quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Caso Dezinho: 22 anos após morte do sindicalista em Rondon do Pará, intermediário é condenado a 16 anos de prisão

Rogério Dias intermediário da morte de Dezinho foi condenado a 16 anos de prisão. Dias é  irmão do pistoleiro Wellington, foragido de Justiça, junto com Igosmar, primo e também mediador da execução do sindicalista. 


Cartaz produzido quando do assassinato de Dezinho/Arquivo da CPT de Marabá/PA

Morosidade, negligência em investigação, quando não conivência com os acusados são elementos que integram o contexto sobre os assassinatos contra os defensores da reforma agrária, meio ambiente e direitos humanos na Amazônia. Uma permanência constitutiva nos projetos de desenvolvimento impostos à região.

Assim, no mesmo dia da condenação Rogério de Oliveira Dias a 16 anos de prisão, em Belém, no dia 13, por ter intermediado a execução do sindicalista José Dutra Costa, o Dezinho, morto em novembro de 2000, no Bico do Papagaio (fronteira do Maranhão, Tocantins e Pará) o militante do MST, Raimundo Nonato Silva Oliveira era assassinado. Rogério estava foragido, e foi preso em 2020.

Como no caso de Dezinho, o ativista do MST foi morto em casa.  O Bico do Papagaio é a região considerada a mais letal na luta pela terra no País. A certeza da impunidade incentiva a continuidade das mortes.

A morte de Dezinho poderia ter sido evitada. Assim tantas outras.  O nome do sindicalista constava em uma lista de ameaçados de morte por grileiros, madeireiros e pecuaristas da região. As autoridades tinham conhecimento do fato. Nada fizeram para evitar.  Os crimes sucederam, chacinas e execuções. A exemplo da morte do casal de extrativistas na cidade de Nova Ipixuna, nas proximidades de Marabá, José Cláudio e Maria, em 2011, e a chacina de Pau D´arco, em 2017, e em seguida o assassinato da principal testemunha do caso, Fernando Araújo, em 2021.

Maria Joel assumiu a bandeira do marido Dezinho. E desde sempre anda com escolta policial por conta das constantes ameaças de morte.  Por ocasião do lançamento do livro Luta pela terra na Amazônia: mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra!, em julho, na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), em Marabá, sudeste do Pará, dois PMs a acompanhavam a sindicalista. Dona Joel assina junto com a filha Joélima um relato sobre Dezinho.  A obra é de acesso livre.  Acesse AQUI

Caso Dezinho

O sindicalista foi assassinado na porta de casa no município de Rondon do Pará, sudeste do estado no dia 21 de novembro de 2000. 2 mil reais era o valor estipulado para missão conferida ao pistoleiro Wellington, então com 19 anos, vindo da Bahia por encomenda do consórcio de fazendeiros organizado na cidade. A mobilização em consórcio para diluir custos e responsabilidades, e a estratégia em orquestrar inúmeros mediadores é recurso em dificultar as investigações policiais sobre a cadeia criminosa que mata os defensores da reforma agrária, meio ambiente e direitos humanos.

No caso do Dezinho, além de Rogério e o irmão Wellington, que disparou três vezes contra o sindicalista, foi preso por populares logo após o evento por conta de Dutra, ainda que baleado, ter brigado com o pistoleiro, que caiu em um buraco.  Consta ainda na cadeia do baixo clero do crime Igosmar, primo dos citados acima, e o capataz de fazenda Domício Souza Neto, absolvido em 2013.  Wellington e Igosmar estão foragidos da Justiça.

Os fazendeiros Lourival de Souza Costa ao lado Décio José Barroso Nunes são acusados de mando do crime contra Dezinho. O primeiro foi absolvido em 2013, já o segundo foi condenado a 12 anos de prisão em 2019. Todavia, responde em liberdade.   Delsão, como é notabilizado o fazendeiro e madeireiro Barroso é conhecido como o mais violento na cidade de Rondon. Sobre ele pesam outras acusações de morte.

Operaram na acusação contra o intermediário Rogério pelo Ministério Público do Pará, o promotor Edson Augusto Souza, auxiliado pelos advogados Marco Polo, da Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos do Pará (SDDH), José Batista Afonso, Comissão Pastoral da Terra (CPT), de Marabá e Rogério Silva. O júri foi presidido pela juíza Sarah Rodrigues, que proferiu a sentença por volta das 16h.

