terça-feira, 18 de março de 2025

Rinaldo, o pescador de Oriximiná



Imagem: orla da cidade de Oriximiná/PA

Juriti e Oriximiná integram a geografia do Baixo Amazonas paraense. Elas distinguem-se de outras cidades da região por pelo menos dois fatos. O primeiro por terem nomes de origem indígena, ao contrário das demais, que foram batizadas com homônimos de cidades lusas, a exemplo de Santarém, Óbidos, Almeirim, Alenquer, Monte Alegre, Faro e Terra Santa, entre outras nomeadas nos estados do Pará e no Maranhão.

Um marcador colonial dos tempos do marques de Pombal no afã em o “modernizar” a região, onde uma das ações residiu em reativar o mercado de africanos escravizados, a partir da criação de companhias de comércio, a exemplo do modelo inglês.  

A exploração mineral é o outro elemento. É justo este componente que as tiraram do anonimato e a catapultaram a integrar o mapa-múndi como exportadoras de produtos primários aos principais centros econômicos do mundo, outro elemento de subordinação.

Bauxita é o minério explorado. Ele é transformado em alumina em processo químico, que em seguida é transformada em lingotes de alumínio a partir de processos de metalurgia.

O município de Barcarena, nas proximidades da capital do Pará, abriga as maiores plantas industriais da América Latina da cadeia de alumínio, a Albras e Alunorte. Por conta de abrigar inúmeros projetos industriais e portos, o município ganhou a alcunha de “Cubatão” do Pará. Um prato cheio para a COP. Ele coleciona crimes ambientais de toda ordem cometidos pelas grandes corporações. Em sua maioria impunes.

Faz pouco mais de duas décadas que Juruti experimenta a exploração de bauxita. A operação é realizada pela empresa estadunidense Alcoa. Uma das maiores do mundo. Assim como outros grandes projetos instalados na Amazônia, a iniciativa é eivada de abusos de poder do capital contra as populações locais.

Em Oriximiná o minério é extraído desde os anos de 1970. É creditada à atividade um dos maiores crimes ambientais na Amazônia, o despejo de resíduos por anos no Lago do Batata. Crime apagado da linha do tempo da Mineração Rio do Norte (MRN) em seu site, recheado de ações enquadradas como de responsabilidade social ou algo que o equivalha.  

Após passar por várias mãos, Vale, desde a sua origem na ditadura civil-militar, quando ainda era uma empresa pública no Programa Grande Carajás (PGC), a norueguesa Norsk Hidro, recentemente a suíça Glencore  assumiu o controle acionário (45%) das ações, seguida pela australiana Sout32, com 33% e o conglomerado anglo-australiano, Rio Tinto, com 22% das ações.

A Rio Tinto também opera em Barcarena, coleciona um rosário de crimes ambientais, que comprometem a reprodução econômica, social, política e social das populações da região. Além de comprometer a segurança alimentar e toda uma cosmologia local.

Todas operam em vários países e um possuem um robusto histórico de violações de direitos humanos, crimes ambientais entre outras externalidades negativas. O saque estrutura a operação.

Via de regra a mineração não promove uma relação no local da extração. Pode-se sinalizar para uma acumulação originária, onde o Estado cede o subsolo, promove a renúncia fiscal, financia e possibilita a infraestrutura, onde a maioria dos empregos são precarizados, e ocorrem quando da instalação do projeto.

 A massiva migração em busca de oportunidade, tende a pressionar as limitadas estruturas dos municípios, que por algum tempo conseguem incrementar a arrecadação do ISS (Imposto Sobre Serviço). Uma equação perversa da pilhagem em todos os quadrantes.

Em setembro do ano passado a MRN anunciou a obtenção de licença prévia para operar em outros platôs nas cidades de Oriximiná, Terra Santo e Faro no escopo do Projeto Novas Minas (PNM). O investimento estimado é de R$5 bilhões reais para uma produção média de 12,5 milhões de toneladas/ano.

Estes dias pesquisadores de universidades da Suíça e da Inglaterra realizaram um intercâmbio no sentido em conhecer a região e promover um intercâmbio com representantes das comunidades afetados pelos empreendimentos da MRN, discentes e pesquisadores da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará).  

