sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Pandêmico natal: nada de Roberto Carlos ou carnaval...

 


Seis horas para cozer o peru é a estimativa otimista em forno de fogão normal. Em um possante levaria umas três. A criatura tem perto de cinco quilos. Tudo somente para uma pessoa. O cônjuge de Guzzi puxou Minas Gerais para ver a família. O trecho São Paulo Minas Gerais em dias de festa demanda mais tempo que o normal.

Assim como o cozimento do peru em forno vulgar doméstico, tudo pode acontecer em dias de festa nas rodovias. Em casa, o gás acabar; na rodovia, uma carreta de combustível capotar, pegar fogo e bloquear a via nos dois sentidos.

“Patos de MG” anda saudoso da família. Pai e manos. Gente de festa farta, bebidas e rango.  Ozzi e Frida farão companhia à Guzzi na ceia. São felinos. Traquinos. Derrubam árvores de natal e TVs.

Ozzi anda viciado em tomate. É um gato negro. Assalta a geladeira e mocoza os frutos em seu local de dormir. Estranho vício. Frida, acizentada, é bruta. É gata de rua. Adotada nas Gerais puxou São Paulo.

Tempos de pandemia. Terminais rodoviários e aeroportos entupidos de gente como se não existisse amanhã em um país sem governo. “Patos” sairá direto do trampo para a rodoviária. O embarque será antes da meia noite do dia 23.

A viagem até Congonhas deve durar umas dez horas, caso tudo se desenrole sem problemas. A cidade abriga esculturas em pedra sabão do mestre Aleijadinho. A praça das esculturas é um sabão. Fácil de cair. Queda em cada estação.

Natal pandêmico. Famílias separadas. O melhor presente nos últimos anos. Nada de treta em ceia. Cada macaco no seu galho. Sobram as ligações cordiais. Mainha, agoniada, talvez com o intento em ficar quieta, ligou às 18h.

Manifesta um banzo por conta da perda da prima-irmã Socorro, que partiu há três meses acometida por Covid. Calhou da data da passagem ser o dia 24. Missa de três meses de partida. Nada de ceia. Despeja umas mágoas. Fim de papo. É hora de retomar a breja. As costelas de porco estão no forno. O molho arde no fogão. Tem um nome esquisito.

Docinho (Thulla Esteves) troca mensagens sobre o assamento do Peru com a Guzzi. Em seguida parte para a ligação para os parentes distantes. Mary é a primeira. Ela foi quem  acolheu a Guzzi quando aportou em São Paulo. Mary é esposa do tio de Docinho.  Afetividades daqui. Doçuras de lá.

A bola agora é com o tio. Odontólogo aposentado desde sempre devotado à pinga. Prestes a somar 80 primaveras anuncia em tiro curto diagnostico de cirrose. Parece levar tudo na esportiva. Em seguida conta que já tomou a dose do dia.  “Fazer o que, já tenho os dias contados”, ironiza.

Arritmia, diabetes, hipotireoidismo, hipertensão, cirrose, ansiedade, TOC. O pulso ainda pulsa. “ Égua da genética. PQP”, dispara o tio. A pauta descamba para saúde. O tio acredita da sabença do vírus. Deve tá pensando nas mutações do mesmo. “Nunca mais seremos os mesmos”, acredita.

Pandêmico natal. Nada de carnaval ou show de Roberto Carlos. Na rodoviária, “Patos” dorme no busão. Acorda às 5h pensando em BH. Nem imagina que ainda tá em São Paulo. Uma carreta de combustível tombou, incendiou e tomou as duas pistas. Então, é natal...

“Patos” ficou mais de cinco horas no busão por conta do acidente com a carreta.  Rodovia desobstruída, o pneu fura. Não tá fácil. O bravo mineiro aporta em sua terra natal quase vinte e quatro horas após o seu embarque em viagem que duraria umas dez horas.

Após mais de seis horas o peru assa. Farofa de banana para o acompanhamento. As costelas do suíno arriscam queimar após duas horas. Tudo deu certo. Tudo saboroso. Arroz e purê para as costelas. Brejas, brejas e mais brejas...risos sobre as prosas..chamegos..

Comemos para além do necessário. Sono. A mangueira do vizinho eclipsa a lua em quarto crescente. Porta aberta em solitário corredor acometido por vento forte que emana do rio Tapajós.

 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Mineração na Amazônia: livro analisa a mineração a partir do olhar da mulher

A publicação traz quatro artigos que abordam o impacto da mineração, destacando aspectos que vão para além dos seus efeitos mensuráveis, captando as questões psicológicas e subjetivas do cotidiano das mulheres. O livro conta com ilustrações de Beatriz Belo, artista de Macapá que buscou captar a relação entre corpo e território, central na vida comunitária das mulheres desta região. Leia mais AQUI

Ferrogrão - pesquisa da UFMG alerta para a expropriação que o projeto provocará

Estudo revela que a EF-170, conhecida como “Ferrogrão”, pode impactar 4,9 milhões de hectares de Áreas Protegidas em municípios que somam 1,3 milhões de hectares desmatados ilegalmente. Os dados são do estudo “Amazônia do futuro: o que esperar dos impactos socioambientais da Ferrogrão?”, elaborado pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). [Leia na íntegra] Leia a íntegra em Outras Palavras

O esporão de arraia no pé de Arigó é o calcanhar de Aquiles da nossa terra?

