É o terceiro da cúpula que protagonizou o Massacre de Eldorado dos Carajás a morrer
Sangue,
sangue, sangue...a narrativa sobre a luta pela terra em solo brasilis é uma narrativa
de sangue. Não se trata se sangue de qualquer um. Trata-se de sangue dos
colocados em condições de subalternização, e daqueles a eles alinhados:
religiosos, advogados, e outras modalidades de mediadores.
A
tragédia da concentração da terra no pais é encharcada de sangue de indígenas,
campesinos e quilombolas. História marcada pela parcialidade da Justiça, pela
coerção pública (“puliças”) e privada (pistolagem ou “firmas de segurança”),
pela apropriação do Estado por frações de classes. Violência institucionalizada
desde a pisada inaugural do colonizador primeiro.
Mortes
aos borbotões. Naturalizadas em sua maioria, como se fosse o tempero essencial
do processo de avanço do capital. Em resumo, uma violência estrutural. Violências
simbólicas e físicas, a se reproduzirem e atualizarem nos dias atuais.
Neste
rol a perder de vista, quando do avanço das políticas neoliberais dos vindouros
anos da década de 1990, dois massacres de campesinos colocaram, mais uma vez, a
Amazônia e a luta pela terra no centro do debate político nacional e mundial.
Eram
anos do governo do professor Fernando Henrique Cardoso, num agosto de 1995, em Corumbiara,
em Rondônia, “puliças”, jagunços e camponeses protagonizaram um tiroteio, que
resultou em número incerto de mortos, que oscila entre 10 a 16, entre eles uma
criança de nove anos e dois policiais. Os
camponeses alegam que mais de 100 pessoas foram executadas.
17
de abril de 1996, na Curva do S, no município de Eldorado dos Carajás, no
estado do Pará, durante o governo do médico Almir Gabriel (PSDB), e do
secretariado de segurança de Paulo Sette Câmara, 155 PMs, sob o comando major
José Maria Pereira de Oliveira e do coronel Mário Colares Pantoja assassinaram 19
trabalhadores sem terra filiados ao MST.
Em
comunicado publicado no site da CPT, Carlos Guedes, um dos advogados do caso na
época, assim detalha os requintes de crueldade adotados contra os 19 sem terra:
Altamiro
Ricardo da Silva recebeu dois tiros na cabeça e um na perna. Antônio Costa
Dias, um tiro no tórax. Raimundo Lopes Pereira foi vitimado com três tiros:
dois na cabeça e um no peito. Leonardo Batista de Almeida foi atingido por uma
bala na testa. Graciano Olímpio de Souza, dois tiros, sendo um na nuca e outro
no peito. A necropsia no corpo de José Ribamar Alves de Souza mostrou que ele
recebeu dois tiros e um deles, na cabeça, foi à queima-roupa. Ao atirarem em
Manoel Gomes de Souza, os autores queriam matar o rapaz. A prova são os três
tiros disparados que atingiram a testa e o abdômen, regiões altamente letais.
Lourival da Costa Santana foi atingido no coração. Antônio Alves da Cruz levou
um tiro no peito e teve ferimentos com arma branca. O laudo apontou como causa
morte uma hemorragia interna e externa com explosão do coração e do pulmão
esquerdo por instrumento corto contundente. Abílio Alves Rabelo morreu com três
tiros, dois no pescoço e um na coxa direita. João Carneiro da Silva teve morte
por esmagamento do crânio, indicando ter sido ele vítima de extrema violência e
crueldade. Ao prestar depoimento, Luiz Wanderley Ribeiro da Silva revelou que
viu um policial militar atacar João Carneiro com um pau, que foi introduzido na
cabeça da vítima, partindo-a e expondo os seus miolos. Antonio, conhecido
apenas como “Irmão”, morreu com um tiro na nuca. João Alves da Silva levou dois
tiros: um na cabeça, por trás, e um na canela direita. A trajetória do projétil
que o atingiu na região temporal fez um percurso de cima para baixo e de trás
para diante, indicando ter sido ele alvejado quando se encontrava no chão.
Robson Vitor Sobrinho levou quatro tiros – dois pelas costas e à queima-roupa,
na altura do tórax, um no braço e outro no rosto – enquanto estava no chão.
Amâncio Rodrigues dos Santos recebeu três tiros, sendo um na cabeça, um na
parte pélvica e um na região axilar. Valdemir Pereira da Silva levou um tiro no
peito. Dois tiros atingiram o peito e um a região axilar direita de Joaquim
Pereira Veras. A trajetória de entrada do projétil na axila mostra que a vítima
encontrava-se num plano inferior ao agente que disparava a arma de fogo. João
Rodrigues Araújo foi atingido por um tiro no braço direito e morreu devido a
hemorragia pelo seccionamento da artéria femural esquerda pelo uso de arma
branca.
Sem
informar a causa da morte, na noite de ontem, 11, a mídia de Belém anunciou a
morte do coronel Pantoja, que estava internado no hospital da Unimed, e portava
tornozeleira eletrônica.
16
anos separaram a condenação e prisão de Pantoja e Oliveira, que só ocorreu em
2012, com condenação de 280 anos para ambos. Pantoja cumpriu quatro anos de
reclusão, quando recorreu por prisão domiciliar alegando problemas de saúde.
Dos
quatro principais protagonistas do Massacre de Eldorado de Carajás, Almir
Gabriel morreu em 2013, aos 80 anos, por falência múltipla dos órgãos. Paulo Sette Câmara, que recebera medalha de
honra ao mérito do Conselho de Segurança do Estado (Consep), em fevereiro de
2019, faleceu de Covid em maio deste ano, aos 84 anos.
Terá
o Consep considerado o Massacre de Eldorado em sua ficha funcional para a
concessão da medalha?
O
império da lei um dia alcançará o coração do Pará?
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