedade.
A estratégia da empresa
agora é a de corporação financeirizada e se retroalimenta no seu dinamismo a
dispêndio dos impasses na luta política conjuntural no Brasil. A ênfase pública
do “Redescobrimento” que propõem a Vale S.A. é a reorganização e a
modernização capitalista do setor. Deles derivam sobre os seus interesses
muitas unicidades desde as redefinições sobre uso industrial dos territórios a
política de inserção fiscal e tributária, legislação ambiental e a compensação
financeira sobre a depleção dos bens minerais. Assim como a sonegação fiscal,
inerente a este tipo de negócios e sobre a qual se assenta todas as
contradições do modelo de mineração imperante nas relações sociais, na economia
e na natureza. A incontrolável indústria da mineração só será interpelada por
mobilização popular nas várias escalas da sua atuação, do território aos
trabalhadores [as] em situações insalubres e nas formas de consumir, passando
pelo controle das tecnologias expansivas e de produtos supérfluos às
necessidades humanas.
Blog Furo: Como a VALE.SA opera na cooptação
institucional e na divisão política dos
que por ela são afetados?
Charles Trocate & Sabrina Lima
A política da empresa de relação com as
comunidades próximas aos seus empreendimentos se alterou profundamente e nas
cidades mineradas se sobressai a aliança avassaladora com as corporações de
comunicação de massa. A política de convencimento por crédito, subsídio
estrutural e cooptação e divisão dos contrários se alterou e é verificável sua
capacidade de se desvencilhar dos conflitos. Na arte e nos sistemas
educacionais instituindo currículos, no Brasil como todo mais sobretudo nos
municípios minerados prevalece as diretivas da visão do empreendimento mineral.
O centro das inquietações da sociedade, dado os conflitos emergentes diluídos
no que representa a reprimarização da economia, maior consumo e desperdício de
natureza e a permanência das commodities agrícolas e minerais como vetor
de força econômica das dinâmicas políticas e sociais.
Blog Furo: E as reações em relação ao modelo
mineral, digo de crítica e contestação política cresceu no Brasil ou ainda
permanece como um conflito isolado, podemos citar a presença da VALE. SA na
Amazônia, na região de Carajás, onde não cessa os problemas?
Charles
Trocate & Sabrina Lima
Sim, se por um lado o
esforço de nacionalização do conflito mineral de Carajás, com “Mesas redondas”,
de 1993-1996 que vão dá origem a Fórum Carajás, com o envolvimento das
organizações de assessoria, Sindicatos Rurais, entre outras tendências de
articulação política do estado do Pará, Maranhão e Rio de Janeiro, com apoio do
Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos da Alemanha, é só em 2007 com o
conflito agrário da “Jornada Nacional em
Defesa dos Recursos Naturais do povo brasileiro”, em Parauapebas [PA],
organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST da região e
outras forças locais que ganhará a potência atual e se encontrará a outros
conflitos de mineração no espaço agrário e urbano no Nordeste, no Centro-Oeste
e no Sul do país. Fica claro que o que permitiu esse acontecimento é a
autonomia política que estes coletivos mantiveram na região, da política de
Estado e dos governos, da empresa de mineração e do latifúndio. Em 1996, consta
nos autos do processo do Massacre de Carajás que resultou em 19 mortes
campesinas que a empresa pagou o transporte que levou a tropa policial ao local
em 17 de abril daquele ano.
Tais fatores permitiram
produzir em sentimento a atuação que nem começa e nem esgota a
atualidade do conflito mineral do Brasil no Movimento pela Soberania Popular na
Mineração - MAM a partir de abril de 2012, desde Parauapebas no Pará. O grupo
de interesse formulou os argumentos desse processo e deles originaram inúmeras
conversações e desdobramentos práticos. Entre eles, destaca-se o discurso de
nascimento, de onde começar (que a muitos pareceu confuso), mas hoje não mais,
de que a “mineração não pode ser oito ou
oitenta, mais quarenta”. Foi a forma de não se isolar numa questão, e nem
em outra sobre a crise mineral instalada nas regiões e lugarejos, mais o de
abrir espaços de diálogos e articulações onde nada se precipitava naqueles
idos.
