sábado, 22 de abril de 2023

Será o Benedicto? Centenário de Benedicto Monteiro e o mundo das águas de Alenquer

 Encontro no Campus da Ufopa de Alenquer inicia a celebração do centenário de Benedicto Monteiro. 

 

Orla de Alenquer. Foto: Rogerio Almeida


É a Amazônia é o império das águas? Por todos os lados, de diferentes colorações, a água predomina. Olhos, furos, paranás e rios configuram riomares. Nas cidades ribeirinhas, trapiches e portos encarnam espaços fundamentais e estratégicos no fluxo de informações, mercadorias e gentes, em tempo considerado pela Geografia como lento. É justo este espaço-tempo que será a seiva essencial da obra de Benedicto Monteiro, marcada pela inquietação em justiça social e no jeito do falar do povo das barrancas do Baixo Amazonas.  

Cá, nestas paragens parauaras, três horas de barco separam Santarém de Alenquer.  A viagem ocorre duas vezes ao dia, o que representa um indicador de demanda. A viagem também é possível por via terrestre, todavia, sem o lirismo das águas.  

Casas de madeira, redes de pesca, redes de dormir, embarcações de tudo que é tamanho e coloração integram a paisagem, bem como currais de gado e árvores tombadas por conta da dinâmica das águas, que a tudo afronta. A pecuária em pequena escala predomina em Alenquer, onde nasceu há quase cem anos, o advogado, gestor público, político de verve comunista – ainda que a família fosse considerada abastada- e escritor, Benedicto Monteiro. 

A orla é a alma do universo ribeirinho. Trocas materiais e simbólicas são ali materializadas. Hotéis e alguns comércios estão articulados no mesmo perímetro, bem como o mercado municipal, além de palafitas relacionadas com a pesca e o lazer. Casa das Malhadeiras, loja localizada à orla de Alenquer, sinaliza para a importância da atividade pesqueira, bem como as embarcações de variados calibres que embelezam o local.  Para além de Santarém, cidade polo da região do Baixo Amazonas, de Alenquer é possível alcançar Manaus/AM, Óbidos/PA e Monte Alegre/PA.


Frente do Mercado Municipal de Alenquer. Foto Rogerio Almeida

Registros históricos e geográfico apontam que Surubiú ou Alenquer nomeia o braço do Amazonas, que compõe o mundo de águas que alumeia o front da cidade de Alenquer, um homônimo de Portugal, elevada à categoria de vila lá pelas remotas eras do ano de 1758, pela ordem do então governador Mendonça Furtado, irmão de Marques de Pombal, e ao status de cidade em 1881.  

No portifólio do processo civilizatório e de domínio territorial de Pombal, constava além de nomear cidades com nomes portugueses, o incentivo ao comercio do tráfico negreiro para a Amazônia, quando no Velho Mundo, graças ao saque nas colônias, o processo industrial ganhava corpo, e o trabalho assalariado era debatido. Marcas coloniais.  Sob inspiração inglesa, Pombal criou uma companhia de comércio para este fim.

Santarém, Óbidos, Almeirim, Faro, Aveiro, Monte Alegre são outros municípios desta composição lusa. Registros indicam que Abarés ou Barés era povo indígena que predominava na região antes da chegada de religiosos capuchinhos, tidos como “fundadores” da cidade, que antes da atual localização, ficava às margens do rio Curuá. Por conta da oscilação das águas, mudou-se a vila para o rio Surubiú.  

Os dados do IBGE indicam que a população estimada de Alenquer é de 57,390 habitantes distribuídos em um território de 23.645,452 km, sendo o Índice de Desenvolvimento Humano (2010) de 0564, patamar que é considerado médio.  A mesma base de dados indica que a cobertura educacional na faixa até 14 anos é de 95,6%, e a mortalidade infantil é de 34,58 óbitos por mil.

Entre os dias 19 e 20 uma atividade no Campus da UFOPA, junto ao Curso de Gestão Pública, na agenda do III Ciclo de Debates sobre Políticas Públicas. Wanda Monteiro, filha do notório autor, igualmente advogada e poeta, e os professores Gilberto Marques (Economia/UFPA) e Abílio Pachêco (Letras/Unifesspa) colaboraram na primeira mesa de debate, que residia em refletir sobre economia, sociedade e natureza na obra de Benedicto Monteiro, 59 anos após a sua prisão no território quilombola de Pacoval, durante a ditadura empresarial-militar, em 15 de abril de 1964.  Acesse o diálogo AQUI

Será o Benedicto?

