quinta-feira, 16 de outubro de 2025

ASSASSINATOS NA FAZENDA MUTAMBA COMPLETAM UM ANO SEM RESPONSABILIZAÇÃO DOS CULPADOS

 O caso da Fazenda Mutamba envolve suspeita de apropriação de terras públicas, trabalho escravo e violências contra os sem terra 

No dia 11 de outubro de 2024, Adão Rodrigues de Sousa, 53 anos, casado, pai de 05 filhos e, Edson Silva e Silva, foram assassinados, por policiais civis da Delegacia de Conflitos Agrários (DECA) de Marabá, chefiados pelo então delegado, Antônio Mororó. Os policiais chegaram ao local onde ocorreram os crimes, por volta das quatro horas da manhã. Cerca de 18 trabalhadores se encontravam dormindo em redes em um barracão coletivo. Dois deles já estavam acordados preparando um café quando foram surpreendidos com os gritos dos policiais “perdeu, perdeu”, seguido de rajadas de tiros. No desespero e na escuridão cada um tentou se escapar como pôde dos tiros. O resultado foram dois mortos, vários feridos à bala e quatro presos.

Os quatro presos, em depoimento prestado perante o Ministério Público, confirmaram que os trabalhadores rurais foram surpreendidos pelos policiais que já chegaram atirando. Acordados com rajadas de tiros naquela hora da madrugada e na escuridão, não houve qualquer chance de se defenderem mesmo que tivessem um arsenal de armas. Só deu tempo de correr para escapar da morte. Ainda em depoimento, contaram que os policiais atiraram com as espingardas encontradas nos barracos para incriminar os trabalhadores mortos ou presos.

A alegação do delegado Mororó de que se tratava de uma operação para cumprir mandados de prisão e de buscas era apenas um pretexto para cometer os crimes. O discurso do delegado era que se tratava de uma organização criminosa fortemente armada, envolvida em venda ilegal de madeira, roubo de gado, entre outros crimes. O resultado da operação que envolveu dezenas de policiais, várias viaturas, dois helicópteros, foi a apreensão apenas de 7 espingardas cartucheiras e algumas munições. Nenhuma arma pesada, nenhum motosserra, nenhum caminhão de madeira, nenhum gado roubado, nada mais!

 A operação criminosa chefiada pelo então delegado Mororó teve o mesmo modus operandi de uma outra ocorrida na fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, em 2017. Ali, sob o pretexto de cumprir mandados de prisão e de buscas contra supostos criminosos, as polícias civil e militar assassinaram 10 trabalhadores no que ficou conhecido como o Massacre de Pau D’Arco.

Denunciado pelos movimentos sociais e entidades de direitos humanos por sua atuação perante à DECA de Marabá, a decisão da Secretaria de Segurança Pública do Estado foi tão somente a promoção na carreira de Mororó. Inicialmente ele foi promovido a responsável pela Seccional Urbana de Marabá e, no dia 15/09/2025, foi promovido a Superintendente Regional do Sudeste do Pará. Os crimes compensaram!

Mas o delegado Mororó não se contentou apenas com esse posto. Ele exigiu também manter o controle da DECA de Marabá. Com a saída dele dessa especializada, assumiu como titular o delegado Vannir que estava fazendo um trabalho sério e respeitoso, atuando com independência, tanto em relação aos fazendeiros quanto aos movimentos sociais. Tinha grande capacidade de diálogo e mediação, evitando o agravamento dos conflitos. Por essa razão, não agradava aos fazendeiros e a Mororó os quais o acusavam de muita tolerância com as ações dos movimentos sociais de luta pela terra. Em meados de julho, Vannir foi afastado do comando da delegacia por pressão de fazendeiros da região, articulados com Antônio Mororó. A alegação do grupo foi que Vannir se negava a cumprir determinações de interesse dos pecuaristas. Não teve qualquer denúncia de ilegalidades ou desvios de conduta praticados pelo delegado. A razão foi exclusivamente política.

O delegado Mororó não esconde para ninguém as suas relações viscerais com os latifundiários da região. Qualquer chamado desse grupo ele está pronto a atender. Por outro lado, quando se trata de apurar os assassinatos de trabalhadores rurais não tem o mesmo interesse. Conforme dados da CPT, nos últimos 10 anos, 15 assassinatos ocorridos na área de atribuição da DECA de Marabá, as autorias das mortes não foram esclarecidas. Embora criada com a atribuição de investigar os crimes no campo, quando ocorre um homicídio de trabalhadores os casos são encaminhados para outras delegacias. Para dificultar o monitoramento das organizações dos trabalhadores, é decretado segredo de justiça nas investigações. Assim, tem casos com mais de cinco anos sem inquérito concluído. A última chacina, ocorrida em 25/07/2025, na região do Assentamento Coco II, no município de Itupiranga, é um exemplo. Três trabalhadores acampados foram emboscados por uma milicia armada. Foram torturados, assassinados e seus corpos queimados dentro do carro que trafegavam. As investigações, a cargo da delegacia de homicídios de Marabá, não foram concluídas e ninguém foi responsabilizado pelas mortes. Na verdade, a Delegacia de Conflitos Agrários se transformou em delegacia de proteção ao latifúndio.

Por outro lado, as famílias que ocupam a fazenda Mutamba há vários anos, vivem sob a ameaça de despejo. Em 2024, não foram despejadas porque o então juiz da Vara Agrária, Amarildo Mazutti, autorizou o despejo sem que o processo fosse encaminhado para a Comissão de Soluções Fundiárias, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Em julgamento de recurso, o Ministro Cristiano Zanin determinou a suspensão do despejo. Nova data para o despejo foi marcada para o último dia 06 pelo juiz Jessiney que substitui Amarildo. Novamente não foram atendidas as recomendações da Comissão, razão pela qual, o mesmo Ministro determinou nova suspensão a pedido da Defensoria Pública. A esperança das famílias é que o INCRA possa promover a desapropriação da fazenda e encaminhar o assentamento das famílias.

A fazenda Mutamba, de propriedade da família Mutran, se assenta sobre um antigo castanhal que foi desmatado criminosamente para formação de pastagem. Há ainda suspeita de terra pública em parte do complexo. Já foi flagrada com trabalho escravo no início dos anos 2000 e, atualmente, é ocupada por mais de 200 famílias ligadas ao MST.

Por fim, a pergunta principal é? O assassinato dos dois trabalhadores na fazenda Mutamba, as tentativas de homicídios e as torturas vão ficar impunes? A julgar por outra chacina ocorrida em São Félix do Xingú, em 2020, onde o ambientalista Zé do Lago, sua esposa e filha foram assassinados, até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes, o resultado pode ser o mesmo: A impunidade!

Marabá, 11 de outubro de 2025.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares – FETAGRI.

Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar – FETRAF.

Comissão Pastoral da Terra – CPT. Instituto José Cláudio e Maria – IZM.

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH.

Coletivo Veredas.

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