 

Veja o documentário sobre Dezinho produzido pelo cineasta e professor Evandro Medeiros AQUI

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Poemas de Barricada, livro do filosofo Charles Trocate comemora duas décadas de existência

 

Charles Trocate. Foto:Evandro Medeiros. 

Tinha, à época da sua publicação, em 2002, 25 anos. Hoje situo-me às vésperas dos 45 e ele se confronta com duas décadas de aparição com vigor estelar e chance comovente desde 1993, quando aos 16 anos a adolescência que vivia enganava a drible a escassez e encontrava na literatura alguma duração!

 

Certo é que não cheguei a esta inclinação por mero acaso: alfabetizado pela minha irmã Elizabete, cuja grandeza da forma se iguala a de muitos pensadores da educação, e tendo obtido a atinência das coisas afáveis pela curiosidade – gostei da musicalidade da literatura de cordel chegada ao sudeste paraense pelos nômades sertanejos, ora camponeses, ora gente garimpeira  que se metiam a região com seus corpos e lucidez atravessados de enganos e devorados pela maledicência do poder. Recordo do ato contínuo de ler, ou melhor, de ler cantando (à luz de lamparina na pequena sala do casebre), exigência que cumprimos sem enfado algum aos muitos que se juntavam a esta liturgia apropriada de arrepio. Depois veio a amizade do menino com o adulto, eu com minha caixa de engraxate de sapatos e ele filósofo de raciocínios fascinantes e muitos palavrões! Fora os palavrões essa influência implacável me levou a arte das ideias e nada perjuro se ando duplicado por elas!

 

Há uma sequência de experimentos que me fazem ser alcançado pela escola literária em que o MST se transformou na minha vida há 30 anos, quando tinha 15 e nossa família entrou nas fileiras da luta pela terra — era 1992. Fui requeiro de garimpo, vendedor de verduras e picolé, tirador de areia, engraxate, marceneiro, cobrador de ônibus e vendedor de revistas e discos usados, antes e depois da pequena "Vila do Rio Verde" se transformar na cidade de Parauapebas, pelo plebiscito  que separaria várias cidadelas existentes do município de  Marabá em maio de 1988.

 

Fui à escola pela única vez em 1986. A Escola  Carlos Drummond de Andrade e dele nada soube até sermos irmãos em letras e desperdício de imaginação pelas transgressões de um país caduco. Como em Itabira, cidade natal de Drummond, Parauapebas serpenteia a muitos vagões e logo se transformará em mera "fotografia de parede" pela rolagem incontrolável, se não contida, do capital!

 

Daqueles dias a lembrança que emociona é a do primeiro tênis que calcei na vida, comprado para ir à escola no dia seguinte. O tênis verde se uniria a inúmeras  euforias, a de calçá-lo e a de ir à escola da rotina logo interrompida.  Aquele  "repente agalopado" não cabia nos meus espantos de miserável! Outras duas mulheres marcariam novamente minha vida naquela pequena incursão escolar: a professora Ana Guida e a diretora Eunice Moreira. Olhando pelo que desatina é como se tivesse ouvido delas pela inquietação o verso de Drummond: vai, Charles, ser guache na vida.” E fui desatando nó e calçando outros sapatos!

 

1992 e 1993 foram anos em que vivi literalmente com um short e uma camisa. Levava ainda a fronha de travesseiro cinza, florada, bolsa que recebi da minha mãe quando fui ao curso de formação de militantes. A mim, tudo se transformou, tenho até hoje na memória os livros que li e que fizeram minha cabeça, aquela biblioteca enorme e aquele método pedagógico para ensinar teoria politica a pessoas que malmente sabiam ler e escrever, o esforço para criar o hábito da leitura, o gosto pela descoberta. 1993 é o ano que não acaba em minha vida. É nele que tomo as decisões que, com zelo e coerência, são regências até os dias de hoje: a de ser poeta, sim, foi decisão depois de ler muitos outros (entre os de primeira ordem, o Russo Vladimir Maiakovski, Pablo Neruda, Chileno e o Uruguaio Mario Benedetti) e a de tomar a militância política como profissão de fé” para ser gente como desejava a Lurdes, minha mãe que adorava a inteligência dos meninos do MST” e decidira tornar-me um deles!