No entanto, o ponto
máximo desse percurso é a descoberta nas lutas e em franco embate dos diversos
afetados da indústria extrativa da mineração – de poderem debater, negar,
superar e propor outro modelo de mineração -, sobretudo, saber lidar com os
inconvenientes conjunturais, de que está tudo por criar num percalço
cheio de antiformas da mineração e o seu poder estatal, incluso a
espionagem e acanhamento dos espaços da política. É o princípio Potosi
revelado como tantas outras vezes se fizeram e sua máquina de esmagar territorialidades,
pelo tecnicismo destrutivo e pela violência da modernidade incontrolável. Seja
no Vale do Ribeira em São Paulo, Santa Quitéria, no sertão dos Inhambus no
Ceará ou em Caetité na Bahia e empresa mineral é endêmica na forma de despojo
territorial.
As constatações na
década anterior são de que estava em curso a tomada acelerada de territórios
pela empresa mineral e o conteúdo do conflito será de dificuldades geradas
pelas despossessões. Foram muitas e seguidas reuniões, protestos, mobilizações,
até se desenvolverem formas políticas de lidar com as situações de risco que a
mineração instaura. Entre os anos de 2015 e 2019 com as derramas de rejeito em
Mariana e Brumadinho [MG] o empreendimento mineral se traduzirá no maior de
todos os conflitos da moderna empresa no país e na sua pretensão de chegar a
tantos territórios campos e cidades - a cidade que é por ordem de negócio lugar
que circula a natureza. Os envolvidos nessa guerra de submissão pela perda de
sentido territorial para o capitalismo de catástrofe mineral indagaram:
por que a mineração no Brasil tem esse caráter destrutivo?
Não é protocolar que a
nacionalização do conflito Carajás como já se revelara contra o desperdício
da experiência e que se estimula desde abril de 2012, ainda se situa em ambiente
de tentativa política. A duração do
Movimento pela Soberania Popular na Mineração- MAM e de inúmeras articulações
que verificamos como forças vivas na questão mineral é uma construção e o seu
limite histórico é a própria conjuntura histórica. É esforço criterioso e exige
vigilância contínua, sobretudo, ainda que seja como mera informação –
como lidar nos dias atuais para não tonar-se cético que em três séculos de
contradição mineral não haja esforços populares de mobilização e organização
sobre a forma clássica de acumulação da mais valia ecológica do
empreendimento mineral em época colonial ou moderna e republicana. A
concatenação dos embates territoriais e no mundo dos trabalhadores [as] da
mineração não produzirá pauta histórica que se possa referenciar?
É como se tivéssemos que
urgentemente tirar lições das lutas na
mineração no Brasil. Mas, afinal, elas existem? Onde elas estão sendo
refletidas e que espaço elas podem ocupar na estratégia de territórios livres
de mineração ao alcance de um outro modelo mineral? Por tudo isso, e por essa
compressão – dos fatores e dos resultados
– as articulações que se abrem sobre o modelo mineral precisam ultrapassar
o imaginário decrépito de que os fins justifiquem os meios e a ingenuidade na
crença do progresso inevitável. As experiências politicas precisam ser
propositivas na mediação possível de convencimento da e na sociedade.
Sobretudo, o momento é de desprendimento e experimentação dialógica. A
mineração se evidência também como luta de poder exercido com a máxima
violência política e institucional.
Blog Furo: Bom, já se vão duas décadas desde a
privatização da CVRD. Hoje a VALE.SA,
onde estamos exatamente entre perda de soberania e o lucro extraordinários dos
acionistas que se apresentam como tragédias ecológicas, acidentes coletivos dos
trabalhadores da mineração e o aumento da dependência externa e a
desindustrialização?
