quarta-feira, 12 de outubro de 2022

RETRATO FRAGMENTADO: BRASIL NO MEU ESPELHO QUEBRADO, o jornalista Ismael Machado alumeia o cenário do país polarizado

O laureado jornalista sinaliza para a violência com elemento estruturante na conformação do país no intuito em compreender o presente contexto nacional. 

Carlos Latuff

O tempo: um dia depois do primeiro turno das eleições de 2022. Bebíamos. Sim, socializávamos (socializar é uma das palavras/ações mais belas do ser humano, né não?) num boteco ao lado de casa porque a fome nos pedia passagem e é, nos dias de hoje, um privilégio ter fome e poder saciá-la. Uma crepizza- eu ansiava pelo frango a passarinho, delícia da casa, mas não havia mais- fumegava à mesa quando eu, minha companheira Michelle, uma grande amiga chamada Simone e uma conhecida, que eu sempre vejo em todas as atividades por ali, uma senhora que eu curto a imagem de longe, mas nunca tinha conversado, entre uma cervejinha e outra, discutíamos e analisávamos, com nossos alcances e deficiências, limitações e amplidões de raciocínio, o Brasil, as eleições, o nosso abraço cada vez maior com a extrema-direita. Leia a íntegra do artigo AQUI

Aquilombação no Baixo Amazonas, professor Euripedes Funes (UFCE)apresenta livro a presença negra a partir dos quilombos

O livro surge quase 30 anos após a defesa da tese na USP, ocorrida em 1995. O trabalho tem sido reconhecido como fonte inestimável sobre a aquilombação na região  


Auditório da UFOPA, Unidade Rondon. Fonte: redes sociais do professor Funes . 


Os filhos dos filhos dos filhos das pessoas entrevistadas em remotos anos da década de 90 estavam presentes na prosa de lançamento do livro sobre a aquilombação no Baixo Amazonas, no auditório da Unidade Rondon, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), na noite de segunda, dia 10, na cidade de Santarém. O espaço estava lotado.

A Amazõnia é negra, também. O livro Nasci nas matas, nunca tive senhor, do paulista Euripedes Funes, hoje professor da Universidade Federal do Ceará (UFCE), resulta de tese apresentada na pós-graduação em História, da Universidade de São Paulo (USP), em 1995.  Lá na biblioteca da USP você se depara com dois robustos volumes ainda não digitalizados. O recurso das pessoas interessadas no tema  é fazer cópia.

Quase três décadas da apresentação do trabalho, com quase 500 páginas, o livro editado pela Plebeu Gabinete de Leitura é apresentado na região foco da pesquisa. Uma devolutiva, como se costuma dizer.  

No auditório, netos de pessoas entrevistadas por Funes. Netos de pessoas que tiveram os seus ancestrais colocados em condição de subalternização em fazendas de cacau e gado. Netos que hoje ocupam assento em diversos cursos da UFOPA.

Relatos pipocaram de jovens da região do Planalto Santareno, que abriga uma média de uns 12 territórios quilombolas, bem de outras regiões, a exemplo do Trombetas,  tributária do primeiro território quilombola reconhecido no Brasil, Boa Vista. 

Nestas pelejas pelo reconhecimento territorial, os estados do Maranhão e do Pará possuem protagonismo, bem como na conformação do Artigo 68, da Carta de 1988, que trata sobre o tema. Assim recuperam inúmeros tratados acadêmicos.  A criação de Frechal, no Maranhão, precede o de Boa Vista, no estado do Pará.

Filhos, dos filhos, dos filhos de pessoas que foram escravizadas, e que hoje ocupam espaço no campo do conhecimento, e buscam analisar, refletir e produzir reflexões sobre os seus territórios de origem. Jovens de cabelos trancados, trajes identitários, lenços e turbantes, que apesar de estarem em universidade pública, continuam a enfrentar o racismo, como o ocorrido recentemente contra uma indígena Arapiun por um professor.


Discente quilombola da UFOPA, neta de entrevistados por Funes. Fonte: redes sociais do prof. Funes. 

O trabalho de Funes deve ser compreendido como uma ferramenta em alinhamento com a luta quilombola no Baixo Amazonas do Pará. Conforme a fala do autor, a tese tem sido usada como base jurídica para a defesa dos territórios quilombolas. É usadao ainda no processo de seleção diferenciado da universidade para ingresso quilombola. 

A obra alinha-se ao pioneirismo do professor Vicente Salles, que levantou a bandeira da investigação sobre a pesquisa sobre a presença da população negra na Amazônia. Vale ainda sublinhar a pesquisa empreendida pelas professoras Edna Castro (Ciências Sociais) e Rosa Acevedo (História), sobre os quilombos da região do Trombetas, que vivem e resistem lá pelas barrancas de Oriximiná e vizinhança.

No Trombetas enfrentam o grande capital encarnada no sujeito da empresa de mineração Vale, que desde os anos 1980 promove a expropriação das populações tradicionais da região.

Ainda sobre a presença negra no Baixo Amazonas, o campo da literatura, a partir das produções de Benedicto Monteiro e Inglês de Souza, oferecem recursos do campo da sociologia que ajudam a alumiar as relações de poder na região, bem como a presença do povo negro.