Nas planilhas, planos, programas e políticas desenvolvimentistas, o horizonte é consolidar a região como um corredor de commodities. Modal de transporte (rodovia, hidrovia, ferrovia), portos e geração de energia são alguns dos projetos. Uma vez mais, uma integração subordinada.

Rebojos de um passado que não passa, em terra de aguda presença de civilizações complexas antes de Colombo baixar no Novo Mundo, que abriga o registro considerado mais antigo da presença humana na Amazônia, a Caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre.

Indígenas, remanescentes de quilombolas, extrativistas, entre outras categorias enquadradas como tradicionais espraiam-se em diversidades modalidades de territorializações, diuturnamente ameaçadas por projetos de infraestrutura, mineração, agricultura capitalista. Vidas constantemente ameaçadas, a exemplo do pescador Rinaldo. 

Rinaldo, o pescador de "Ori"

Pacu, tambaqui e tucunaré foram as espécies que Rinaldo logrou pegar esses dias. Ficou umas noites no corre. Cumpre a missão em uma  bajara. Uma embarcação típica da região. Nem grande, nem pequena. Usa aquele motorzinho. Mas, sempre carrega remo.

Sabe de cor e salteado as manhãs do universo da várzea que viceja por entre o Amazonas e o Trombetas. Bandas de Oriximiná. Baixo Amazonas, oeste paraense. Ori é terra de aquilombação. Um mundo de cachoeiras de pretas e pretos fugidos da opressão. Sabença de mocambos.  Ainda hoje são consultores para quem visita o lugar. Cachoeira não é para qualquer um.

O pescador arreceia os dias presentes:  “Foi uma seca no rabo da outra. Uma tristeza só. Os peixes tudo miúdo. Sem plantas para comer. A morrerem nos lagos. A gente tem que viajar mais longe para conseguir um peixe melhorzinho num calor de lascar”.

A gente gasta mais tempo, combustível, gelo e rancho, assim  Rinaldo  traduz os efeitos extremos que precipitam sobre o Baixo Amazonas, o oeste paraense ao longos dos recentes anos.

Rinaldo é pescador de ofício. Soma mais de 60 invernos. Destes, 40 como cabra do riomar das águas barrentas das bandas de cá. Faz uns três dezembros que celebra a aposentadoria. Orgulha-se de sempre ter contribuído com a Colônia de Pescadores. Pura sabença do mundo da várzea.  Ele não tem a compreensão exata do que sucede a COP 30 de Belém.

Mas, sabe muito bem da sofrência que é a vida dos seus em tempo de seca. Um dó que é não ter água boa de beber. Água limpa de banhar. Água de zelar pelo espititual. E, tudo na mais robusta bacia hidrográfica do mundo. 

O corpo esguio resulta da labuta e da dieta à base de peixe.  Ele rejeita carne vermelha e não nutre muito afeto pela carne de frango.  Sempre que possível devota uma breja.

Em certa manhã invernosa da cidade irrigada pelo Amazonas e Trombetas, trombei com ele a matar uma cerveja no comério Cajueiro. Nas proximidades da Praça Centenário. Nem longe. Nem perto. Umas três quadras de lonjura. Usa uma dessas camisas que são negociadas como que se tivesse recurso de proteção de sol. Boné e óculos escuros completam o figurino.

10h da manhã. Já vendeu os peixes que conseguiu pescar após uns dois dias de missão. Tucunaré, Pacu e Tambaqui em pencas. Não há atravessador do negócio do Rinaldo. Em uma bicicleta sambada de guerra ele negocia diretamente com o freguês. Quando a pesca é das boas, faz duas viagens com as pencas de peixes. Atende fiado. Assim como  tem caderno no comércio Cajueiro.

Rinaldo fez uns 12 barrugudin. Tem orgulho em ter conseguido encaminhar a todos. Fala das crias todo pávula. Mora às proximidades da bodega, que se avizinha a um porto de gasolina. “ A mulher topava qualquer parada. Mesmo depois de parir corria o trecho comigo. A gente carregava o barrigudin junto.  Seja para pescar ou catar castanha”, conta.