 

Orla de Santarém/PA - Porto da Cargil - barcos do lugar..barcos de além rio-mar..

Faz dois meses que Arigó luta com uma ferida no pé esquerdo, na altura do tornozelo. Esporão de arraia o feriu ao afrontar o rio Tapajós. Em tempo de seca do rio é necessário cuidado. É comum as arraias nas beiras.

Os antigos ensinam que é necessário zelo no caminhar, e, é aconselhado arrastar os pés nos beirais dos rios. Desta forma, ao se deparar com o animal, ele segue em fuga e não ataca o estranho visitante de sua morada. A tática reside em não pisar o bicho.

A dor é insuportável, contam os agraciados com o esporão. Falam que dura mais de 24h. Arigó lembra que um colega faz um mês que não consegue se locomover. Pelo fato do amigo não poder se deslocar, o cabra sente-se feliz em poder andar, mas, tá aperreado com a demora na cura da ferida.

O machucado resulta de uma pescaria em praia de Belterra, no Baixo Amazonas. O negro atarracado, de uns sessenta verões é uma espécie de “faz-tudo” de um prédio recém erguido nas proximidades do Mercadão 2000, em Santarém.

Arigó acompanhou um estranho em praia de Belterra, quebrada que ele, apesar de nativo, filho de um cearense com uma caboca do Pará, desconhecia.

Em Belterra, lá no comezinho do século passado, o multimilionário Ford intentou o monocultivo de seringueira. Neste período abundava a migração de nordestinos para a Amazônia. Processo animado pelo governo Vargas.  

Ainda hoje é possível notar resquícios do monocultivo e do maquinário da época. E muita gente a lembrar a história.  Prosa  para muitas garrafas de café.

No prédio do patrão Arigó faz tudo. Mostra os apartamentos vazios a pretensos futuros inquilinos. São quatro andares. Tudo sem elevador.  O homem zela pela limpeza, carrega pacotes e malas de moradores/as.

No dia em que fomos conhecer um apartamento de vista para o rio, uma senhora parecia se deslocar em férias rumo às praias da região.  A senhora branca, portadora de vitiligo, trajava bermuda, chapéu para se proteger de um sol inclemente e óculos escuros.

O negro a ajudou na empreita em descer as malas e sacolas até o portão. No calor do momento não havia reparado para a distinção de classe. Ao papel em condição de subalternização do senhor.

Somente depois, ao retomar a leitura do premiado livro Torto Arado, do geógrafo baiano Itamar Vieira Junior, bem como as lembranças de obras de Dalcídio Jurandir, a situação clareou.

Soma-se ao quadro, o episódio ocorrido em Minas Gerais, aquele em que um professor manteve por longos anos uma senhora negra em condição análoga à escravidão.  Recordei ainda casos de trabalho escravidão na cadeia da produção do açaí no Marajó e em fazendas e carvoarias do sul e sudeste do Pará.  

Não sei exatamente ser esse o caso de Arigó. Ele porta boné, chinelos, camisa e bermudas simples. Tudo desprovido de grife. Tudo adquirido ali mesmo pelos arredores do Mercadão. Tem a fala mansa e pausada. Faz as coisas sem a agonia das horas dos grandes centros. Tem a pressa do balanço das redes ribeirinhas, do navegar de antigas embarcações da região.

Arigó é uma demonização pejorativa dada aos migrantes nordestinos por estas paragens, em particular o cearense. O termo invoca pouca sabença, leseira, matutice, bocó, etc.

Ao contrário do termo desqualificador, na orla da cidade, eles hegemonizam o comercio de varejo. Aquele que vende de tudo: tralha de pesca, panos, roupas, redes, eletrônicos importados da China. E, alguns, militam ainda na agiotagem.  A pratica por aqui mata. Mata quem deve, e também o “emprestador”. Por estas paragens morre o bravo,  morre o manso.

Na cidade os arigós são respeitados pelo apego ao trabalho. Sempre abrem os comércios independentes de feriados pátrios ou religiosos. Mesmo agora, quando do nascimento do filho do Deus, ou do primeiro dia do ano.

Assim como o restante da cidade, a orla passa por profundas modificações. A cidade se verticaliza a olhos vistos. A especulação imobiliária desfila com a desenvoltura de um rinoceronte.

E, em terra de arraias, botos e cuias, até delegado grila e especula, favorece garimpo, e prende quem da floresta intenta cuidar.  

 

Ao largo do rio, o barco segue....Amazonas....Tapajós...Arapiuns....