Ao longo de 40 anos o Pará registra 29 massacres, que envolveram 152 pessoas.
Família de Zé do Lago assassinada no 09 de janeiro. Fonte: redes sociais.
Um riomar de sangue transborda por
todos os quadrantes da História da “conquista” da Amazônia, onde o saque, a
pilhagem, as violências representam elementos estruturantes. Execuções,
assassinatos, chacinas constam por todo o território, a exemplo do recente caso
ocorrido no município de São Félix do Xingu, sudoeste do Pará, onde a família
do senhor José Gomes, “Zé do Lago” (61), a esposa Márcia Nunes Lisboa, (39) e a
filha de 17 anos, Joane Nunes Lisboa foram executados a tiros, no dia 09 de
janeiro. Até o momento os órgãos de segurança do estado não possuem
maiores informações sobre a motivação do crime.
Conforme a nota
expedida pelo Comissão Pastoral da Terra (CPT), a família dedicava-se ao
repovoamento de quelônios no rio Xingu há mais de duas décadas, em uma Área de
Preservação Ambiental, a APA Triunfo do Xingu, sob a responsabilidade do
Instituto de Terras do Pará (Iterpa), instituição do estado responsável pela
questão agrária e gestão do Instituto do Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio).
Trata-se de um
território carcomido por ações ilegais que perpassam pela exploração ilegal de
madeira, grilagem, garimpo e pecuária. Estima-se que pelo menos 40% do
território da APA já tenham sido detonados por tais atividades. A APA ocupa uma
área total de 1.679.280,52ha, localizada na
fronteira com os igualmente conflituosos municípios de Altamira e Anapu. Vale onde
a missionária e agente da CPT Dorothy Stang foi assassinada em
fevereiro de 2005. Uma execução precedida pelas mortes dos dirigentes sindicais
Ademir Federicci (Dema) e Bartolomeu Morais da Silva (Brasília).
Informações da mesma CPT advertem que o
município e toda a região do Xingu não fogem à regra de foco de tensões do que
ocorre por todo o Pará. No vale do Xingu madeireiros ilegais, garimpeiros,
grileiros protagonizam situações de tensões junto a camponeses, pescadores,
indígenas e extrativistas. Situações que têm desembocado em assassinatos,
chacinas e trabalho escravo.
MORTES SEM FIM - 62 trabalhadores
rurais foram assassinados em situações de conflito na luta pela terra no
município, e em nenhum caso ocorreu de algum réu ir a julgamento. 29 massacres
com o total de 152 vítimas transcorreram no Pará ao longo dos últimos 40 anos,
sinalizam dados da CPT. A maioria sob o manto da impunidade, o principal
indutor para a permanência de execuções e chacinas, bem como a parcialidade no
Judiciário na mediação das situações de conflito, e inquéritos e investigações
precários, quando os mesmos chegam a ser instaurados.
O episódio soma-se ao vasto inventário
de casos de assassinatos de mortes na Amazônia, onde o estado do Pará tem se
consagrado como líder absoluto em casos de situações de conflitos na luta pela
terra. Situações onde via de regra tombam camponeses e camponesas, defensores e
defensoras dos direitos humanos e do meio ambiente, e seus aliados, a exemplo
de advogados e religiosos.
Neste cenário de luta pela terra a
década de 1980 é considerada a mais letal. Tempos do apogeu da União
Democrática Ruralista (UDR), de uma pujante e desinibida pistolagem por todo o
Bico do Papagaio. Uma região que congrega o sudeste do Pará, o Norte do
Tocantins e o Oeste do Maranhão. Chacina da Fazenda Ubá, Chacina da
Fazenda Princesa, assassinatos na família Canuto, dos advogados Paulo Fonteles,
Gabriel Pimenta e João Batista, dos religiosos Padre Jósimo e da irmã Adelaide
Molinati constam como alguns dos casos do período. Sem falar na coerção pública
e privada, prisões arbitrárias, torturas, destruição de casas e roças.
