sábado, 22 de dezembro de 2018

Amazônia sob nuvens cinzas, Charles Trocate, do MAM, analisa o ambiente de incertezas

“O que a vitória de Bolsonaro fez foi bagunçar a trajetória da democracia, já estava a um passo da oligarquização, as forças democráticas precisam impedir que ela se complete nesse sentido”.

Foto: assaltada da grande rede

Charles Trocate é Amazonida, do estado Pará. É escritor, filosofo e militante político que atua na coordenação nacional do Movimento pela Soberania popular na Mineração-MAM. É um dos organizadores da coleção “A questão mineral no Brasil”, em seu último livro, “Quando as armas falam, as musas calam? ” Ambos pela editora iGuana, faz um balanço das lutas populares amazônicas em seu itinerário de enfrentamentos a espacialização dos capitais destrutivos sobre a região.

Nessa entrevista ao Blog Furo comenta temas políticos que elevaram a eleição de Bolsonaro e sua indisposição ao diálogo. “Governos frágeis e condescendentes são perigosos, tanto na esfera econômica como na resolução dos conflitos internos.  Um governo que opta pela ignorância e refuga o melhor da inteligência nacional precipita seu próprio ato de governar.”

Assim, como observa que o ponto nevrálgico do governo é a sua ampliação desagregadora sobre a Amazônia, “É bom que se saiba a Amazônia é por natureza criadora de impasses, políticos e jurídico institucional, do ciclo militar ao FHC e dele ao Lula, ela movimenta o nosso sentido de país e por isso, não tão fácil, assimilá-la e nem a modificá-la em um curto espaço de tempo como o querem”.  

Em tom crítico assevera, este governo será um governo impopular. “Arrisco a dizer que o pacto, que conduz Bolsonaro é precário em demasia, revanchista da qual nenhuma fração de classes, dominantes, ou força auxiliar terá condições de manter em médio ciclo, por exemplo, como fez o Partido dos Trabalhadores”. E que não há saída, para o campo popular senão “acumular força como profissão de fé”.

Segue a entrevista:

Furo: O que representa a vitória Bolsonaro?

Charles Trocate- Compartilho, sempre da ideia, preservando os limites de análises, da vitória voto a voto, e não de governo, que a eleição de Bolsonaro derrotou mais a direita clássica brasileira do que o campo democrático progressista. O que está na berlinda agora é a classe média inculta, defensora de privilégios e não de direitos universalizantes, ao seu favor, só a barbárie do empobrecimento lhe atormentando.

A adesão e o consentimento das amplas massas a sua personagem, tem muito mais haver com identificação política momentânea, do fato inglório, que outra definição. É sabido na conjuntura política brasileira que alternamos sempre popularidade com crises de impopularidade, e isso logo lhe alcançará como malfeito de governo e calculo mental do mandatário.

A impopularidade de Dilma recuperou ao nosso itinerário político de crises o oportunismo de um congresso nefasto, que gerou não só a quebra do pacto do presidencialismo de coalização desfigurado durante a ditadura civil militar, mas, reinventado nas eras de FHC e Lula, como também os fatores políticos que desaguam na eleição liquidada, a dispêndio da nossa reação, o que será o Bolsonarismo de resultados?
Arrisco a dizer que o pacto, que conduz Bolsonaro é precário em demasia, revanchista da qual nenhuma fração de classes, dominantes, ou força auxiliar terá condições de manter em médio ciclo, por exemplo, como fez o Partido dos Trabalhadores. De certo modo, o antipetismo que ganhou as eleições turbinou o fracasso de muitos partidos á direita e virará seu próprio pesadelo.

Furo: Como se comportará o baixo clero no governo?

Charles Trocate- O Baixo clero não pensa unanime e a sua virtuose é a barganha bruta. São híbridos ideologicamente, e não se reúnem por projetos de longo alcance na sociedade, a mesura deles é o palavrão e a bravata. No entanto, está claro, que no caso brasileiro pelo menos por agora não se faz política sem eles, eles existem, ampliaram com ou sem merecimento seu poder.

E embora momentaneamente a tendência é voo seguro, o projeto de transformar a sociedade brasileira do avesso, modernizando “o estado dependente” numa zona do globo onde prevalece a “colônia congelada” ou ampliar o conservadorismo para além das raias que se encontra, tem limites. Como aconteceu com os seus sucessores, logo parecerá velho demais!

Todavia, é verdade que voto descolado da constituinte de 1988, pelo golpe de 2016, em uma eleição fraudulenta, deturpou o plano dos valores éticos, rebaixou o raciocínio exequível à noção de direitos humanos, e sobrepôs a teocracia, a democracia numa emergência de resultados inconciliáveis. Como, por exemplo, para qual dos poderes republicanos apelar quando seus próprios fundamentos são destituídos de valor político?

Penso, inclusive, que estamos olhando no espelho e não vendo feição alguma! O governo Bolsonaro andara às margens da Constituição numa predicação de passado e presente e a poucos dias para instaurar seu governo, já é assimilável nos estertores do poder um autogolpe, ainda mais regressivo que o transcorrido de 2016. A esta altura o presidencialismo não é tudo, precisa combinar o jogo para além do apoio aparente e ideologias teológicas estimuladas no Congresso Nacional que assumirá.

Furo: O que devemos temer?