Rinaldo é cabra de ciência. Sabe de trás para frente o quanto tem de adquirir de combustível, gelo e mantimentos. Fruto de conhecimento acumulado ao longo de décadas. Tem as manhãs de que é quando o rio cobre o ingazeiro que o peixe tá melhor. “ Quando o rio sufoca  a várzea tá tudo certo. O peixe fica bonito”, festeja.

Tatauari, Marajá, Loiro, Socoró, Tarumã e Pixuna, entre outras espécies integram o cardápio dos peixes, ensina Rinaldo. Aqui conheço tudo. Corro o trecho: reserva do Paruru, Volta do Mutum, Ilha das Pombas e por aí vai.

Na viagem vai linha, rede, tarrafa e arpão.  O arpão é uma defesa. Se jacaré tá na tua rede, você cega ele. Tem chovido bem. Mas, ainda não tem fruta caindo.

Um amigo se achega. A pilhéria desenvolve. O amigo é do Amapá. Conta causos de caranguejos e siris.  Associam o chupar caranguejo e siri ao ato sexual de acarinhar a xota da amada. O cantinho explode em risadas. O pescador tem orgulho de ainda trabalhar. Esclarece que negócio é só. Não anda de cambada. E, nunca teve problemas com a secretaria do meio ambiente ou com o Ibama.

Quando necessário, Rinaldo se defende como pedreiro e adora celebrar a vida. Gosta de cantar. Em nosso prosear recordou de sambas de Chico da Silva, um poeta de Manaus. Com sucessos gravados entre outros artistas, por Alcione, a exemplo de Pandeiro é meu nome.

Ao bater as mãos, Rinaldo relembra entre risos umas estrofes:

Falaram que meu companheiro
Meu amigo surdo parece absurdo

Apanha por tudo
Ninguém canta samba
Sem ele apanhar

Não ouviram que seu companheiro
Amigo pandeiro
Também tira coco do mesmo coqueiro
Apanha sorrindo pra povo cantar

terça-feira, 4 de março de 2025

Marabá 40º: documentário alerta sobre crise climática

O registro do professor Thiago Martins adota como recorte temporal a instalação dos grandes projetos anos de 1980





Bem antes do tema meio ambiente ser alçado à pauta no conjunto da socidade, e palco de disputas por variados setores, já na década de 1980, na transição política, nas paragens do sudeste do Pará, a questão ambiental inquietava um grupo de pessoas articuladas em torno do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), ONG sediada na cidade de Marabá.

Os tempos eram marcados pelo avanço do grande capital sobre a floresta sob a ideologia desenvolvimentista amparada na ideia de polos de desenvolvimento.

Nesta direção exploração de madeira, pecuária, extrativismo mineral e geração de energia foram alçados como prioriidades. Tempos do Programa Grande Carajás, na época, classificado como a rendenção do país.  

O modelo concetrador de terra e renda, socializou entre a sociedade toda ordem de passivo social e ambiental. Assim, a região consagraou-se como o locus onde mais de mata gente na luta pela terra, trabalho escravo e desmatamento.  Situação que se agravou quando da efetivação de um polo de produção de ferro gusa.

O documentário Marabá 40º, do professor Thiago Martins, recupera uma fração neste período e atualiza com os dias atuais. Educadores, trabalhadores rurais, moradores das periferias integram a polifonia do registro.

O documentário aponta como as altas temperaturas que tem tornado quase que inabitável a vida localmente, bem como as constantes secas, que comprometem a reprodução econômica, política, social e cultura do diverso universo camponês da região. 

Os relatos advertem sobre as dificuldades na produção das roças com a agravamento a cada ano das crises climáticas, os problemas de saúde provocados em idosos e crianças.  Espia AQUI


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Rumo à Oriximiná.....

E lá vai a gente travez...agora via fluvial, rumo à Oriximiná, por entre os rebojos do Amazonas, Trombetas... Território de aquilombação, que desde os anos de 1980 experimenta as mazelas da mineração. Não ocorrendo nenhum problema, conseguimos chegar às 19h.