Charles Trocate & Sabrina Lima
Atentemo-nos ao que
assiná-la Kwame Nkrumah, a (...) “a essência do neocolonialismo é que o Estado
que lhe está sujeito é, em teoria, independente e tem todas as características
externas da soberania internacional. Na realidade, seu sistema econômico e, com
isso, sua política são dirigidas de fora (…) O resultado do colonialismo é que
o capital estrangeiro se utiliza para a exploração, mais que para o
desenvolvimento das partes menos desenvolvidas do mundo (…) O neocolonialismo é
também a pior forma de imperialismo. Para quem pratica significa poder
sem responsabilidade e, para quem sofre significa exploração sem reparação”.
O ciclo de altos preços das commodities minerais ficou no passado, a tendência
é que volte a crescer entre os anos 2020-2025. Em momentos de altos e baixos
rendimentos as contradições continuam imponderáveis.
O que mais deveria
tornar se reflexível versa o contrário com a famigerada busca por novos
territórios pela empresa mineral. É o princípio Potosi revelado no
parlamento e inflado na sociedade do desperdício – contra os territórios
históricos dos povos originários e não só. É como se a única forma de crescer
seja a dissolução territorial numa ponta e a naturalização da natureza morta e
a renda que a todos substitui noutra. A minério-dependência e a dependência da
técnica e de sistemas financeirizados é, por assim dizer, a única eficácia
desse sistema de esgotamentos geofísicos. Reestabelece o velho dilema da
dependência da técnica e da finança alheia para que ambos cumpram acumulação
exigindo cada vez mais vastos territórios e legislações eficazes em remonta beligerante
e a diluição do humano – o trabalhador por inteiro –, todas as formas de
exploração na vigência da commodity.
Em 2016, por exemplo, um
ano após o crime em Mariana [MG] entrou em funcionamento o projeto S11D, no
município de Canaã dos Carajás, no sudeste do Pará. Na qualidade do seu
mineral, o ferro é o mais puro, atestam os especialistas e os negócios
da empresa. Concorre para a experiência pioneira pela tecnologia a ele
empregada e junto a outros tantos empreendimentos minerários país afora
reabilitaram a dinâmica do que foi o Programa Grande Carajás no sudeste
paraense, que o IBASE definirá em estudo no início dos anos 80 do século
passado como cálculo de “hipoteca do
futuro”, e não há dúvidas que assim se sucedeu. Em ambos os casos, qual o
“calcanhar de Aquiles” da indústria extrativa da mineração? É somente a
espionagem como política da empresa de organização militar e a militarização
como coesão estatal. A desinformação como informação, os elementos impeditivos
das lutas populares na mineração.
Em meio a tudo isso se
abriu um momento de breve duração para avançarmos na popularização da
questão mineral e são muitos os fatores internos e externos que favorecem esta
situação. Os crimes da empresa mineral em Mariana e Brumadinho [MG] e Barcarena
no [PA], entre outros, tem infelizmente duplo significado. Entram criticamente
no pensamento social brasileiro e ao mesmo tempo induzem ao maior controle
social desses processos. É um jogo de forças e dele se originam distintas
mobilizações e organizações de variáveis tamanhos e escalas. Sobretudo porque já está claro que a
definição do que minerar, como minerar e onde minerar não passa pelo Estado de
força do capital, mas por uma construção crítica, a construção de força
social que altere o curso desse atual estágio antropofágico da indústria da
mineração.
Em ambiente de guerra
contra as correntes do pensamento mineral conservador, são constantes as ações
de surgimento e consolidação de articulações que vão da elaboração de medidas,
contra catástrofes, a documentos institucionais oriundos de CPMi´S e comissões
de assembleias legislativas, à construção de peças que moldam a mudança do
modelo mineral e a volta do controle público do setor. Verificam-se movimentos
pelo fim da Lei Kandir e uma política de transparência pública do uso da
Compensação Financeira sobre exploração mineral-CFEM nos municípios
minerados. A recuperação de certa tradição de documentos e pesquisas críticas
sobre a empresa mineral e o estabelecimento de novos estudos. As ações
populares de diversas origens vão se convertendo enfáticas nos territórios
deturpados da mineração, assim como a contribuição do MPF sobre o garimpo do
ouro, seja ele manual ou industrial, resultam numa extrema concentração, e que
requer controle político e social. Estes prelúdios retiram o conflito mineral
do seu lugar de mando e privilegio da crítica à empresa/modelo para desconforto
generalizado, tendo os ideólogos da mineração no país e suas revistas
especializadas alertado sobre os riscos de colapso que o setor atravessa.
