quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Viagem a um quilombo no PA - Diário de Lilian Campelo

Lilian Campelo
 
Ao ler ou ouvir histórias de jornalistas que navegavam os rios da Amazônia ou se aventuravam pelas estradas empoeiradas e esburacas me transportava para o imaginário daquelas narrativas.
 
Ao sonhar acordada tentava criar cenas de como eu me comportaria em tal situação. Ter o tal feeling para saber se uma história poderia render uma boa matéria, criar fontes num local onde você não é conhecido tendo em mãos apenas o papel e a caneta.
 
Nesses lugares esquecidos é que eu queria mergulhar.
 
Moju. 13hs. Chego à rodoviária lotada e de lá vejo o rio que batiza a cidade. A alça viária arqueia o rio das cobras. Foi ela que apagou o tempo da travessia feita pelos barcos.
 
Ao descer do ônibus percebo que alguns olhares me acompanham. Queria passar despercebida por esses olhares. Resolvo então sentar. Ficar quieta. Observo as pessoas em suas esperas por alguma coisa que as deixam com o olhar vago e longe. Talvez seja o calor que as deixem assim. No terminal havia dois ventiladores de teto. Dava pra contar quantas vezes as paletas giravam. O sol estava escaldante.
 
Perdi o ônibus de 11horas que leva para o território de Jambuaçu. Vou a um dos guichês e pergunto a moça que muito educada responde. “Tá vendo a placa aqui em cima? Aqui é só ônibus da empresa ‘tal’ que vai pra Belém”.
 
Ônibus para Jambuaçu só tem um horário, depois disso não tem mais transporte. Encosto próximo da parada em que os ônibus estacionam e pergunto para um rapaz se ele sabe de outro ônibus para Jambuaçu: Somente às 15hs, pode ser que venha. E como faz pra saber se vem ou não? Só quando chegar o horário.
 
O relógio aponta ainda 13h35min, não tenho tanto tempo assim, sábado preciso voltar pra Belém.
Vou ao um mercadinho que fica atrás da rodoviária. Compro crédito para o celular. Nesse ínterim pergunto ao dono se ele conhece algum mototáxi de confiança que possa me levar a Jambuaçu. “É moça faz bem perguntar sim. Vou chamar um que leva minha esposa quando ela precisa sair”.
 
Chega o mototaxista, Sedex. Acerto com ele o valor. Peço o capacete, mas ele só tinha um e me enrola dizendo que é bem ali e que não há perigo não. Esse bem ali era 25 km de estrada, do centro até o território.
 
O descaso com as comunidades que integram o território começam pela rodovia quilombola. Em época de chuva a estrada vira atoleiro. No verão é poeira e os buracos ficam a mostra. Em determinado percurso sou avisada pelo Sedex que a rodovia tinha terminado e que começava o ramal. Pra mim não havia nenhuma diferença, mato de um a lado a outro cortado pelas linhas de transmissão de energia.
 
Resolvo tirar a câmera fotográfica para registrar as condições da estrada, mas antes informo ao Sedex que estou indo ao território para fazer uma reportagem – como se isso fosse resolver alguma coisa, mas de qualquer modo me senti segura para tirar a câmera– Pergunto se há algum perigo ali. “Não tem não, tá tranquilo” e ele começa a me ajudar no registro de imagens, vai parando onde há as verdadeiras crateras ao longo do ramal. Sedex honra o apelido que tem. Dirigi pelos buracos sem pena da moto. Vez e outra dou uma batida no ombro dele, só para relembra-lo que eu estava ali.
 
Chego à Casa Familiar Rural. Lá estava sendo realizado um encontro de mulheres quilombolas de Jambuaçu. Mesmo empoeirada e cansada estampo meu sorriso. Quem me acolhe é Maria de Nazaré Silva Rodrigues, presidente da Associação Quilombola de Santa Maria do Traquateua.
 
Ainda menina Nazaré lembra quando a família teve a casa queimada por posseiros na década de 80.
Naquela época a empresa Reasa tinha se instalado na região para expandir a monocultura do dendê utilizando grileiros e jagunços para expulsar as famílias de suas terras.
 
Depois de um descaso ainda naquele dia vou atrás das entrevistas. Nazaré já não estava mais no encontro, tinha ido embora. Resolvo ir a sua comunidade. Foi uma longa entrevista com ela, dona Sabá (mãe) e a tia, a dona Florência. Três mulheres que testemunharam a violência no campo em períodos diferentes na região.
 
Já é noite. Volto pra Casa Familiar Rural. Durante o jantar conheço o presidente da Banbaê(Associação Quilombola de Jambuaçu), Ricardo Tavares. Homem franzino de olhar desconfiado. Por sinal a desconfiança me seguiu durante a minha estadia lá. A todo o momento eles me perguntavam pra qual jornal eu trabalhava, ou em outros afirmavam. “É pesquisa que você tá fazendo?”. Pra saber se eu não iria cair em contradição.
 
Naquela mesma noite entrevistei o presidente e a Waldirene Castro, coordenadora pedagógica naescola. No sábado de manhã no alojamento acordo com a conversa das mulheres.
- E ai Wal, ela te sugou né.
- Eu falei tudo, mas ainda tô com um pé atrás.
 
Eu compreendia essa ressalva. A Vale chegou a infiltrar pessoas ligadas a empresa para saber quais as ações que o movimento iria tomar contra ela.
 
Ao término daquele sábado ainda com resquícios da sexta exaustiva volto pra Moju no mesmo ônibus que Wal. Ela também aparenta cansaço devido o encontro, mas ainda tem ânimo na voz e vai me apresentado as comunidades do território ao longo da viagem e conta que antes as relações entre as pessoas eram outras. “Havia mutirões pra ajudar na comunidade, as pessoas se conheciam, havia mais confiança e solidariedade”.
 
O ônibus chega à comunidade dela, me despeço com um abraço e agradeço a acolhida. O tempo que durou aquela a viagem fez com que Wal retornasse ao passado e extraísse dele a confiança que ficou lá longe, nos tempos em que se atravessava o rio de barco. Ela contou saudosista o que foi o território de Jambuaçu, creio que naquele instante ela tenha tirado aquele pé detrás dela.