A lancha é de fibra, que reduz pelo menos pela metade a jornada realizada pelos barcos convencionais, estimada em 9, 10h. A depender das intercorrências da natureza ou de problema técnico da máquina. As lanchas, as balsas de soja, os barcos convencionais, os ferryboats e navios encarnam diferenciação/ totalidade dos circuitos concorrentes: o do  grande capital e da economia local.

Um navio acabou de cruzar o nosso caminho. Nas Amazônias, há sempre um navio a cruzar o caminho. Quando não, um trem, carretas bitrem. Tempo agoniado. Ao contrário da lancha que faz o trecho para o município de Alenquer, a que leva até Oriximiná o serviço de internet exige uma taxa extra além da passagem. Ainda que as lanchas sejam da mesma empresa. Tá certo isso Arnaldo??

Um colega de firma informa que esteve em Almeirim. 20h a viagem em barco convencional. Já estive por lá. A cidade abriga um grande empreendimento de plantas exóticas para a produção de celulose. Trata-se do Projeto Jari, implantado nos anos 1960.

Uma parada da ditadura a favorecer o multimilionário Daniel Ludwig. Lúcio Flávio Pinto assina uma obra sobre o infortúnio. Já em 1930  Ford há havia sentado praça nas paragens. Francisco de Assis Costa argumenta tratar-se da primeira experiência essencialmente capitalista na Amazônia.

Ao longo de quase 100 anos, o capital sentou praça na região. A questão mais recente são os portos nos municípios de Santarém e Itaituba.  Tudo em total indiferença às leis. Vale o muque do capital. O interesse privado em detrimento do interesse público.  

Um exemplo vale ser sublinhado, o caso do porto da Cargill no município. Ele foi erguido na força bruta sem respeitar os procedimentos de licenciamento ambiental, e apossou-se de parte de um sítio e de uma praia.  Os cardeais da Ford, Jari e Cargill nunca pisaram em terras “selvagens”. 

A lancha é confortável e limpa. O ar-condicionado funciona. Assim como as tomadas para os equipamentos eletrônicos. TVs exibem filmes aleatoriamente. Agora tá passando Rei Leão.

Parada em Óbidos. Comenta-se que é o carnaval mais animado da região. Alojamento é disputado na peixeira e no tapa. Todavia, antes de tudo é a terra de Inglês de Souza. É mister visitar a sua obra para a compreensão sobre as conformações de poder no século  XIX.

Trata-se de literatura de verve sociológica. Ainda que de feição conservadora, nela podemos compreender as estruturas de poder daquele período: senhores de terras, fazendeiros de cacau, senhores de escravos, a Igreja, a Junta Governativa e toda ordem de preconceito contra a Cabanagem e seus protagonistas, que levantaram-se contra todas as formas de abusos das estruturas coloniais e de hiper exploração.

Coronel Sangrado, O Cacaulista, Contos Amazônicos e O Missionário são alguns dos livros do jurista e político, que desde cedo pegou o beco da região. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Assim como Veríssimo, seu conterrâneo e contemporâneo.

Perto das 19h o sol ainda teima no horizonte. Estamos prestes a aportar em Oriximiná. O fim da linha do destino da embarcação é em Trombetas, que abriga o projeto de mineração. Nestas paragens a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com outras estrangeiras faz uma debate sobre as mazelas da atividade. Uma toada colonial.

Daqui a pouco Docinho chega. Daqui a pouco a gente volta para a base. E, pega o rumo para outra latitude do estado, quase sempre marcada pela  racionalidade do saque. Desde tempos imemoriais. 

Oxalá, a turma seja legal. A turma é legal!!! É carnaval!!! Tem gente de tudo que é lado. Até daqui dos costados. 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Anapu/PA: 20 anos após a execução da Irmã Dorothy, a violência persiste

Anapu (PA) mudou menos do que deveria 20 anos depois do assassinato, a mando de grileiros, de Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005. Desde então, apesar da atenção dada pelo governo federal e a intensa comoção internacional com a morte da missionária americana, outras 21 pessoas foram assassinadas no contexto de luta pela terra no município, localizado a 375 km em linha reta da capital Belém. Leia a íntegra da reportagem da Agência Pública


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Transamazônica: relatos sobre uma desventura entre a Ladeira da Véia e a Ladeira do Sabão

 

Proximidades da Ladeira do Sabão, entre Uruará e Placas/PA. 

