Uma viagem ao Brasil profundo pode ser uma excelente oportunidade de incrementar o repertório, em especial aos despidos de preconceito, como parece ser o caso de Machado. Aos que possuem olhos e ouvidos atentos o Brasil profundo pode ser uma baita faculdade sem parede
Rogério
Uchoa é uma espécie de nome artístico. O nome, na verdade, é Rogério Pinheiro.
Por que digo isso? Porque é esse o imbróglio que aparece à nossa frente no
guichê da Gol. O funcionário não quer permitir o embarque do fotógrafo que me
acompanha até a missão em Juruti.
Ligamos
para o jornal e somos orientados pelo editor Adaucto Couto a procurar o guichê
da Vale Verde, responsável pela emissão dos bilhetes. Lá, uma atendente resolve
a situação. Creio que de uma forma não muito ortodoxa, pois ela manda Rogério
esperar afastado e depois volta com uma passagem na mão, dizendo para ele ir
rápido e torcer para que o mesmo funcionário que quis barrá-lo não esteja no
despacho dos passageiros.
Jeitinhos
brasileiros.
Vamos
a Santarém. Passa da meia noite. Assim que nos instalamos e levantamos voo,
ligo mp4 e ficou ouvindo música. De REM a Marcelo Jeneci. Fecho os olhos,
tranqüilo.
Em
Santarém, taxi de transbordo é caro. Em conversa com o motorista decidimos ir
direto ao porto de embarque. É que ele diz que uma lancha sairá Às 8h30. As
passagens são vendidas a partir de sete horas. São quase 2h30.
No
terminal, somos informados de que não haverá lancha. Só o barcão mesmo. E isso
à tarde. O funcionário olha para nós e se penaliza. As bolsas pesam. Diz que
podemos ficar por ali mesmo até o dia amanhecer. Bancos de madeira nos esperam
pelo resto da noite. Dormimos do jeito que dá.
Rogério até ronca.
De
manhã saímos atrás de um café da manhã. O suco que peço vem com jeito de quase
passado. Meio azedo. Vamos em direção ao barco. É cedo ainda. Compramos as
passagens e atamos as redes. Na verdade, eu faço isso. Rogério não vem com rede
e sai pra comprar uma. Quando retorna estou dormindo. É claro que ele não perde
a oportunidade de me fotografar assim, estarrado na rede.
Depois
é a minha vez de sair. Vou comprar sandálias. Passo num cyber pra ver se há
novidades.
Esperar
a saída do barco é um exercício de paciência. As redes começam a se entrelaçar
para desespero de Rogério. Deito na minha e fico ouvindo música até acabar a
bateria do primeiro MP4.
Levei dois. o meu e o da Michelle. Depois levanto e
vou comprar laranjas e água. Fico observando o vai e vem dos
carregadores. É uma visão sempre surpreendente. De tudo se leva na cabeça. Um
cabocão passa carregando uma geladeira.
Passa
das quatro horas da tarde quando o barco finalmente desatraca. Lotado de gente
e mercadorias. Cidades ribeirinhas dependem dessas cargas. De cerveja a
eletrodomésticos, tudo se transporta nessas embarcações.
É
uma viagem longa e cansativa. Chegamos em juruti lá pelas sete da manhã, depois
de uma noite de sono interrompido aqui e ali. E nem deu pra ficar muito na
parte de cima do barco porque era uma sequencia de DVDs gospel que,
sinceramente, me faz pensar que deus devia reclamar com esse povo por fazer
tanta música ruim pra ele.
Chegamos
no dia de finados. Ou seja, começar uma matéria num dia em que tudo ta fechado
é complicado. O hotel que ficamos é uma piada. Sem café da manhã. Mas
conseguimos um café decente numa panificadora bem legal. Na passagem vimos uma
plaquinha numa casa anunciando comida caseira.
Ainda não sabíamos, mas aquele
seria nosso principal QG para almoço e jantar. Comida pra lá de deliciosa, com
peixes como pirarucu, tambaqui, surubim e pacu na ordem do dia. E preço
honesto, o que é importante.
Como
a pauta é sobre impactos de uma mineradora, recorro à própria experiência e vou
atrás de um sindicato de trabalhadores rurais. É sempre um bom caminho para se
começar. Batata.
Juruti
é uma cidade pequena e pacata. Fazemos tudo a pé. Mesmo que o calor mine
resistências. No primeiro dia, algumas boas entrevistas. A noite sem muitas
opções morremos em pizza.
