domingo, 30 de abril de 2023

Abril indígena da UFOPA foi marcado por expulsão de frente parlamentar pró garimpo e grilagem de terras.

A Ufopa é considerada a universidade que mais acolhe discentes indígenas e quilombolas do país.  

Abril. Sexta-feira, 28. O calor é causticante. O mês é dicado aos povos indígenas. Legítimos senhores destas terras, que ocupam o Planalto Central em ato pró defesa de seus territórios, tantas vezes vilipendiados. Tantas vezes encharcados de sangue dos seus. Abril é o mês da passagem do Massacre de Eldorado, ocorrido no dia 17, do ano de 1996. A chacina da PM executou 19 trabalhadores rurais sem terra.   

No miniauditório do prédio dedicado a questões administrativas da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), discentes do Instituto Ciência e Sociedade (ICS) realizam colação de grau de gabinetes. São indígenas e quilombolas em sua maioria. Entre eles, uma senhora faz um relato comovente.

Colação de grau no mini auditório do ICS/UFOPA. 

Ela soma mais de 50 anos. Conseguiu graduar e aprovação no mestrado graças à solidariedade e apoio da família durante o percurso. Ela encarna a maior parcela da sociedade. Os que foram expropriados pelos impérios coloniais. E, continuam a enfrentar o mesmo dilema por conta da racionalidade do capital, movido pela insaciável necessidade em incorporar e subordinar territórios ainda não mercantilizados. Como salienta estudante de Direito da Ufopa e líder munduruku, Alessandra Korap, recentemente laureada com prêmio na Alemanha, “o que eles apresentam para gente é um projeto de morte”.

A colação daqueles sujeitos ocorria no mesmo momento em que uma frente parlamentar que agrupa representantes dos estados do Pará e do Mato Grosso, capitaneada pelo senador Zequinha Marinho (PL/PA), tentava colocar em pauta no auditório da mesma universidade, a defesa de legalização de garimpos, grilagem de terras, monocultivos e a defesa de obras de infraestrutura.

Manifestação de estudantes da UFOPA contra a frente parlamentar pró garimpo e grilagem de terras. Fonte: redes sociais. 

Pautas que colocam em xeque a reprodução econômica, política e social destes sujeitos que hoje representam uma expressiva fatia do corpo discente da Ufopa, que ainda carece dos mesmos na condição de educadores e pesquisadores.

A dívida que a sociedade brasileira tem com estes sujeitos, historicamente colocados em condição de subalternização é imensa. Os que foram colocados em cativeiros, surrados e assassinatos, e que ousaram e ousam cursar uma graduação, apesar de todas os obstáculos.  Felizmente, um coletivo de estudantes ocupou o espaço do auditório em protesto, e evitou a realização do evento.

Fonte:; redes sociais. 

Sobre a UFOPA abrigar o referido encontro, o colegiado do curso de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional, em nota manifestou “ser inaceitável os discursos difundidos no âmbito desse evento de negação da ancestralidade dos povos indígenas, bem como de outras culturas, como elemento definidor da nossa identidade, a qual merece respeito e proteção”.

O Sindicato dos Docentes da UFOPA cobra da reitoria que “autoridades constituídas se expressem publicamente como se deu o processo para que esta instituição pública viesse a abrigar um evento que tem conotação política totalmente diferente às metas e planos do atual governo federal e do que os povos amazônidas locais vem reivindicando para essa região”.

O Programa de Antropologia e Arqueologia (PAA), que abriga o contingente mais expressivos de indígenas e quilombolas, em nota sobre o evento manifesta solidariedade a indígenas e quilombolas, onde “nos solidarizamos com os povos e comunidades indígenas, quilombolas, tradicionais e camponesas – muitas das quais estão representadas por discentes da universidade – que já estão sendo gravemente impactados por essas iniciativas e manifestamos nosso repúdio e vergonha pelo fato da nossa instituição, construída com recursos públicos e que deve atender a sociedade, hospedar tal evento, que está na contramão das verdadeiras mudanças que necessitamos diante da emergência climática. Repudiamos ainda a truculência exibida por membros do referido evento, um dos quais ofendeu docente do nosso programa, aos gritos, dizendo que a universidade pertencia a eles. Exigimos ser respeitados. Estamos no nosso lugar de trabalho”.  

A Amazônia Legal e indígenas foram os mais penalizados em conflitos no campo, indicam dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

No governo anterior (2019 a 2022) 42 indígenas foram assassinatos. O aumente foi de 200% em relação ao período anterior, sinalizam dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em 2022 a mesma fonte indica que ocorreram 553 conflitos em áreas rurais do Brasil. O que representa um aumento de 50% em relação a 2021 (368).

No governo marcado pelo desmantelamento de instituições, políticas, programas e orçamento, além de nomeação de pessoas sem nenhuma identificação e conhecimento relacionados com questões indígenas, quilombolas, camponesas, agrárias, ambientais e educacionais 1.065 perderam a vida em 2022, indica o relatório da CPT, apresentado em Brasília, Unb (Universidade de Brasília), no dia 19. 72,4% destas mortes ocorreram na Amazônia Legal, sendo 38% de indígenas.

A frente parlamentar encarna o que Brasil tem de mais arcaico, o poder econômico, político e social assentado no poder da concentração da terra. Uma concentração construída sobre os pilares mais profundas de uma ordem conservadora, escravocrata, violenta e criminosa, onde a prática de grilagem constitui-se como recurso ilegal para a apropriação privada de terras públicas em uma combinação de redes que mobiliza sujeitos públicos e privados.

Até o presente momento, o site da universidade não apresenta nenhuma manifestação da reitoria sobre o caso.