Blog furo: Diante do que já foi exposto, quais as
chances de interpretação e luta em tempo real, para ao menos equiparar com a forma incontrolável da
empresa de mineração?
Charles Trocate & Sabrina Lima
O geógrafo inglês
Anthony Bebbington, citado por Horácio Machado Araóz, descreve que na América
Latina: “Tanto o século 19 como o 20 estiveram repletos de boom mineiros cujos
efeitos finais não significaram se não o surgimento de uma classe política
rentista, a criação de economias de enclave e a irremediável deterioração do
meio natural do qual depende a sobrevivência de uma população rural,
majoritariamente camponesa e crescentemente empobrecida”. A mineração é este
paradoxo, apenas sentimos os efeitos recentes de um novo período de perdas nos
termos de troca comerciais na sua espacialização pelo continente. Esta fase que
poderíamos chamar da mais destrutiva de todas tem seus fundamentos no tripé que
desatou tantas tragédias: a desindustrialização, a Lei Kandir e a privatização
do setor mineral de 1997 para cá - é a
época que tudo se acelera continuamente, tanto no crescimento como na recessão.
O modelo mineral
Brasileiro é um sistema de conflitos, mas qual o tamanho do território
conflitado pela mineração no país? O que deveria ser o modelo mineral
brasileiro? O que de fato ele exige para ser diferente? Já não se trata de conflito
que opõem tecnocratas do governo, empresários e técnicos de um lado e oposições
particulares pelo controle da renda mineral. De um lado estão os que sofrem
o poder e a ninguém podem exigir reparação, são os que veem suas vidas
arruinadas numa pobreza estrutural que não cessa, enquanto do outro lado, os
que ficam ricos com os negócios da mineração e no limitado tempo-espaço que
duram essas explosões de rochas. O deslocamento da empresa mineral para a
Amazônia e todos os seus recordes de produção de um lugar que substitui o outro
porque a rolagem da mineração não pode parar. É o Pará substituindo Minas
Gerais e a Pan Amazônia locus de
tantas fronteiras de exploração global.
Mariana e Brumadinho em
Minas Gerais, Barcarena, Oriximiná e Juruti no Pará, são intermináveis em
exemplos de perda contínua e colapso derradeiro. Quanto mais toleraremos de
desperdício natural com o modelo mineral? A ruína territorial tem seu ponto de
estrangulamento no objeto industrial, quanto mais a mercadoria exerce fascínio
mais se arruínam territórios e mais se prendem a ele o sistema que precisa
encontrar limites. O problema mineral brasileiro já não pode dispor do que
sempre dispôs, a razoabilidade da ordem, da sua ordem. Assim como não poderá
pela crescente articulação popular continuar imbatível. Este será para nós o
conflito da próxima década de um ciclo de contradições que já evidencia numa
transição de formas de lutas, da denúncia ao prejuízo econômico a
empresa/modelo.
A latência do problema
mineral brasileiro pede militância pelo direito de dizer não à mineração e
explicita a necessidade de mudança do modelo mineral. Tudo pode se confirmar da
luta por territórios livres de mineração e direitos em sociedades que se formam
e convivem com o fardo da mineração em suas concepções de vida e destino, onde
os sujeitos colocados em condição de subalternização à mineração possam
arrancar outras leis - quão
necessárias - e nesse momento são, que impeçam, limitem e ordenem a escolha
de relação com a vida moderna e da modernidade com a natureza. Estes
acontecimentos políticos ambientados em vasto território despontam a rota a ser
seguida no embate ao modelo de mineração dominante.