 

O que escrevi naqueles idos, refletindo leituras e aconselhamentos nas bifurcações entre a arte e a política — para mim já eram compressivas as anotações  de Sartre no seu livro "O que é literatura”, do seu esforço de contrabalancear a ordem regida da literatura canônica. O engajamento (ou a condição do escritor numa sociedade de classes), que descobri, pressupõe não só escrever, mais o que escrever, sem demagogia, ao passo que também significa lutar dentro das atribuições da escrita e da literatura. Como diria Bakhtin: a palavra que circunda os falantes, valor de troca, produto social!

 

De lá para cá escrevi muitas outras vezes e me intrometi sem apego rotulante a enxergar pela poesia o palmo diante do nariz. E guiando-me por entre frestas e resinas, associar a estética da fronteira que o poeta Ademir Braz cativou em sua obra maiúscula. A fronteira não como linha retilínea ou endereço citadino mais como farol do que fazer em fogo cruzado. Pela mesma densidade da formulação, sem a ultrajante forma dominante, obter a lírica do mapa em ferrugem e cheio de estrondos fatídicos.

 

Nunca fui desleal com as influências que recebi nessa trajetória e as mantenho de pé. Os meus camaradas do tempo presente continuam e são os que escolhi quando ouço vozes da labuta — hoje ou amanhã — para seguir dispensando o furgão oficial que ao medíocre convoca sua prece. Quem se alheia ao seu tempo não se importa com tempo algum e este tem sido o terreno em que perturbo a palavra, em seu aspecto mais íntimo!

 

Andam comigo, valsando este mundo em bem querer de uma legião de gentes, vítimas da exceção e da beligerância, suprimidos da língua e da linguagem, absolutizados pela pobreza, onde a fronteira liberalizante e tecnificada produz a rotina das línguas mortas. A mim, são os elos da primazia — a poesia é antes de tudo tenaz possibilidade —, recordo a esta altura o que decidi escrever. Sim, a decisão que nos últimos vinte anos, e antes deles, atormenta o ser e o trabalho na literatura. E dirigi-la aos viventes na ausência recorrente da inteligência coletiva se avulta nos que ainda podem enxergar os morcegos no barro do tempo e sentir o frio auspicioso da viagem, ressentidos apenas da intolerância!

 

Para isto me servi da filosofia e suas atribuições, porque é demasiado redundante o fardo de apascentar o verbo e resolver o mundo do outro sem o outro por qualquer adulação da política ou caricatura da estética. Não sei se estou longe ou se estou perto da deflagração do que significa ser escritor, no entanto, do que fiz até aqui impõem-se certas lições e cuidados analíticos. E no mesmo compasso permito-me a alegria de que este feito mereça festas no coração (com todas as reticências possíveis), porque escrever virou tensão a me absorver por inteiro tanto na  candura do intempestivo como no estilo da vida que não cabe comodismo e fé cega nas atribuições do indivíduo sistêmico, o que em definitivo ignoro.

 

Nem sei o que seria sem esse encontro, no tempo certo, com escritura da palavra tal como compreendo seu fato e a língua em seus fenômenos plurilinguísticos, desde a semântica  institucional, o prestígio ou a demasia popular, por assim dizer. Em ambos os casos somos criadores de léxicos que se limitam ou se expandem entre o lá e cá da realidade. Ou noutra, sujeita a interlocução nas formas de comunicação as vezes francas, autônomas e/ou relativizando costumes, que encarnam impasses das demandas mais amplas da sociedade.

 


Em nosso caso particular,  tanto na fala para dentro como na fala para fora, encontra-se restrita e verbalmente chula impeditiva de novas imaginações, por nomear objetos supérfluos se põe supérflua também, duplamente sentida na facistização da linguagem e na barbárie estrutural.

 

A crise de destino e o aleatório pudor do riso, também aprisiona a linguagem  (de saber o que ela é nas conjugações  sociais) e o que  comunica soberanamente por qualquer sujeito de ação. Incontornável até certo ponto porque é aspecto da desigualdade social, incompleta porque como o direito à palavra é parte fundante da cidadania, se põe na dianteira, a ser mecanismo de poucos contra a maioria, subproduto das escolhas culturais.

 

Por isso, nada de ambivalência ou dúvida experimental — é o crânio dos mortos calcinando o cérebro dos vivos — diria Marx. Esta metáfora de força das circunstâncias me contagia porque é o viés de estar nesta travessia, mantido o compromisso de convence-los  um a um a inventariar  o tempo como rapsódia sobre os dias passados e no rumo dos dias infindos. Continuar a escrever outras promessas da temperança. Irromper  do estribilho o ruído entre a maldição da abundância e o moinho satânico” do fortuito plano. E na redenção, salgar a palavra para a estiagem o prefácio da ação!

