Travessão nos rincões amazônicos é
muito mais que a haste superior da baliza do goleiro. Ele leva ao âmago do coração
de lugar nenhum no meio do nada. No meio de tudo, quando em tempos remotos
predominava uma frondosa e densa floresta. Lonjuras e distâncias onde um
intrépido passeante ocasional duvidaria que alguém ali moraria. Um Verde Vagumundo, como diria Benedicto Monteiro.
Esse conjunto de travessões encarna
vetor de povoamento e de saque da floresta. Legal e ilegal, com ênfase ao
segundo. Projeto de colonização do
século passado. O slogan todos conhecem. O enquadramento do vazio demográfico. Aquela
parada da terra sem homem.
Uma parte expressiva da rodovia dos
milicos ainda desconhece o asfalto. Em particular a fração a oeste, entre
Rurópolis e Uruará, onde impera o saque ilegal de madeira, marcado pela
presença de uma gambiarra batizada de Transuruará. Alguns a denominam de atalho
para alcançar Santarém de forma mais ligeira. Vice-versa. A desventura não paga
o risco.
Ali o bicho pega. O coro come. Todo
mundo sabe da ilegalidade. Até os carrapatos dos bois, que aqui e ali, quando
da passagem diurna pela rodovia, mais parecem bolinhas de algodão em meio ao
pasto. Réstias de floresta, cercas, pasto, estrada de chão e inúmeras pinguelas
sobre igarapés e riachos imperam entre Santarém à Marabá. Uns 1.200 km,
aproximadamente.
Aventura dura 24h de busão, com
direito a restaurantes avaliados por cruzes, e não por estrelas. A ordem é fazer o sinal de cruz e invocar uma
proteção.
Esguia, alta e loira, uma jovem grávida,
com um menino acomodado no dorso e puxando mais uns três barrigudin, pede ao
motorista do busão que pare nas proximidades de uma bodega. Ali existe um
Travessão. Muitos dos motoras já conhecem os moradores e as referências dadas. Surpreende
a capacidade em identificarem, mesmo no escuro breu em noite de chuva, o
Travessão onde residem.
A moça e a sua prole destoam dos
traços, vocabulário usado e sotaque que marcam o povo originário das bandas de
cá. A moça e sua trupe integram um exército de camponeses expropriados do Sul,
quando a partir de lá, uma tal “revolução verde” os expulsou para estas latitudes.
Expropriados de suas posses sentaram praça na “estranha” selva. Tempo de ditadura.
Na página 18 do Jornal Bandeira 3,
editado em 1975 pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto, esclarece que o projeto do
governo era assentar nas proximidades de Altamira umas 2 mil famílias de
camponeses do Sul do país.
A meta era incrementar a produção
mecanizada de ciclo curto e perene, com a utilização de adubo e corretivos químicos.
Com a colaboração de cooperativa do Vale do Juí o projeto ambicionava comercializar
além da madeira, os produtos da roça. A colonização oficial tinha denominação
de Projeto de Integração e Colonização (PIC).
Tristes trópicos. Muitos tombaram de
bala ou malária. A bala que tomba sem-terra não mata saudade. Travessões. Vicinais.
Vicissitudes. Violência em Estado bruto e puro à paisana ou farda, com as
benções da vossa excelência Justiça.
Ao contrário da terra de trabalho
que almejava, o errante encontrou na cova rasa a terra que queria ver dividida. Ah, João,
Ah, Cabral....Ah, Josué, nunca via tamanha desgraça...quanto mais sonho se tem,
mais urubu ameaça...
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