 “Eu conheço cada palmo deste chão”, dispara Renato Teixeira, na canção Frete.  A música fez parte da trilha sonora da série de uma TV de amplitude nacional. Os atores Antônio Fagundes e Stênio Garcia encarnavam uma dupla de caminhoneiros. O mote era alumiar as aventuras e desventuras dos carreteiros país afora.  Tempos idos do século passado.

Ao contrário de Teixeira, embananando-me em metro quadrado. Perco-me em guia de meio fio. Meia vida. Meia morte. Ave Maria, Nossa Senhora de Nazaré. Silencio quando o tempo era de falar. Tagarelo, quando o prudente seria silenciar. Meto os pés pelas mãos. Misturo alhos com bugalhos. Arrisco a mão em cumbuca.  Confundo mulher com parafuso. Desconheço sotaques, e se, por acaso, deixei saudade pelos lugares por onde andei. Uma hecatombe bípede a pleitear vaga em Circo de Soleil, em resumo.

Ainda assim, um ás em driblar a escassez, escapar de malária, peixeira, febre amarela, olho grande, praga alheia, sarampo e bala.

Por estes dias, danei-me de saudades dos meus e cai no mundo. Um tombo. Um tonto. Com    numerário contato, meti o pé de Santarém a São Luís. Sertão amazônico para o litoral nordestino. Entre busão (Santarém-Marabá/PA) e trem (Marabá/PA-São Luís/MA), umas 40h de trecho. Sei lá quantos km enfrentei.  Boa parte percorrido pela Transamazônica, a entrecortar as bacias Amazonas/Tapajós/Xingu e Tocantins-Araguaia.

A rodovia foi coisa de milico, como saída para a integração física e subordinada da região. Entregação capital.  Riqueza de poucos, miséria de muitos, foi a equação. A opção virou a região pelo avesso. Reconfigurou feições econômicas, políticas, sociais, culturais e territoriais. Sobre os 50 anos da rodovia, o Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina produziu um belo caderno que busca debulhar a desgraceira.  

E por falar em desgraceira, a seguir, apresento um pequeno relato da minha via crucis sobre jornada de “revortê” para casa. Segue assim, como foi concebido dentro do busão e disparado em rede social.

09/02/2025. Ladeira da Véia. Bandas de Pacajá. Faz umas 3h e uns quebrados que estamos impedidos de circular. Crianças choram, cachorros latem. Adultos irritados, idosos exauridos. Alguns insultam os governos. Nenhuma birosca perto. Um morador relata que passaram a máquina ontem. Com a chuva, tudo virou lama. Puro barro. Impossível circular. Os letrados no assunto recomendam prudência. Faz-se necessário esperar secar um pouco mais a terra. Por enquanto, os veículos somente descem a ladeira. Somente os mais destemidos encaram a subida. Uma garoa se pronuncia. A internet e os carregadores de celular operam no busão.  O que permite a comunicação com parentes e a distração dos passageiros. Não fosse isso, espancariam o motora?

Ladeira da Véia, Pacajá/PA

09/02/2025. Via de regra, os motoras que encaram as estradas da Amazônia são craques. Passados na casca no alho. Todavia, no inverno, o bagulho fica mais complicado. Assim, estamos com o carro preso na lama entre Uruará e Rurópolis, a aguardar algum encantado para ajudar.  O carro quebrou por volta de 3h da manhã. Nenhuma birosca nas proximidades. Queria espiar o sinistro da Educação do Pará neste rolê. E, por falar nele, indígenas, quilombolas e trabalhadores da educação ocupam a Seduc em levante contra absurdos da pasta. Rossieli e Helder meteram goela abaixo um lei que fere de morte a modalidade de ensino modular. Tá bonito o movimento. Impossível não relacionar com a Cabanagem. Guardados contextos e proporções. "Nada sobre nós, sem nós", defende um tema de ordem. E, assim, a COP 30 começou....

