Jacó do Bandolim, Pixinguinha, Ernesto Nazaré desfilam na Casa do Gilson, um reduto do choro, que vez em quando concede uma canja ao samba de raiz. O espaço soma 24 anos de vida na cidade de Belém. Fica num bairro popular chamado Condor. Como outros bairros da capital do Pará, padece com as chuvas intensas.
Noite de sexta. O músico Yuri Guedelha articulou uns pares para celebrar, antecipadamente, o dia nacional dedicado ao gênero. Jovens mais experientes é a maioria do público. Ao contrário do sábado, onde as tardes são dedicadas ao samba de raiz, há espaço até para riscar um salão cimentado.
Não há conforto. Ventiladores tentam amenizar o calor. A música de primeira é o cartão postal do logradouro. Ali músicos e simpatizantes comungam na sexta ou aos domingos o instrumental do Gilson. No escrete três violões sete cordas, um bandolim, cavaquinho, pandeiro e surdo se espremem num palco modesto.
Além de músico, Gilson é artista plástico. Na entrada do espaço quadros do dono da casa ficam expostos e podem ser adquiridos. O ambiente é familiar. Quase nunca ocorre confusão. É comum a visita de políticos do campo democrático. Em particular em ano de eleição.
Tem gente que é habitué do lugar desde a fundação, quando tudo ainda era cercado de madeira. Os antigos frequentadores e músicos que já executaram a passagem estão celebrados em bonecos de papel, numa galeria póstuma suspensa. Não raro músicos de outras latitudes quando baixam em Belém visitam a casa.
Tudo parece antigo. Até o garçom João. Um senhor baixinho de óculos. Um jeitão bem folgado. Faz graça com os frequentadores mais antigos. Tira as damas para dançar. Toma cerveja. E coisa e tal. A música segue entrecortada por causos e poemas. Um sarau. Guedelha anuncia as canções, os convidados e homenageados.
Catiá é um deles. É um senhor ranzinza. É baixinho. Encurvado pelo tempo, mas não usa óculos, assim como Geraldão. Ambos executam com maestria o sete cordas. Eles são os homenageados. Somadas as idades dos dois, mais de século e meio. Catiá sempre anda de calça e camisa de botão. Geraldão é do tipo desleixado, bermuda e qualquer camisa o acodem.
No palco do Gilson muitas gerações. Tem Marcelo, um jovem magro que manda bem em tudo que tem corda. Paulo Moura é mais antigo e domina o sete cordas, e tem outros jovens que não memorizei o nome. A flautista do grupo Charme do Choro tem cabelos pintados de vermelho. Outros jovens mais antigos cabelos caiados de branco. A música segue. Como segue a vida, a nau, a dor. A música segue. Por motivo de saúde Tereza não veio.
Um casal ataca na dança. Ele é baixinho e roliço. Parece mais velho que ela. Uma moça renascentista de uns quarenta e poucos. Tem um riso generoso. Mais alta que ele. Lembra uma matriarca italiana. É bem redonda. Uma fofura. Aos moldes da minha simpatia.
Um casal menos antigo invade a arena. Gente de academia. Executa passos milimetricamente ensaiados. Acho sem graça. Mas, todos parecem apreciar o desempenho, quase olímpico. A música segue. A noite se adianta. Eu também. E sigo. Com a pororoca de minhas dores, que não vale um lamento.
0 comentários:
Postar um comentário