 

Cumpre-se outros dizeres. Nos 20 anos de "Poemas de Barricada” (que retorna numa segunda edição), também se transformará em livro a dissertação de mestrado do professor Aurismar Lopes Queiroz: "A Amazônia e a poética da beira da estrada na poesia de Charles Trocate: um projeto de intervenção didática”.

 

Por fim, estendo aqui o maior prazer que tive de receber esse comentário de um dos maiores intelectuais da Amazônia, o professor Paulo Nunes, sobre o texto da Geógrafa e fotógrafa Flora Pidner no projeto "Búfalo Antigo - a poesia de Charles Trocate em abril de 2021”:

"Charles, camarada, Poesia-fronteira: já é um clássico e deve estar em qualquer boa Antologia de contemporâneos amazônidas. Ela sintetiza a beleza de tua escrita telúrica, "tão nós e tão mundo", ao mesmo tempo. A colega de Alagoas (fugiu-se seu nome, e porque a escrita se impôs a autoria), olha como ela escreve bem, límpida, poética, foi feliz em enfatizar a ideia de uma geografização da tua poética, Charles. Há muito que este país que namora com o fascismo, de estrutura fundiária violenta e injusta, tem a aprender com os poetas. E estás, camarada, na linha de frente de uma poesia que politiza, porque justamente nos humaniza. Literatura em perigo, como apontariam alguns teóricos?, não. O poeta pode estar em perigo, mas sua palavra é sabre e sai incólume de todo massacre. Nosso desafio maior é, agora, fazer a literatura chegar nas mãos certas: os leitores. Que privilégio ser teu contemporâneo, mano velho”.

  

Charles Trocate

 Vicinal do Limão, Palmares, Parauapebas, maio de 2022

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

RETRATO FRAGMENTADO: BRASIL NO MEU ESPELHO QUEBRADO, o jornalista Ismael Machado alumeia o cenário do país polarizado

O laureado jornalista sinaliza para a violência com elemento estruturante na conformação do país no intuito em compreender o presente contexto nacional. 

Carlos Latuff

O tempo: um dia depois do primeiro turno das eleições de 2022. Bebíamos. Sim, socializávamos (socializar é uma das palavras/ações mais belas do ser humano, né não?) num boteco ao lado de casa porque a fome nos pedia passagem e é, nos dias de hoje, um privilégio ter fome e poder saciá-la. Uma crepizza- eu ansiava pelo frango a passarinho, delícia da casa, mas não havia mais- fumegava à mesa quando eu, minha companheira Michelle, uma grande amiga chamada Simone e uma conhecida, que eu sempre vejo em todas as atividades por ali, uma senhora que eu curto a imagem de longe, mas nunca tinha conversado, entre uma cervejinha e outra, discutíamos e analisávamos, com nossos alcances e deficiências, limitações e amplidões de raciocínio, o Brasil, as eleições, o nosso abraço cada vez maior com a extrema-direita. Leia a íntegra do artigo AQUI

Aquilombação no Baixo Amazonas, professor Euripedes Funes (UFCE)apresenta livro a presença negra a partir dos quilombos

O livro surge quase 30 anos após a defesa da tese na USP, ocorrida em 1995. O trabalho tem sido reconhecido como fonte inestimável sobre a aquilombação na região  


Auditório da UFOPA, Unidade Rondon. Fonte: redes sociais do professor Funes . 


Os filhos dos filhos dos filhos das pessoas entrevistadas em remotos anos da década de 90 estavam presentes na prosa de lançamento do livro sobre a aquilombação no Baixo Amazonas, no auditório da Unidade Rondon, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), na noite de segunda, dia 10, na cidade de Santarém. O espaço estava lotado.

A Amazõnia é negra, também. O livro Nasci nas matas, nunca tive senhor, do paulista Euripedes Funes, hoje professor da Universidade Federal do Ceará (UFCE), resulta de tese apresentada na pós-graduação em História, da Universidade de São Paulo (USP), em 1995.  Lá na biblioteca da USP você se depara com dois robustos volumes ainda não digitalizados. O recurso das pessoas interessadas no tema  é fazer cópia.

Quase três décadas da apresentação do trabalho, com quase 500 páginas, o livro editado pela Plebeu Gabinete de Leitura é apresentado na região foco da pesquisa. Uma devolutiva, como se costuma dizer.  

