Resistir é o primeiro passo- 30 anos do boletim Resistência
“Resistir é o primeiro passo”, sob tal palavra de ordem circulou em Belém, capital do Pará, o Jornal Resistência. A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) serviu-lhe de ventre para que o mesmo viesse ao mundo num sombrio 1978. A SDDH somava apenas um ano de vida.
Na vizinhança latina a esquadra Argentina levantava o troféu de campeã de futebol do Mundo. Cinco anos antes Allende era assassinado no Chile e Pinochet chefiava a ditadura no país. No Brasil respirava-se o ocaso do milagre econômico. Uma tal de integração da Amazônia ao resto do país regia a vida na taba. Com a proteção do guarda chuva do Estado o capital adentrou na selva sem quase nenhum desconforto.
Varadouro, publicação acreana, rivaliza com o Resistência em importância na seara de jornalismo alternativo na Amazônia. O boletim acreano foi o canal de comunicação dos seringueiros contra a jagunçada dos fazendeiros. O Vara, como o trata o seu editor da época, Elson Martins, circulou entre 1977 a 1981.
No artigo de Paulo Roberto, que colaborou no jornal, encontram-se o registro das crises econômicas e políticas, os sujeitos que deram vida ao boletim, o debate sobre a pauta e elementos que resultaram no fim da publicação. A perseguição da Polícia Federal e as iniciativas coletivas de manutenção do jornal. Na obra de Bernardo Kucinski, Jornalistas e Revolucionários (1991), também há inflexões sobre o alternativo.
O boletim se constitui como um marco da comunicação considerada alternativa no Pará e circulou de forma regular entre 1978 a 1983. Como os pares enquadrados como alternativo ou popular não gozava de saúde financeira. No contexto histórico em que surgiu foi um aglutinador das forças populares que se reorganizavam em um mosaico de possibilidades: partidos políticos, movimentos sociais, ONG’s, sindicatos e segmentos da Igreja Católica inspirados da Teologia da Libertação.
Ferreira lembra que a primeira edição do boletim foi impressa na gráfica da Escola Salesiana do Trabalho. Paulo Rocha, deputado federal a vários mandatos no Pará pelo PT, era então o chefe da gráfica. Passadas três décadas o editor do Resistência, o advogado Luiz Maklouf Carvalho é hoje reconhecido e premiado jornalista no sul maravilha. Em 2006 foi o terceiro lugar no Prêmio Jabuti com o livro reportagem, “Já vi este filme”, que aborda deslizes éticos da trajetória do presidente Lula e do PT.
O Resistência configura-se na história recente da sociedade paraense como importante registro do avanço do capital sobre a fronteira da Amazônia. O jornal é uma fonte inestimável sobre o abuso do poder econômico e político, que engendrou no Pará, tendo o Estado como indutor, mazelas como o massacre de camponeses, destruição da floresta, grilagens de terras, hipertrofia do poder político e econômico de um segmento da sociedade. Além do Resistência no Pará, merecem registro na área de impressos os boletins Lamparina, produzido em Santarém, oeste do Estado e o Grito da PA-150, editado na região Marabá, a sudeste.
Nele também podem ser encontrados inúmeros momentos de organização dos trabalhadores do campo e da cidade, mobilizações contrárias aos grandes projetos, como o Grande Carajás. E na cena urbana de Belém a luta meia passagem. Em uma das capas enfoca o Tribunal da Terra, realizado em 1986, uma forma simbólica de pressionar o Estado contra as mortes de dirigentes sindicais do campo. Não são raros questionamentos sobre o cenário político, que aborda atuações de Alacid Nunes e Aloysio Chaves e mesmo apoio ao candidato a governo Jader Barbalho.
O escrete do Resistência, segundo Ferreira, tinha João Marques, o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará, foi um dos fundadores do Resistência. E na condição também de advogado, defendia as lideranças comunitárias que lutavam pelo direito de morar na periferia de Belém. Raimundo José Pinto, Paulo Roberto Ferreira, Nélio Palheta, Sérgio Palmquist, João Vital, Agenor Garcia, Rosaly Brito, Regina Lima, Ana Célia Pinheiro, José Rangel, Sérgio Bastos e Pedro Estevam da Rocha Pomar (que usava o codinome Marcos Soares), entre outros jornalistas que atuavam na grande imprensa, escreviam regularmente ou colaboravam eventualmente com o jornal. Em São Luís, o correspondente era Walter Rodrigues. Em São Paulo, Benedito Carvalho. Lúcio Flávio Pinto escrevia artigos especiais. Outros nomes povoam a vida do Resistência, como o do jornalista Raimundo Jinkings, o fotógrafo Miguel Chikaoka, o do cineasta Januário Guedes, Humberto Cunha, Hecilda Cunha, Daniel Veiga e Paulo Fonteles, entre tantos. .
Além da periferia de Belém o boletim circulava na Transamazônica graças ao empenho da missionária assassinada em 2005, Doroth Stang. No sudeste do Pará o casal Ademir e Beta Martins animavam a distribuição do boletim na região de Marabá.
Desde que deixou de circular devido a questões que passam por divergência política, crise financeira, - que sempre norteou tal modalidade de iniciativa, - as organizações consideradas do campo democrático não conseguiram construir um veículo de comunicação que aglutine as demandas específicas de cada uma.
Nos derradeiros anos o jornal foi publicado em caráter comemorativo pela passagem de 25 anos e depois pelas três décadas de existência da SDDH. Em 2008, novamente ele volta a circular. Desta vez, animado pela realização do Fórum Social Mundial (FSM), que ocorre em 2009, entre os dias 27 de janeiro a 01 de fevereiro, e tem Belém como sede mundial da pluralidade de debates sobre alternativas de desenvolvimento da sociedade contrárias à lógica do neoliberalismo.
O desejo da SDDH é o que o mesmo volte a circular de forma regular. Mas, isso ainda vai depender de debates internos, o primeiro já foi realizado no dia 26 e sinalizou para uma a construção de um plano de comunicação. Os méritos da publicação em defesa dos marginalizados da sociedade lhe rendeu por quatro vezes o prêmio nacional de defesa dos direitos humanos Wladimir Herzog.
0 comentários:
Postar um comentário