Charles Trocate- Governos frágeis e condescendentes são perigosos, tanto na esfera econômica como na resolução dos conflitos internos.  Um governo que opta pela ignorância e refuga o melhor da inteligência nacional precipita seu próprio ato de governar. Revoluções sociais são mudanças drásticas de senso político, e em nosso curso histórico num intervalo de trinta anos simulamos o país e a República, duas vezes, em 1989 na eleição de Fernando Collor, e de agora, nos dois casos a política foi rebaixada à não política. Um jogo pesado desmontou qualquer resolução pensada, longe da euforia, para os problemas que ambientam a nossa crise.

Esta mudança de senso comum só foi possível porque houve a combinação dos tempos políticos, do baixo desempenho econômico, as fissuras no pacto de governabilidade e inúmeras disputas intraburguesas na condução das saídas, e para o nosso espanto, a eleição de Bolsonaro demostra que alguma coisa deu errado. Ou seja, nesse exato momento estamos entre o poder e o antipoder. Como não nos salvaguardamos em nada o antipoder, dos militares é o que devemos temer.  O poder está deturpado pelo judiciário. 

O militarismo intruso que de novo nos atormenta goza de privilégios, se desponta pelas mesmas razões de antes, está sem controle, atua de livre arbítrio como também o judiciário. Bolsonaro como soldado da guerra cultural não é nada sem a ameaça dos militares e o sequestro do poder pelo judiciário.

Furo: Já é assimilável a gênese desse governo?

Charles Trocate- Sim, a gênese desse governo é o ultra liberalismo na economia e conservadorismo na política. Nessa área tudo será cópia indecorosa de fora aliada à nossa esquizofrenia social, democracia de baixa intensidade e autoritarismo elitista. Este será um governo de um único senso: a do patrimonialismo, dos que tem contra os que não tem.Na busca de popularidade, tenderá a constituir força a base de concessão de privilégios, e está disposto a tudo, inclusive, a cair junto com seu programa para não ceder no que lhe é fundamental. Mudar a rota civilizatória da qual carecemos no dia a dia. É claro que não será um governo alheio, terá desafetos e bajuladores e desde já está implicado com uma oposição natural, o fisiologismo sistêmico. Nessa tendência, olhando com caleidoscópio, estamos em ápice e levando para um único momento esse desdobramento. Só uma nova constituição será capaz de alterar os estragos que ele fará. O Governo resultado de uma eleição atípica será fundamentalmente um governo atípico. Não tem condições alguma de produzir sínteses inovadoras para os dilemas brasileiros!

Furo: O bloco de poder não se ampliou?

Charles Trocate- Sem soma de dúvidas, se ampliou muito mais como resultado dos fatores externos, a avalanche do rentismo sobre as economias coloniais do que o de natureza nativa. A elite está no cadafalso com o que aconteceu, é arriscado demais este movimento e o nosso padrão de desigualdade joga em desfavor. A sociedade brasileira é muito complexa e logo a corda poderá arrebentar. Sobretudo nos setores populares, que contará com a memória que houve recentemente na sua vida melhoria econômica. Ainda que não associe isso ao PT, distinguirá que viveu bem melhor do que os dias atuais. E não haverá igreja que impeça de vela. No entanto é preciso notar que o bloco de poder se ampliou, sobretudo a destruição consentida do mundo do trabalho com a reforma trabalhista e agora com a extinção do Ministério do Trabalho. Nisso é preciso argumentar que o caminho da servidão, será a tônica traduzida em medidas impopulares. O controle hegemônico do bloco de poder implica em estrondosa subalternidade. É urgente incidi na organização política do mundo do trabalho!

Furo: O que é a Amazônia no Governo Bolsonaro?

Charles Trocate- Ela é o centro de uma disputa que não se iniciou agora, e até digo, a Amazônia é o vetor do governo Bolsonaro, ninguém até agora na história a castigou, em adjetivos negativos como ele, por isso este governo só dará certo, se quebrar os marcos civilizatórios inerentes a região. Todavia é bom que se saiba a Amazônia é por natureza criadora de impasses, políticos e jurídico institucional, do ciclo militar ao FHC e dele ao Lula. Ela movimenta o nosso sentido de país e por isso, não tão fácil, assimilá-la e nem a modificá-la em um curto espaço de tempo como o querem. É como se mais uma vez reajustássemos nossos impasses a lutas decisivas. Falando de outra forma o Estado colonial brasileiro nasceu sem a Amazônia e contra ela, contra a suas civilizações, como é o caso da terra “Raposa Serra do Sol” o conflito de ponta, entre outros de caráter mineral, agrário e agrícola, em rolagem perpétua de capital transnacional. Bom, depois não venham pedir complacência! O que podemos dizer é que se abrirá para exercitamos dentro e fora da Amazônia lutas criativas, e que o campo popular deverá trabalhar pedagogicamente para acumular força política como profissão de fé!

Furo: Uma ideia conclusiva.

Charles Trocate- O que a vitória de Bolsonaro fez foi bagunçar a trajetória da democracia, já estava a um passo da oligarquização, as forças democráticas precisam impedir que ela se complete nesse sentido.  E mais dia menos dia, creio, se abrirá um período de reformas radicais, está nele a nossa sorte política mais imediata! É não andar em recuo e não desperdiçar a energia política das massas com  frivolidades!