sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Sobrados, butecos e óbitos

Tachinha bateu o catolé. Crioulo também. Rosa, a filha do poeta Tribuzzi teve o mesmo destino. Em único folego o cabra enfia um obituário noutro. Tanta gente. Muitos não tenho a exata recordação de convivência. Não recordo a aparência. Tempos distantes. Anos de 1980. Muitos simplesmente sumiram.  Uma longaaa lista.

Tachinha era colega de goró. Negro retinto. Derradeira vez que o vi defendia um troco como segurança no banco de sangue da cidade. Uma ironia para um biriteiro dedicado.  Ao passar, ele gritou pelo meu apelido da guarita. Combinamos uma cerveja que nunca sucedeu.

Crioulo já era um senhor prestes a se aposentar quando o conheci. Deveria ter um metro e oitenta de altura. Esguio. Piadista incorrigível. Ainda que radicado no Maranhão há anos, guardava o jeito de antigos malandros da Lapa, do Rio de Janeiro.

Trejeitos expressos no jeito de falar, andar, brincar com os parceiros de bar. Ao ser interpelado por algum colega, sempre retrucava: sóóóóó!

Rosa era alvinha. Filha de um português jornalista e poeta. O pai era próximo ao Sarney.   Fazer parte do reinado da família em certa medida sinalizava boa ventura. A casa da família era generosa. Ficava em frente da residência do poeta Nauro Machado. Reconhecido escrevinhador, traduzido para alguns idiomas.

A funcionária pública acendia um cigarro no fiofó do outro. Uma compulsão. Ela era elemento feminino raro em espaço onde predominava a macharada. Todos a respeitavam. Ainda que cuspissem no chão, coçassem o saco com desenvoltura e despejassem toda ordem de machismo.

Entre os cabras, não havia quem não desejasse petiscar um gomo daquele corpo boleado. Roçar a barba mal feita naquele rosto de bolacha Maria ou beijar aquela boca de nicotina de elevada concentração. Um cinzeiro, praticamente. 

O coração tombou Tachinha e Rosa. Crioulo rodou prestes a somar 90 verões. Morava só. A casa tinha um sistema de vigilância. Não sei se a parentela distante tinha acesso.  O buteco cheira a fim de festa.

Produtos rareiam na prateleira, onde um dia tudo abundava. Inclusive um robusto caderno de fiados. O odor de fungo toma o ambiente onde imperam gambiarras na elétrica e hidráulica.

Naquela manhã um faz tudo passou por lá. Indagou da possibilidade de fazer o reparo das goteiras. Chove a cântaros esses dias. O biscaite não rolou. O comerciante justificou falta de recurso.

O Centro da cidade denota solidão. Mais de cem anos. Sobrados de todos os tamanhos espelham abandono. Tijolos fecham janelas. Paredes possuem seus azulejos saqueados. Alguns prédios metamorfosearam-se em estacionamentos.

Pedintes, dependentes químicos, aposentados, pés inchados, prestadores de serviços sexuais vicejam sobre os paralelepípedos, por entre becos e vielas.  Foram-se as fofoqueiras do Poema Sujo. Teimam alguns pregoeiros. Negociantes de cuscuz e sorvetes típicos.

Uma tristeza sem fim. Tristeza não tem fim.

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