Funes e trupe estão a mundiar pelo Pará desde a semana passada. Correu Belém, Cametá inicialmente, e agora varam furos e rios do Baixo Amazonas.   Veja a agenda AQUI

 A luta pelo reconhecimento território

O reconhecimento territorial é primordial para a efetivação da reprodução econômica, política, social e cultura das populações quilombolas, e de outras modalidades enquadradas como tradicionais. O território representa formas de trocas material e simbólicas,  provedora de cosmologia própria. Expropriado de seu chão, de sua terra, tudo é incerto.  Todavia, a morosidade impera na jornada de reconhecimento do território. Dados organizados por Rogerio Almeida a partir de informação do INCRA, indicam o cenário abaixo.  Leia a íntegra do trabalho AQUI

 

QUADRO -  RELAÇÃO DE PROCESSOS ABERTOS/ANO

ORDEM

PROCESSO

COMUNIDADE

MUNICÍPIO 

ANO

01

54105.002167/2003-17

Arapemã

Santarém

2003

02

54105.002168/2003-61

Murumurutuba

Santarém

2003

03

54105.002169/2003-14

Saracura

Santarém

2003

04

54105.002170/2003-31

Murumuru

Santarém

2003

05

54105.002170/2003-31

Bom Jardim

Santarém

2003

06

54105.002170/2003-31

Tiningu

Santarém

2003

07

54105.000030/2004-21

Patuá de Umirizal

Óbidos

2004

08

54100.002189/2004-16

Alto Trombetas (Mãe Cué, Sagrado Coração de Jesus, Tapagem, Paraná do Abuí e Abuí)

Oriximiná

2004

09

54100.000755/2005-28

Ariramba

Óbidos

2005

10

54501.009417/2006-10

Pérola do Maicá

Santarém

2006

11

54501.016339/2006-18

Muratubinha. Mondongo e Igarapé-açú dos         Lopes

Óbidos

2006

12

54501.016340/2006-34

Nossa Senhora das Graças (Paraná de Baixo)

Óbidos

2006

13

54501.016341/2006-89

Arapucu

Óbidos

2006

14

54501.016342/2006-23

Peruana

Óbidos

2006

15

54501.007690/2007-91

Maria Valentina (Comunidades Nova Vista de Ituqui, São Raimundo do Ituqui e São José do Ituqui)

Santarém

2007

16

54501.002737/2013-78

Patos do Ituqui

Santarém

2013

17

54501.001830/2014-46

Cachoeira Porteira

Oriximiná

2014

18

54501.001765/2014-59

Alto Trombetas II (Moura, Jamari, Curuçá, Juquirizinho, Juquiri Grande, Palhal, Nova

Esperança e Erepecu/Último Quilombo)

Oriximiná

2014

Fonte: INCRA/ Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas – DFQ/2018

 

A considerar o tempo necessário para a efetivação do TQ de Boa Vista, - criado em 1995, sete anos após a promulgação da CF 1988 - podemos salientar que foi um tempo recorde, ao fazer um paralelo com o cenário atual, onde  a morosidade  predomina da maioria dos casos, como ocorre no município de Santarém, onde existem processos protocolados desde os anos de 2003, conforme dados do próprio INCRA, como pode se verificar abaixo no quadro 07. Saliente-se que no presente governo nenhum território foi reconhecido, sob o comando de um transloucado gestor de verve racista.

 

Ato pela passagem do Dia da Consciência Negra no Território Quilombola do Bom Jardim, Santarém/PA. Fonte: Rogerio Almeida 

Segundo os dados do relatório do INCRA da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (2018), o estado do Pará tem 66 processos abertos solicitando reconhecimento territorial, sendo 18 localizados no Baixo Amazonas.  Dos estados da região, o Pará lidera em número de processos, seguido dos estados do Amapá e do Tocantins, que possuem 33 cada.  Já o Maranhão, que desde tempos imemoriais sempre manteve relações com o Pará, realce ao comercio de escravos, possui 399 processos, número seis vezes superior aos processos do Pará, como demonstra o quadro.  


Aldo Santos [sentado], quilombola do território Saracura, o homenageado, e Dileudoo Guimarães [em pé], presidente da FOQS 


QUADRO 08 DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS ABERTOS POR REGIÃO

REGIÃO

Nº DE PROCESSOS

NORTE

142

NORDESTE

977

CENTRO OESTE

118

SUDESTE 

327

SUL 

151

TOTAL 

1.715

Fonte: INCRA/ Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas – DFQ/2018

 

Conforme os dados Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas do INCRA, que totaliza 1,715 processos de pedido de titulação, o Nordeste lidera em número de processos no país, onde possuem destaque os estados do Maranhão (399) e a Bahia (292) lideram com folga, seguidos de Pernambuco, com 57 processos e Ceará, com 32. 

 

No caso do Centro Oeste, cabe ao estado do Mato Grosso a liderança com 73 processos, seguido do Mato Grosso do Sul, com 18 e Goiás com 16. Com 232 processos a liderança do Sudeste cabe ao estado de Minas Gerais, acompanhado de São Paulo, 51 e do Rio de Janeiro, com 26. E, por fim o Sul, cuja hegemonia é do Rio Grande do Sul, que contabiliza 96 processos, seguido do Paraná com 38 e Santa Catarina com 17.  Como reflete Clovis Moura, a aquilombação está territorializada por todo o território nacional. 

 

No que tange ao território do Baixo Amazonas, o que provoca estranhamento é a ausência de processos do município de Alenquer. O primeiro bloco de pedido de reconhecimento territorial datado de ano de 2003, que agrupa seis territórios do município de Santarém, incluso os localizados no Planalto Santareno, aguardam a certificação há 18 anos. Quase três vezes o tempo que o quilombo de Boa Vista, o primeiro a ser certificado, levou.  Os territórios aqui analisados fazem parte deste bloco. 

 

É justo contra esta morosidade que as representações das comunidades empenham esforços, ainda mais por conta da presente conjuntura, que conjuga o governo que opera em direção contrária às pautas reivindicatórias indígenas, quilombolas e campesinas, e a favor do avanço da fronteira do capital.