Blog Furo: Para finalizar, a espetaculosa política
mineral do governo Bolsonaro não encontrará limites?
Charles Trocate & Sabrina Lima
A crise sanitária provocada pela pandemia reforça por um lado a falta se
senso do governo, como também o poder das mineradoras quando obtém o selo de
atividade “econômica essencial” e com eles o plano de mineração mas hostil que
se possa imaginar. O governo Bolsonaro vende a natureza brasileira a qualquer
preço e realiza isso com a convicção dos grupos de poder da mineração. Mas para
apenas colocar um elemento a mais, o que estamos vivendo é uma terceira etapa
da precificação da natureza- desde os anos noventa do século passado,
neoliberal, de Collor e FHC, progressista nos governos petistas e conservadora,
do governo Temer e Bolsonaro. A combustão para isso é a desindustrialização
como marca desses três momentos e o aumento das leis que dão segurança jurídica
aos capitas que especializam a economia brasileira como produtora de commoditie
agrícolas e minerais.
Numa outra perspectiva é
necessário ir além. A crise econômica que convulsiona e tenciona o uso da
natureza brasileira se origina e se oxigena da nossa indecifrável crise política.
O que significa que alterar a rota e a dinâmica do problema mineral brasileiro
não constitui fato isolado das lutas políticas sobretudo das que atentam a
demanda de democracia e por direitos sociais e de controle popular do uso fruto
territorial.
Assim, como retirar o problema mineral da sua baixíssima compreensão social
e da sociedade não se poderá ir muito longe sem o seu envolvimento, e retirá-lo
da dormência ou do esquecimento ideologicamente orientado que prevalece como
sentimento mais urgente. Não teremos chances de enfrentar o bloco de poder da
mineração sem assumir com radicalidade a crítica capaz de fazer pensar que a
mineração não é algo inevitável, e que seu progresso não constitui força
imperante da economia. Se há mineração, se há que haver mineração, qual é a sua
necessidade mesmo? Este estágio nos apequenou diante dos milênios geológicos
quando muitos pensam que nos agigantamos diante da natureza. Mera sedução de
argumentos, desperdício de natureza e exclusão do consumo das amplas massas
populares põem-nos a pensar a fazer em coletivo surpreendente jornada.
Numa difícil tarefa de
busca de alternativas – a geologia e o seu uso por minúscula fração de classe
da sociedade - é para onde se deslocam inúmeras lutas. Consagram-se como terreno de disputas no
plano imediato inclusive as de caráter de soberania popular. As lutas políticas
já não são somente para o domínio em luta de poder sobre o controle das
forças sociais produtivas, mas é de alguma forma para contê-las pois o
progresso capitalista é inconciliável com metabolismo do planeta. O modo de
vida industrial burguês ou o modo de vida imperial sucumbe à cada catástrofe, e
o mundo mediado pelo objeto industrial esvazia de sentido a existência de
corpos territoriais. Tratando de absolutização, o enredo da atual fase da
indústria da mineração não constitui segredo que não se possa desvendar. No
Brasil quanto mais destrava a força de destruição geológica mais implode a
possibilidade de outro destino sociometabólico das suas populações.
Blog Furo: Uma palavra final?
Charles Trocate & Sabrina Lima
Sim, é que não percamos o momento para a reflexão e para a ação, a tormenta
do nosso problema mineral não passará e tão pouco será outro por decreto, ele
explicita que é necessário a razoabilidade das lutas populares, de todos os
caráteres, inclusive, pois ele é fenômeno de distorções territoriais e
econômicos sem precedentes da história do país. Significa que temos que
mobilizar, vozes, corpos, do território ao mundo do trabalho, toda a nossa
capacidade de demandar a política e insuflar com argumentos políticos a
razoabilidade inesgotável que é a da luta pela soberania popular na
mineração numa crescente combinação de esforços. O desperdício de natureza que
a empresa mineral fagocita sem controle algum em ambiente deflagrado de
destruição e controle político é necessário um gigantesco movimento popular que
abata pela luta tais ambições de desastre e aprisionamento sistêmico.
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