Benedicto Monteiro. Fonte: redes sociais

Apesar da família abastada e dona de terras, o socialismo servia de farol para o político. Ao tomar possa das terras da família, as compartilhou entre trabalhadores rurais de Alenquer. A opção política provocava tensões no seio familiar.

Monteiro correu o mundo em busca de formação. Idos das primeiras décadas do século XX, no Rio de Janeiro fez par com o marajoara Dalcídio Jurandir - igualmente comunista - após ter sido convidado a sair da casa do tio (um militar) por conta da sua opção política, recupera Abílio Pachêco, em perfil sobre o autor, em tese apresentada na Universidade de Campinas (Unicamp), em 2020.   No mesmo documento, o professor realça que Monteiro foi convidado por Marighela a engrossar as fileiras da luta armada. Acesse  a tese AQUI 

As informações aqui elencadas sobre Monteiro possuem como fonte dados sistematizados por Pachêco, que recupera que em as atividades na condição de advogado ou em campanha política, o ximango autor registra em gravações relatos dos trabalhadores. Nestas incursões ao longo dos anos reuniu mais de 100 fitas gravadas. Fitas k7 e um número expressivo de fichamentos sobre a linguagem local.

O horizonte residia em coletar informações para a produção de uma dissertação sobre o falar loca, e assim pleitear uma vaga no magistério superior.  Pachêco sublinha que todo esse material foi apropriado pelos militares, e nunca foi restituído ao autor.  A sanha contra o saber é de velha data.    

Preso, Benedicto fez da reclusão do cárcere o tempo para refletir e formatar narrativas e forjar personagens, a exemplo de Miguel dos Santos Prazeres.   Privado do assento político, o alenquerense fez da literatura a sua bandeira.

O Museu de Alenquer

Não há energia elétrica na casa. Por falta de pagamento o serviço foi suspenso. O fato é recorrente em cidades que possuem essa modalidade de equipamento de cultura. O Museu do Marajó que o diga. A casa da foto abriga o museu de Alenquer. Ele possui um acervo bem bacana de livros, fotos, equipamentos antigos das áreas de saúde, comércio e algumas peças indígenas.

Frente e interior do Museu de Alenquer. Foto: Rogerio Almeida

Proseamos por horas com o senhor Nivaldo, o zelador do espaço. Um autodidata que adora História. Falou coisas sobre os intelectuais da cidade, em particular sobre Benedicto Monteiro. Mas, também de outros, a exemplo do Aldo Arrais, professora Raimunda Brilhante, Joaquim Bentes.

Nivaldo lembra que quando em Alenquer, Monteiro mantinha contato constante com os setores populares.  Ao notar a segregação social com trabalhadores e negros na cidade, criou um time de futebol com inspiração socialista, e junto com os moradores, nasceu assim o Internacional, uma referência ao hino comunista. Ainda hoje o prédio existe na cidade.

Bem antes da China se consagrar na geopolítica como uma nova força mundial na arena de poder, peças provenientes de Taiwan já eram encontradas no Baixo Amazonas, a exemplo de um moedor de gelo. 

Moedor de gelo. Peça do Museu de Alenquer. Foto: Rogerio Almeida

Outra relíquia encontrada no museu é uma espécie de purificador de água. A operação levava mais de 24. Foi uma ação na área de saúde da Spvea (Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia), que precedeu a Sudam (Superintendia de Desenvolvimento da Amazônia). Medida das políticas do tempo de Vargas, o primeiro a elaborar políticas de desenvolvimento para a Amazônia.

Purificador de água. Peça do Museu de Alenquer. Foto: Rogerio Almeida

A Despedida

Avisei a Nivaldo que andar de bermuda de vastos bolsos era uma estratégia para subtrair livros por onde ando. Ele respondeu" sua aparência não deixa dúvidas". A brincadeira foi sucedida por risos. Nivaldo zela pelo museu de Alenquer. Dele ganhei dois livros e a licença para escanear um terceiro.

Noutro encontro na casa professora Raimunda Brilhante foi agraciado com mais dois mimos. Tenho fé: um livro muda vidas. Agradecido demais pelos mimos. Voltarei, cuidado com o acervo da casa Nivaldo. Fitei com apreço o livro do Lúcio Flávio Pinto sobre o Projeto Jari.

Encaminhamentos – estamos a matutar ações em celebração ao centenário de Benedicto Monteiro.

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