domingo, 28 de janeiro de 2024

Crônicas sobre o trecho: o posfácio que ficou de fora

Um pouco mais de 70 crônicas dão corpo ao livro Amazônia: crônicas sobre o trecho, bulinações e alguns afetos, a ser lançado no mês que vem. Por conta de prazo, o posfácio assinado pelo educador Bispo do Rosário foi concluído somente após o envio do material para a gráfica. Contudo, compartilhamos as impressões do educador sobre a obra. O livro foi viabilizado a partir do Edital da Lei Paulo Gustavo. 



Os períodos são curtos. Urgentes, assim como a maioria dos parágrafos. Registros telegráficos, como se o escriba em fuga estivesse. Em suas errâncias (flanêur), Almeida manifesta o zelo pela arte da escuta e da observação. Andar só é uma preferência. Ele acredita que a opção favorece o deslocamento. Referências a feiras, botecos fuleiros e puteiros são recorrentes em sua escrevivência.   

Entre coisas vividas, vivenciadas e inventadas, o “vadio”, tal uma tia velha fuxiqueira, tece, uma aquarela dos vencidos em lonjuras (fronteiras) marcadas pela gula do capital, que a tudo fagocita, até o sorriso da tapuia após o coito matinal.  O recado consta em um poema.  

Nas geografias das errâncias, as estações do ano na Amazônia emergem ao queixar-se do sol inclemente, ou ao retratar as agruras dos tempos de cheia. O trecho é a questão que o inquieta, bem como os personagens que conferem forma, moldura e possível poesia e alma.  

No trecho, o filho chora, e a mãe não faz ideia dos aperreios. Garimpos, grandes obras de infraestrutura, empreendimentos agropecuários funcionam como uma espécie de imã de errantes.  Tais sujeitos migram em busca de dias menos doridos. As privações que a maioria experimenta é combustível de canções populares, muito bem sublinhadas em suas anotações. 

O trecho é bruto. Todavia, para além das agruras, como acredita uma filha de garimpeiros de Itaituba, a quem a obra é dedicada, é possível encontrar laços de solidariedade e amizades que perduram ao longo do tempo. Rogerio crê que as andanças representam uma faculdade sem parede. Em conversa sobre a origem da cria, ele explica após atividades laborais precárias, havia uma necessidade de fazer apontamentos sobre o que observara.  

A escrita é ligeira. Carrega a urgência de um condenado, onde o caolho pinça a trajetória de garimpeiros, donas de bar, bravas mulheres que o iluminam, a exemplo da genitora e o matriarcado em que foi criado. Em um capítulo, o bulinações, é puro devaneio de Dionisio.  Não só de escassez, violências, camaradagem e trairagem pulsa o trecho.   

 

Bispo do Rosário – educador

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