10/02/2025. O carro atolado/danificado. Eu a pensar em banho, em uma bela farofa, um café quente, dengo da companheira e a euforia do cachorro e das plantas do quintal.

10/02/2025. Até os carrapatos dos bois das terras griladas/afanadas sabem que é sinistro esse período em vários trechos das estradas do Pará. Existe até mapa dos pontos mais delicados. Sabendo disso, o que impede o poder público, e mesmo as empresas em desenharem uma estratégia de socorro??? Interessante seria os executivos e governantes experimentarem o quão desumano é a jornada. 

10/02/2025. O motora é natural do Amazonas. Corria Manaus-Boa Vista. Tinha 14 anos de firma na carteira. Colecionava algumas experiências com assaltos. Já levou coronhadas de pistola e fora vítima de facada. Exibe-se para uma dama rechonchuda. Em um dos assaltos, policiais executaram três miliantes. Um deles mantinha a peixeira nos costados do condutor, até que o policial alvejou a cabeça do assaltante. "No Amazonas coleciono mais de 30 experiências com assaltos", conta sem muito entusiasmo. Ficou traumatizado.  Tomou remédio para ansiedade.  Por conta dos traumas, ficou a correr somente no perímetro de Manaus. Mesmo, assim, sempre que alguém com ares que ele considerava elemento suspeito adentrava a viatura, o motora parava o carro e corria a rumo ignorado.

Contudo, foi a praga de um amor que o feriu de morte, deixando o seu coração em migalhas. Morto de paixão por uma paraense, largou tudo e mudou para Pacajá. O amor já tinha um filho, resultado de outro enlace. Ela estava separada há dez anos quando consagrou matrimônio com o motorista. Ele narra que ao mudar para o Pará, não tardou alguns meses, a moça voltou para o ex-marido. O motora largou tudo. Mudou para Santarém. Na véspera de embarque de volta para Manaus, foi chamado pela empresa Ouro e Prata. Ele diz que odeia correr o trecho de Pacajá. O coração fica mofino de saudade da pessoa que o deixou com o coração em desgraça. O amor é de morrer. O amor é de matar. " O pior é que ela já viajou comigo algumas vezes. Pense num mundo sem graça", relembra. Novamente apartada do pai do primeiro rebento, ela pediu perdão ao motora, e rogou por reconciliação. Ele não topou. Ela voltou para Manaus. Ele espera em breve largar a nova firma e seguir o mesmo rumo. Não aguenta mais tanto risco.  Murro em ponta de faca.

10/02/2025. A logística da Ouro e Prata lembra a gestão do general "Pançuelo" na saúde durante a pandemia do desgoverno daquela praga nacional que recuso em registrar o nome: um desastre. O motora consultou a central do RS, que não autorizou a viagem por uma via alternativa, a Transuruara, recentemente asfaltada. Trata-se de tradicional trecho de saque de madeira e outros crimes. 

10/02/2025. A jovem do banco da frente mora na roça, em Altamira. O motora a mede com a gula de um retirante de crise climática.  É do Maranhão. Maranhense abunda em terras Paroaras. Eu mesmo sou da terra do poeta Ferreira Gullar. A jovem boleada, com as gordurinhas a escaparem das vestes, tem como destino final a cidade de Manaus. O senhor ao meu lado também vem da mesma cidade que a jovem da roça. Ele vai para Sinop/MT, onde deve ficar uns três meses. Assim como a realidade de outros municípios amazônicos, a cidade do Mato Grosso encarna um “case” do exercício de grilagem.  Tanto que o próprio nome do município remete à empresa de colonização dos tempos da ditadura civil-militar.

Voltando......O cabra já morou por lá. Por conta de envolvimento com drogas do rebento mais novo, voltou para Altamira. A mulher zangou com ele. Em Sinop considerava a vida menos aperreada. O casal tem três filhos. Ela desejava internar a cria em clínica de reabilitação. Ele ponderou que o melhor remédio seria o amor, o zelo. Ele conta que a cria já melhorou bastante. E sobre as birras e ciúme da “conge”, recomenda dose cavalar de paciência. " Não for assim, a gente aparta um do outro", acredita o viajante da poltrona ao lado.