SANGUE SEM CERCAS - A História da
“conquista” da fronteira é uma história de expropriação de suas populações
e assassinatos. Situações amalgamada por precárias investigações, processos morosos
e inconclusos no Judiciário – quando os mesmos chegam a ser instaurados -, este
celebre por sua parcialidade em situações de conflitos que envolvem grandes
corporações, grileiros de terras e fazendeiros e a sociodiversidade local da
região.
No início dos anos 2000, quando do
recrudescimento da violência no campo nas paragens do sudeste do Pará, O sindicalista José Pinheiro Lima,
conhecido como Dedezinho, a esposa Cleonice Campos Lima e o filho deles, Samuel
Campos Lima, de 15 anos foram assassinados dentro da própria casa, no distrito
de Morada Nova, em Marabá.
O
dirigente sindical estava em uma rede acometido por malária quando da execução.
O adolescente foi alvejado por tiro de escopeta pelas costas quando tentava
fugir da sanha dos petroleiros. Os fazendeiros acusados pela chacina, João Davi
de Melo e o ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Marabá, Evandro Marcolino Caixeta foram absolvidos pela acusação em julgamento ocorrido no ano de
2016.
Em
2011 o casal de extrativistas do município Nova Ipixuna, sudeste do estado, José
Cláudio e Maria do Espirito Santo, do Projeto Agroextrativista Praia Alta
Piranheira teve o mesmo desfecho, vítima de tocaia encomendada por grileiros de
terra. Em 2019 a dirigente do Movimento pelos Atingidos por Barragens (MAB) Dilma
Ferreira da Silva (45) foi assassinada no município de Baião. Na mesma chacina
tombaram ainda o esposo da dirigente, o senhor Claudionor Costa da Silva (43) e
um conhecido da família, o senhor Hilton Lopes (38).
São Félix do Xingu – a cidade do boi - O município de São
Félix do Xingu é notório por concentrar o maior rebanho de gado do estado, 2,5
milhões de cabeças. Dados organizados pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto
sinalizam que seriam 20 cabeças para cada um dos 140 mil habitantes da cidade.
Onde há gado, há grilagens de terras,
crime organizado, e um pulsante desmatamento. Em 2019 o município desmatou 10%
de seu território, o que equivale a 9,2 mil quilômetros quadrados, o que
representa um terço de tudo que foi derrubado em toda a Amazônia naquele ano,
analisa Pinto.
Por conta da alta presença da pecuária,
o município também lidera a emissão CO2 na atmosfera. O Vale do Xingu, que um
dia concentrou uma estonteante floresta do nobre mogno, foi palco de uma das maiores tentativas de grilagem de terra na Amazônia.
A ação foi protagonizada pelo paraense
que fez fortuna no estado do Paraná, (eh Paraná), durante a ditadura civil
militar com a construção de obras públicas, Cecílio de Rêgo Almeida, dono da
empresa C.R Almeida. Tanta era a grana que o sujeito chegou a integrar a lista da
Forbes. A tentativa de fraude envolvia uma área maior que o território do
estado da Paraíba. Na Justiça do estado do Pará, Lúcio Flávio Pinto, por denunciar
o crime foi condenado a pagar indenização ao grileiro, já falecido.
No
município de São Félix até o prefeito grila. Reportagem de Phillippe Watanabe publicada
pelo site UOL em dezembro do ano passado, alerta que o fazendeiro e prefeito da
cidade, João Cleber pelo PMDB – partido do cacique político Jader Barbalho -,
desmata a fazenda Bom Jardim desde pelo menos 2008. Uma área que faz parte de
uma Unidade de Conservação (UC), consequentemente, terra grilada. Iniciativas que por ironia, apesar de toda a
cadeia de ilegalidade, ainda conseguem acessar financiamentos públicos.