No auditório, netos de pessoas entrevistadas por Funes. Netos de pessoas que tiveram os seus ancestrais colocados em condição de subalternização em fazendas de cacau e gado. Netos que hoje ocupam assento em diversos cursos da UFOPA.

Relatos pipocaram de jovens da região do Planalto Santareno, que abriga uma média de uns 12 territórios quilombolas, bem de outras regiões, a exemplo do Trombetas,  tributária do primeiro território quilombola reconhecido no Brasil, Boa Vista. 

Nestas pelejas pelo reconhecimento territorial, os estados do Maranhão e do Pará possuem protagonismo, bem como na conformação do Artigo 68, da Carta de 1988, que trata sobre o tema. Assim recuperam inúmeros tratados acadêmicos.  A criação de Frechal, no Maranhão, precede o de Boa Vista, no estado do Pará.

Filhos, dos filhos, dos filhos de pessoas que foram escravizadas, e que hoje ocupam espaço no campo do conhecimento, e buscam analisar, refletir e produzir reflexões sobre os seus territórios de origem. Jovens de cabelos trancados, trajes identitários, lenços e turbantes, que apesar de estarem em universidade pública, continuam a enfrentar o racismo, como o ocorrido recentemente contra uma indígena Arapiun por um professor.


Discente quilombola da UFOPA, neta de entrevistados por Funes. Fonte: redes sociais do prof. Funes. 

O trabalho de Funes deve ser compreendido como uma ferramenta em alinhamento com a luta quilombola no Baixo Amazonas do Pará. Conforme a fala do autor, a tese tem sido usada como base jurídica para a defesa dos territórios quilombolas. É usadao ainda no processo de seleção diferenciado da universidade para ingresso quilombola. 

A obra alinha-se ao pioneirismo do professor Vicente Salles, que levantou a bandeira da investigação sobre a pesquisa sobre a presença da população negra na Amazônia. Vale ainda sublinhar a pesquisa empreendida pelas professoras Edna Castro (Ciências Sociais) e Rosa Acevedo (História), sobre os quilombos da região do Trombetas, que vivem e resistem lá pelas barrancas de Oriximiná e vizinhança.

No Trombetas enfrentam o grande capital encarnada no sujeito da empresa de mineração Vale, que desde os anos 1980 promove a expropriação das populações tradicionais da região.

Ainda sobre a presença negra no Baixo Amazonas, o campo da literatura, a partir das produções de Benedicto Monteiro e Inglês de Souza, oferecem recursos do campo da sociologia que ajudam a alumiar as relações de poder na região, bem como a presença do povo negro.

Funes e trupe estão a mundiar pelo Pará desde a semana passada. Correu Belém, Cametá inicialmente, e agora varam furos e rios do Baixo Amazonas.   Veja a agenda AQUI

 A luta pelo reconhecimento território

O reconhecimento territorial é primordial para a efetivação da reprodução econômica, política, social e cultura das populações quilombolas, e de outras modalidades enquadradas como tradicionais. O território representa formas de trocas material e simbólicas,  provedora de cosmologia própria. Expropriado de seu chão, de sua terra, tudo é incerto.  Todavia, a morosidade impera na jornada de reconhecimento do território. Dados organizados por Rogerio Almeida a partir de informação do INCRA, indicam o cenário abaixo.  Leia a íntegra do trabalho AQUI

 

QUADRO -  RELAÇÃO DE PROCESSOS ABERTOS/ANO

ORDEM

PROCESSO

COMUNIDADE

MUNICÍPIO 

ANO

01

54105.002167/2003-17

Arapemã

Santarém

2003

02

54105.002168/2003-61

Murumurutuba

Santarém

2003

03

54105.002169/2003-14

Saracura

Santarém

2003

04

54105.002170/2003-31

Murumuru

Santarém

2003

05

54105.002170/2003-31

Bom Jardim

Santarém

2003

06

54105.002170/2003-31

Tiningu

Santarém

2003

07

54105.000030/2004-21

Patuá de Umirizal

Óbidos

2004

08

54100.002189/2004-16

Alto Trombetas (Mãe Cué, Sagrado Coração de Jesus, Tapagem, Paraná do Abuí e Abuí)

