quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Massacre de Eldorado: morre em Belém coronel Pantoja, um dos comandantes da chacina de sem terra no Pará

É o terceiro da cúpula que protagonizou o Massacre de Eldorado dos Carajás  a morrer


Coronel Pantoja - Foto: imagem de internet


Sangue, sangue, sangue...a narrativa sobre a luta pela terra em solo brasilis é uma narrativa de sangue. Não se trata se sangue de qualquer um. Trata-se de sangue dos colocados em condições de subalternização, e daqueles a eles alinhados: religiosos, advogados, e outras modalidades de mediadores.  

A tragédia da concentração da terra no pais é encharcada de sangue de indígenas, campesinos e quilombolas. História marcada pela parcialidade da Justiça, pela coerção pública (“puliças”) e privada (pistolagem ou “firmas de segurança”), pela apropriação do Estado por frações de classes. Violência institucionalizada desde a pisada inaugural do colonizador primeiro.

Mortes aos borbotões. Naturalizadas em sua maioria, como se fosse o tempero essencial do processo de avanço do capital. Em resumo, uma violência estrutural. Violências simbólicas e físicas, a se reproduzirem e atualizarem nos dias atuais.

Neste rol a perder de vista, quando do avanço das políticas neoliberais dos vindouros anos da década de 1990, dois massacres de campesinos colocaram, mais uma vez, a Amazônia e a luta pela terra no centro do debate político nacional e mundial.

Eram anos do governo do professor Fernando Henrique Cardoso, num agosto de 1995, em Corumbiara, em Rondônia, “puliças”, jagunços e camponeses protagonizaram um tiroteio, que resultou em número incerto de mortos, que oscila entre 10 a 16, entre eles uma criança de nove anos e dois policiais.  Os camponeses alegam que mais de 100 pessoas foram executadas.

17 de abril de 1996, na Curva do S, no município de Eldorado dos Carajás, no estado do Pará, durante o governo do médico Almir Gabriel (PSDB), e do secretariado de segurança de Paulo Sette Câmara, 155 PMs, sob o comando major José Maria Pereira de Oliveira e do coronel Mário Colares Pantoja assassinaram 19 trabalhadores sem terra filiados ao MST.

Em comunicado publicado no site da CPT, Carlos Guedes, um dos advogados do caso na época, assim detalha os requintes de crueldade adotados contra os 19 sem terra:

Altamiro Ricardo da Silva recebeu dois tiros na cabeça e um na perna. Antônio Costa Dias, um tiro no tórax. Raimundo Lopes Pereira foi vitimado com três tiros: dois na cabeça e um no peito. Leonardo Batista de Almeida foi atingido por uma bala na testa. Graciano Olímpio de Souza, dois tiros, sendo um na nuca e outro no peito. A necropsia no corpo de José Ribamar Alves de Souza mostrou que ele recebeu dois tiros e um deles, na cabeça, foi à queima-roupa. Ao atirarem em Manoel Gomes de Souza, os autores queriam matar o rapaz. A prova são os três tiros disparados que atingiram a testa e o abdômen, regiões altamente letais. Lourival da Costa Santana foi atingido no coração. Antônio Alves da Cruz levou um tiro no peito e teve ferimentos com arma branca. O laudo apontou como causa morte uma hemorragia interna e externa com explosão do coração e do pulmão esquerdo por instrumento corto contundente. Abílio Alves Rabelo morreu com três tiros, dois no pescoço e um na coxa direita. João Carneiro da Silva teve morte por esmagamento do crânio, indicando ter sido ele vítima de extrema violência e crueldade. Ao prestar depoimento, Luiz Wanderley Ribeiro da Silva revelou que viu um policial militar atacar João Carneiro com um pau, que foi introduzido na cabeça da vítima, partindo-a e expondo os seus miolos. Antonio, conhecido apenas como “Irmão”, morreu com um tiro na nuca. João Alves da Silva levou dois tiros: um na cabeça, por trás, e um na canela direita. A trajetória do projétil que o atingiu na região temporal fez um percurso de cima para baixo e de trás para diante, indicando ter sido ele alvejado quando se encontrava no chão. Robson Vitor Sobrinho levou quatro tiros – dois pelas costas e à queima-roupa, na altura do tórax, um no braço e outro no rosto – enquanto estava no chão. Amâncio Rodrigues dos Santos recebeu três tiros, sendo um na cabeça, um na parte pélvica e um na região axilar. Valdemir Pereira da Silva levou um tiro no peito. Dois tiros atingiram o peito e um a região axilar direita de Joaquim Pereira Veras. A trajetória de entrada do projétil na axila mostra que a vítima encontrava-se num plano inferior ao agente que disparava a arma de fogo. João Rodrigues Araújo foi atingido por um tiro no braço direito e morreu devido a hemorragia pelo seccionamento da artéria femural esquerda pelo uso de arma branca.

 

Sem informar a causa da morte, na noite de ontem, 11, a mídia de Belém anunciou a morte do coronel Pantoja, que estava internado no hospital da Unimed, e portava tornozeleira eletrônica.  

16 anos separaram a condenação e prisão de Pantoja e Oliveira, que só ocorreu em 2012, com condenação de 280 anos para ambos. Pantoja cumpriu quatro anos de reclusão, quando recorreu por prisão domiciliar alegando problemas de saúde.

Dos quatro principais protagonistas do Massacre de Eldorado de Carajás, Almir Gabriel morreu em 2013, aos 80 anos, por falência múltipla dos órgãos.  Paulo Sette Câmara, que recebera medalha de honra ao mérito do Conselho de Segurança do Estado (Consep), em fevereiro de 2019, faleceu de Covid em maio deste ano, aos 84 anos.

Terá o Consep considerado o Massacre de Eldorado em sua ficha funcional para a concessão da medalha?

O império da lei um dia alcançará o coração do Pará?

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