A
reportagem de Watanabe adverte que a fazenda, que também invade território
Kaiapó, coleciona multas e embargos no Ibama. A fazenda usada para a criação de
gado é um dos fornecedores do grupo JBS.
A Gestão das Unidades de Conservação
(UC) no estado e a Política Estadual de Manejo Florestal Comunitário e Familiar
(PEMFCF)
Em
2019, a contragosto do manifesto apresentado pelos funcionários do Ideflor-Bio, que desejavam um
colega de carreira, o governador nomeou a pedagoga Karla Bengtson. A educadora é nora do ex deputado federal e
pastor da Igreja Quadrangular, Josué Bengtson.
O líder religioso perdeu o mandato em 2018 por envolvimento na “máfia das
ambulâncias”. O filho, Marcos, é acusado de articular a morte do lavrador do
MST Valmeristo Soares. Valmeristo –
conhecido como Caribé.
Em sete de setembro de 2010 Marcos chegou a ser
preso por conta do crime ocorrido no dia quatro do mesmo mês em Santa Luzia do Pará.
Em 2014 Karla pleiteou sem sucesso uma cadeira no legislativo do estado. Na
Câmara Federal, apesar da cassação do patriarca, o filho, igualmente pastor,
Paulo, foi eleito e integra a Comissão de Ética.
Apesar
do ambiente político adverso, é justo contra este ambiente de indicadores de
desmatamento, exploração ilegal da madeira, concentração da terra, monocultivo homogeneizadores, uso de agrotóxicos
e violências que um conjunto de
organizações de vários campos defendem a institucionalização de uma Política
Estadual de Manejo Florestal Comunitário e Familiar (PEMFCF), onde os
diferentes sujeitos sociais historicamente marginalizados do estado possam ter
assegurado o direito de sua reprodução econômica, política, social e cultural a
partir de seus territórios, como legítimos guardadores da terra, da floresta e
dos rio. Faz mais de uma década que um conjunto de sujeitos deseja a efetivação
da PEMFCF. Tentativa amiúde boicotada
pelo Ideflor.
63%
das florestas públicas do Pará encontram-se em territórios de comunidades
tradicionais. A área equivale aproximadamente a 1,2 milhões de hectares, sob
domínio de indígenas, extrativistas, remanescentes de quilombos, quebradeiras
de coco babaçu, camponeses, e outras diversidades sociais, esclarece a minuta
do documento da PEMFCF. Este é um dos principais argumentos de defesa da
política, bem como os péssimos indicadores de desmatamento e violência contra
as populações.
Com
relação à proposta da PEMFCF no âmbito do Pará, informações do site do Instituto
de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), esclarecem que
a proposta da política emerge como um instrumento de regulamentação dos
preceitos do artigo 3 da lei estadual 6.462, de 4 de julho de 2002, a qual
estabelece a Política Estadual de Florestas no Pará.
Nos incisos XVI e XVIII do artigo terceiro, a lei prevê que deve ser estimulada
“a implantação de formas associativas na exploração florestal e no
aproveitamento de recursos naturais da flora” e ordenadas “as atividades de
manejo florestal, criando mecanismos de exploração autossustentada dos recursos
florestais”. O Ideflor-Bio é a autarquia responsável na condução do processo da
PEMFCF.
Neste
sentido a proposta para a política propõe o fortalecimento das cadeias
produtivas; a regularização fundiária e ambiental para o manejo florestal
comunitário e familiar; o desenvolvimento científico e tecnológico que respeite
os conhecimentos tradicionais; e a proteção das comunidades e famílias nas
relações comerciais.
Saiba mais sobre PEMFCF na série de reportagens publicada no Brasil de Fato/RS AQUI.
Caetano, em sua poética, por conta da permanência de elementos das formas de acumulação dos passos iniciais do capitalismo nas terras do Pará, assim reflete:
Quem matou meu amor tem que pagar/
E ainda mais quem mandou matar/O império da lei há de
chegar no coração no Pará.
Interroga-se: quando?
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