11/02/2025. Nesta modalidade de corre de lonjuras hercúleas em terras Paroaras, o recomendado é andar armado. Tudo pode acontecer. Eu nunca viajo sem carregar em meu embornal pelo menos uns quatro livros. A depender do bus e da estrada é possível ler sem risco do descolamento da retina e dos óculos despencarem das ventas. Nesta desventura que experimento desde sexta-feira, carreguei duas obras de Benedicto Monteiro. Trata- se de releituras ambicionando um possível artigo. Minossauro e Transtempo são os livros. Para distração carrego dois livros de contos de Rubem Fonseca. Um craque no riscado. Foi “puliça”, entre outras ocupações.  Dele, trouxe Pequenas criaturas e Axilas e outras histórias indecorosas. Já li todos. Nestas andanças amazônicas que somam quase 30 anos, é a primeira vez que fico tanto tempo retido no meio do nada. Nenhuma birosca à vista. Bico seco. Só na água. Acho que vou reler o livro das Axilas. Há umas sacanagens bem legais. Inspiradoras.

11/02/2025. O motora informa: estamos na melhor parte da estrada. Lá na frente tem a Ladeira do Sabão!!!

11/02/2025. As senhoras do busão: a primeira, toda pávula fala para a segunda que o único problema que possui é a gula. 60 e tantas primaveras. Toda serelepe. A segunda com mais verões nas costas reclama de fibromialgia e algumas hérnias. A terceira parelha a segunda em primaveras. Tá indo para o Detrito Federal tratar um câncer. Há também crianças. Uma quase viajou sozinha. Em Altamira, o motora agoniado com o atraso, deixou a mãe que fora pegar o de comer para o bebê. Avisaram o condutor, mesmo assim ele seguiu, parando alguns metros adiante. 20 minutos depois a mãe alcança o bus, e arreia indignação contra o motora. Dispara que vai fazer B.O e meter processo na firma. Tomara que cumpra a promessa.

11/02/2025. 10h depois do bus atolar na estrada, chega o socorro, outro bus. Que capacidade.....!!! diria o cronista esportivo.

11/02/2025. Enquanto isso, na Ladeira do Sabão.... Momento de fé... mensagem na traseira de caminhão baú. Ainda sem nenhum vestígio de alguma birosca que possa socorrer a todos nós. “DEUS é tão generoso que te dá a liberdade de plantar o que você quiser. Mas, ele é tão justo, que você colhe somente o que PLANTOU”.   Pelas bandas de cá, o grilo predomina. Assim como as cercas e o gado. “A cerca que cerca o gado é a mesma que cerca a fome”, assim versou César Teixeira, poeta maranhense. A cerca, o gado, o grilo, conluio de grileiros e policias notabilizou o Pará como o estado onde mais se mata em pelejas na luta pela terra. Em fevereiro, soma 20 anos da execução da agente da CPT, Dorothy Stang. Crime ocorrido em Anapu. Mortes de dirigentes sindicais precederam o assassinato da missionária. A exemplo dos casos de Dema e Brasília. Oh Deus, onde estais...?

Mensagem de fé de caminhão baú. Ladeira da Véia, Pacajá/PA

11/02/2025. Ladeira do Sabão. Há um carro atravessado no meio do caminho. No meio do caminho há um carro atravessado. Um trator opera a remoção. Neste período do ano, por estas bandas do Norte, o trator é o rei.

11/02/2025. Em condições normais, eu já estaria em casa desde o café. Saudade do meu dengo, do abraço estimulador de ocitocina, farofa, café com pão e a alegria do Boroo, nosso cão. Não fosse a minha lesera e o cansaço, eu teria atentado para o aviso da moça da Ouro e Prata, em Altamira. A jovem, antes do bus partir, anunciou que daqui a mais três horas, um outro carro chegaria e iria pela Transuruara. A rodovia asfaltada recentemente.  Ninguém desceu. O receio era a demora. Mal sabíamos que ficaríamos por mais de 15 horas na Ladeira do Sabão.

