O caso da Fazenda Mutamba envolve suspeita de apropriação de terras públicas, trabalho escravo e violências contra os sem terra
No dia 11 de outubro de 2024, Adão
Rodrigues de Sousa, 53 anos, casado, pai de 05 filhos e, Edson Silva e
Silva, foram assassinados, por policiais civis da Delegacia de Conflitos
Agrários (DECA) de Marabá, chefiados pelo então delegado, Antônio Mororó. Os
policiais chegaram ao local onde ocorreram os crimes, por volta das quatro
horas da manhã. Cerca de 18 trabalhadores se encontravam dormindo em redes em
um barracão coletivo. Dois deles já estavam acordados preparando um café quando
foram surpreendidos com os gritos dos policiais “perdeu, perdeu”,
seguido de rajadas de tiros. No desespero e na escuridão cada um tentou se
escapar como pôde dos tiros. O resultado foram dois mortos, vários feridos à
bala e quatro presos.
Os quatro presos, em depoimento
prestado perante o Ministério Público, confirmaram que os trabalhadores rurais
foram surpreendidos pelos policiais que já chegaram atirando. Acordados com
rajadas de tiros naquela hora da madrugada e na escuridão, não houve qualquer
chance de se defenderem mesmo que tivessem um arsenal de armas. Só deu tempo de
correr para escapar da morte. Ainda em depoimento, contaram que os policiais
atiraram com as espingardas encontradas nos barracos para incriminar os
trabalhadores mortos ou presos.
A alegação do delegado Mororó de
que se tratava de uma operação para cumprir mandados de prisão e de buscas era
apenas um pretexto para cometer os crimes. O discurso do delegado era que se
tratava de uma organização criminosa fortemente armada, envolvida em venda
ilegal de madeira, roubo de gado, entre outros crimes. O resultado da operação
que envolveu dezenas de policiais, várias viaturas, dois helicópteros, foi a
apreensão apenas de 7 espingardas cartucheiras e algumas munições. Nenhuma arma
pesada, nenhum motosserra, nenhum caminhão de madeira, nenhum gado roubado,
nada mais!
A operação criminosa chefiada pelo então
delegado Mororó teve o mesmo modus operandi de uma outra ocorrida na
fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, em 2017. Ali, sob o pretexto
de cumprir mandados de prisão e de buscas contra supostos criminosos, as
polícias civil e militar assassinaram 10 trabalhadores no que ficou conhecido como
o Massacre de Pau D’Arco.
Denunciado pelos movimentos
sociais e entidades de direitos humanos por sua atuação perante à DECA de
Marabá, a decisão da Secretaria de Segurança Pública do Estado foi tão somente
a promoção na carreira de Mororó. Inicialmente ele foi promovido a responsável
pela Seccional Urbana de Marabá e, no dia 15/09/2025, foi promovido a
Superintendente Regional do Sudeste do Pará. Os crimes compensaram!
Mas o delegado Mororó não se
contentou apenas com esse posto. Ele exigiu também manter o controle da DECA de
Marabá. Com a saída dele dessa especializada, assumiu como titular o delegado
Vannir que estava fazendo um trabalho sério e respeitoso, atuando com
independência, tanto em relação aos fazendeiros quanto aos movimentos sociais.
Tinha grande capacidade de diálogo e mediação, evitando o agravamento dos
conflitos. Por essa razão, não agradava aos fazendeiros e a Mororó os quais o
acusavam de muita tolerância com as ações dos movimentos sociais de luta pela
terra. Em meados de julho, Vannir foi afastado do comando da delegacia por
pressão de fazendeiros da região, articulados com Antônio Mororó. A alegação do
grupo foi que Vannir se negava a cumprir determinações de interesse dos
pecuaristas. Não teve qualquer denúncia de ilegalidades ou desvios de conduta
praticados pelo delegado. A razão foi exclusivamente política.
O delegado Mororó não esconde
para ninguém as suas relações viscerais com os latifundiários da região.
Qualquer chamado desse grupo ele está pronto a atender. Por outro lado, quando
se trata de apurar os assassinatos de trabalhadores rurais não tem o mesmo
interesse. Conforme dados da CPT, nos últimos 10 anos, 15 assassinatos
ocorridos na área de atribuição da DECA de Marabá, as autorias das mortes não
foram esclarecidas. Embora criada com a atribuição de investigar os crimes no
campo, quando ocorre um homicídio de trabalhadores os casos são encaminhados
para outras delegacias. Para dificultar o monitoramento das organizações dos
trabalhadores, é decretado segredo de justiça nas investigações. Assim, tem
casos com mais de cinco anos sem inquérito concluído. A última chacina,
ocorrida em 25/07/2025, na região do Assentamento Coco II, no município de
Itupiranga, é um exemplo. Três trabalhadores acampados foram emboscados por uma
milicia armada. Foram torturados, assassinados e seus corpos queimados dentro do
carro que trafegavam. As investigações, a cargo da delegacia de homicídios de
Marabá, não foram concluídas e ninguém foi responsabilizado pelas mortes. Na
verdade, a Delegacia de Conflitos Agrários se transformou em delegacia de
proteção ao latifúndio.
Por outro lado, as famílias que
ocupam a fazenda Mutamba há vários anos, vivem sob a ameaça de despejo. Em
2024, não foram despejadas porque o então juiz da Vara Agrária, Amarildo
Mazutti, autorizou o despejo sem que o processo fosse encaminhado para a Comissão
de Soluções Fundiárias, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal
(STF). Em julgamento de recurso, o Ministro Cristiano Zanin determinou a
suspensão do despejo. Nova data para o despejo foi marcada para o último dia 06
pelo juiz Jessiney que substitui Amarildo. Novamente não foram atendidas as
recomendações da Comissão, razão pela qual, o mesmo Ministro determinou nova
suspensão a pedido da Defensoria Pública. A esperança das famílias é que o
INCRA possa promover a desapropriação da fazenda e encaminhar o assentamento
das famílias.
A fazenda Mutamba, de propriedade
da família Mutran, se assenta sobre um antigo castanhal que foi desmatado
criminosamente para formação de pastagem. Há ainda suspeita de terra pública em
parte do complexo. Já foi flagrada com trabalho escravo no início dos anos 2000
e, atualmente, é ocupada por mais de 200 famílias ligadas ao MST.
Por fim, a pergunta principal é?
O assassinato dos dois trabalhadores na fazenda Mutamba, as tentativas de
homicídios e as torturas vão ficar impunes? A julgar por outra chacina ocorrida
em São Félix do Xingú, em 2020, onde o ambientalista Zé do Lago, sua esposa e
filha foram assassinados, até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes, o
resultado pode ser o mesmo: A impunidade!
Marabá, 11 de outubro de 2025.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Federação dos
Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares – FETAGRI.
Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar – FETRAF.
Comissão Pastoral da Terra – CPT. Instituto José Cláudio e Maria – IZM.
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH.
Coletivo Veredas.






0 comentários:
Postar um comentário