No
dia seguinte conseguimos um taxi que nos leva a uma das comunidades afetadas
pela ação da mineradora. É um percurso que inicia pela rodovia bem asfaltada,
emenda por uma estrada de terra, contorna a ferrovia. Chegamos a Café Torrado e
os dois que procuramos, Paulinho e Ercílio, não estão por lá. Estão em outra
comunidade, chamada Piranha. Vamos lá.
O
carro não entra a partir de um determinado trecho. É descer e ir a pé. Descer
mesmo, pois é uma descida sem fim. Rogério diz que não quer nem pensar na
volta. Um caminho estreito por entre a mata.
E haja pernada.
Acabamos
por encontrar a casa de dona Lili. Mãe de Ercílio, nos recebe perguntando o que
queremos com o filho dela. Que por sinal já foi embora por outra picada. Mas
Paulinho está logo ali, pescando num imenso lago. Dona Lili tem um rosto
marcado por sulcos. Rogério faz um vídeo com ela. “Eu sou calminha, mas quando
tenho de soltar uns caralhos, eu solto”, diz ela.
Vou
em busca de Paulinho. A paisagem é bela, de campos. Ele vem remando na canoa.
Explico o que quero e vamos sentar em um banquinho em frente a casa para a
entrevista. Rogério colhe uns cajus.
Paulinho é articulado e crítico.
Conversamos
por quase uma hora. Depois vamos às fotos. A melhor é a que ele fica sentado
num banco olhando para os campos À frente.
Passamos
também numa comunidade cujo igarapé principal secou por conta da construção de
uma estrada de ferro. Os moradores perdem um pouco da própria história quando
isso acontece. Voltamos cansados para o almoço. O taxista cobra quarenta reais
a mais que o combinado. Isso me irrita.
O
almoço faz valer a pena.
De
noite conseguimos acompanhar uma dupla de educadores ambientais que irão
conversar com o povo de uma comunidade. Oportunidade para mais entrevistas e
fotos. E repelente na pele que os bichos não dão descanso.
Fico
com a impressão de que as relações das comunidades com grandes empresas é a de
que os moradores afetados sequer sabem o que exigir dessas potencias. É uma
luta desigual. Mas pelo menos há grupos se organizando.
Cerveja...
Meu
reino por uma gelada.
No
dia seguinte, mais e mais entrevistas. E no outro dia, a ida até Juruti Velho.
O motivo é conhecer Gedenor, um líder comunitário considerado uma espécie de
Chico Mendes de lá. Alugamos uma rabeta. Serão quase três horas de viagem.
Saímos
cedo, sem tomar café.
O
tempo nubla. Rogério pergunta se vai chover. Didi, o barqueiro, diz que não e
nos aponta um jacaré às margens do braço de rio. Menos de dez minutos depois da
previsão meteorológica começa a cair uma chuva intensa. Puta frio.
Nos
encolhemos todo. Até que em determinado momento Rogério dispara essa: ‘acho que
to até sem cu, de tanto frio’. Caímos na gargalhada. Mesmo ensopados.
No
caminho vemos pirarucus, gaviões, tucanos, e um pássaro dar um rasante e
apanhar um peixe. Do caralho!
Juruti
Velha é bonita por ter várias prainhas perto. Visual absurdo.
Quando
saímos do barco mal conseguimos andar, de tanta dor na base da coluna. Ando a
passos lentos. Vamos atrás de Gedenor.
Desconfiado,
manda chamar uma assessora de imprensa da associação. Ela diz que vai gravar.
Ok. “É que veio um jornalista aqui e distorceu tudo o que eu disse”, justifica
ele. Sei como é essa historia.
Gedenor
é um dos 13 filhos de Madalena, uma evangélica que me sai com essa> fazer
filho é bom, ruim é por pra fora depois.
É
uma entrevista interessante. Gosto de encontrar esses personagens que fazem a
história da resistência na Amazônia.
A
volta é na lancha da associação. Alívio, porque é muito mais rápido. Carona
boa, junto com duas freiras que lembram aquele visual de Dorothy Stang.
Depois
teve lancha para Santarém. Cerveja e caldo de caranguejo em frente ao rio
Tapajós, uma longa espera no aeroporto. E Belém, cedo da manhã. O fim de
semana. Os bons momentos, a sensação de missão cumprida.
A
segunda-feira vem logo ali. Dia de debruçar sobre as anotações e escrever a
matéria.
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