Oriximiná

2004

09

54100.000755/2005-28

Ariramba

Óbidos

2005

10

54501.009417/2006-10

Pérola do Maicá

Santarém

2006

11

54501.016339/2006-18

Muratubinha. Mondongo e Igarapé-açú dos         Lopes

Óbidos

2006

12

54501.016340/2006-34

Nossa Senhora das Graças (Paraná de Baixo)

Óbidos

2006

13

54501.016341/2006-89

Arapucu

Óbidos

2006

14

54501.016342/2006-23

Peruana

Óbidos

2006

15

54501.007690/2007-91

Maria Valentina (Comunidades Nova Vista de Ituqui, São Raimundo do Ituqui e São José do Ituqui)

Santarém

2007

16

54501.002737/2013-78

Patos do Ituqui

Santarém

2013

17

54501.001830/2014-46

Cachoeira Porteira

Oriximiná

2014

18

54501.001765/2014-59

Alto Trombetas II (Moura, Jamari, Curuçá, Juquirizinho, Juquiri Grande, Palhal, Nova

Esperança e Erepecu/Último Quilombo)

Oriximiná

2014

Fonte: INCRA/ Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas – DFQ/2018

 

A considerar o tempo necessário para a efetivação do TQ de Boa Vista, - criado em 1995, sete anos após a promulgação da CF 1988 - podemos salientar que foi um tempo recorde, ao fazer um paralelo com o cenário atual, onde  a morosidade  predomina da maioria dos casos, como ocorre no município de Santarém, onde existem processos protocolados desde os anos de 2003, conforme dados do próprio INCRA, como pode se verificar abaixo no quadro 07. Saliente-se que no presente governo nenhum território foi reconhecido, sob o comando de um transloucado gestor de verve racista.

 

Ato pela passagem do Dia da Consciência Negra no Território Quilombola do Bom Jardim, Santarém/PA. Fonte: Rogerio Almeida 

Segundo os dados do relatório do INCRA da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (2018), o estado do Pará tem 66 processos abertos solicitando reconhecimento territorial, sendo 18 localizados no Baixo Amazonas.  Dos estados da região, o Pará lidera em número de processos, seguido dos estados do Amapá e do Tocantins, que possuem 33 cada.  Já o Maranhão, que desde tempos imemoriais sempre manteve relações com o Pará, realce ao comercio de escravos, possui 399 processos, número seis vezes superior aos processos do Pará, como demonstra o quadro.  


Aldo Santos [sentado], quilombola do território Saracura, o homenageado, e Dileudoo Guimarães [em pé], presidente da FOQS 


QUADRO 08 DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS ABERTOS POR REGIÃO

REGIÃO

Nº DE PROCESSOS

NORTE

142

NORDESTE

977

CENTRO OESTE

118

SUDESTE 

327

SUL 

151

TOTAL 

1.715

Fonte: INCRA/ Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas – DFQ/2018

 

Conforme os dados Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas do INCRA, que totaliza 1,715 processos de pedido de titulação, o Nordeste lidera em número de processos no país, onde possuem destaque os estados do Maranhão (399) e a Bahia (292) lideram com folga, seguidos de Pernambuco, com 57 processos e Ceará, com 32. 

 

No caso do Centro Oeste, cabe ao estado do Mato Grosso a liderança com 73 processos, seguido do Mato Grosso do Sul, com 18 e Goiás com 16. Com 232 processos a liderança do Sudeste cabe ao estado de Minas Gerais, acompanhado de São Paulo, 51 e do Rio de Janeiro, com 26. E, por fim o Sul, cuja hegemonia é do Rio Grande do Sul, que contabiliza 96 processos, seguido do Paraná com 38 e Santa Catarina com 17.  Como reflete Clovis Moura, a aquilombação está territorializada por todo o território nacional. 

 

No que tange ao território do Baixo Amazonas, o que provoca estranhamento é a ausência de processos do município de Alenquer. O primeiro bloco de pedido de reconhecimento territorial datado de ano de 2003, que agrupa seis territórios do município de Santarém, incluso os localizados no Planalto Santareno, aguardam a certificação há 18 anos. Quase três vezes o tempo que o quilombo de Boa Vista, o primeiro a ser certificado, levou.  Os territórios aqui analisados fazem parte deste bloco. 

 

É justo contra esta morosidade que as representações das comunidades empenham esforços, ainda mais por conta da presente conjuntura, que conjuga o governo que opera em direção contrária às pautas reivindicatórias indígenas, quilombolas e campesinas, e a favor do avanço da fronteira do capital.