11/02/2025. Diário de bordo da Ladeira do Sabão.  Passageiros buscam frutas na floresta. É possível avistar algumas mangueiras. Ao redor, castanheiras persistem. A questão é quebrar o ouriço. O ouriço é tão bruto quanto a vida. Há um busão quebrado obstruindo a passagem. Estamos a aguardar um trator que foi remover outro busão mais adiante. Estamos nesta situação desde às 3h da manhã. Soa que o motora vai encarar o desafio. Oremos ...não tá chovendo.

Pés de lama, após empurrar o busão. 

11/02/2025. Diário de bordo da Ladeira do Sabão. Faz 13h que estamos retidos. Transamazônica. Entre Uruará e Placas. Apareceu um carro do DNIT. Não se vale de alguma coisa. Ainda há um cadinho de água no busão. Tecnicamente, não é possível fazer nenhuma previsão de quando seguiremos viagem. De onde estamos, conseguimos enxergar outros veículos parados mais acima. Única notícia razoável é a ausência de chuva. Ao menos por enquanto. Uma trupe de três patetas não cessa em gravar o esforço dos motoras em encarar a péssima rodovia. Um tá fantasiado de patriota. O motora acaba de renovar o estoque de água. Pelo andar da carruagem, ou seria o contrário? Não conseguirei chegar em casa ainda hoje.

11/02/2025. Nestas lonjuras, sem única birosca para nos socorrer, um pequeno trator é o rei. Tenho sede/fome de boca, breja, priquito, café, comida quente......

11/02/2025. Diário da Ladeira do Sabão. Carretas, carros miúdos, caminhões baú entre outras modalidades estão reféns da lama. Nestas lonjuras, o trator reina. Alguém informa que os jovens da gravação são do canal: inverno amazônico ou algo parecido. Tomei uma decisão que parece razoável, embarcar em micro-ônibus e voltar para Uruará. E, em seguida, tomar outro transporte que vá por outra via. No caso, a Transuruara, reconhecida região de exploração ilegal de madeira. Nunca fiquei tão contente em rever a cidade. Já consegui assear os pés cheios de barro. E até peguei uma breja, ainda que não seja do meu agrado e uso rotineiro. Ao menos por cá há biroscas e equivalentes... após mais de 13h de martírio....

Ladeira do Sabão. Entre Uruará e Placas/PA

12/02/2025 Então, como findou a via crucis na Ladeira do Sabão, indagaram algumas pessoas. Lá vai... após umas 14/15h de martírio, decidi tomar – quase de assalto – o primeiro micro-ônibus da Bururé que metesse a cara no local, em direção à Uruará. Isso ocorreu por volta das 16h. Consegui acessar a cidade ainda durante a luz do dia.  Contudo, por conta de inúmeras variáveis, não controladas pelas empresas que fazem a linha para Santarém, só consegui embarcar por volta das 00h30, chegando em casa por volta das 4h.  A Ouro e Prata, que praticamente monopoliza várias linhas, informou pelo menos uns três horários diferentes, que variavam de 20h a 4h da manhã. Antes, porém, foi possível um asseio, a troca de vestes, refeição e umas brejas para aliviar a tensão.  Eu estava na estrada desde a noite de sexta-feira. Vinha de São Luís, onde fui visitar Mainha e demais entes da família, posto não ter conseguido ir na quadra natalina. Como a tarifa do transporte aéreo é algo impraticável, a saída foi o transporte multimodal: trem e busão. A merda toda foi que deixei todo mundo preocupado: o meu Dengo em Santarém e a família em São Luís. A boa, a colheita de relatos para compor uma crônica.  Repousar um cadinho, que daqui a pouco tem aula.

PS: Os restaurantes, lanchonetes e hospedarias encarnam um capítulo a parte nestas desventuras. Todavia, como ficamos presos entre o nada e lugar nenhum, não foi possível o registro. Já o fiz em outra ocasião. Tentar recuperar qualquer dia desses e socializar por aqui.

  

 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Dênis de Moraes, presente! José Paulo Neto celebra o amigo em artigo no site da Boitempo

Milton Temer, José Paulo Netto e Dênis de Moraes no final de 2024, último encontro dos três
Foto: Leila Escorsim.


Decerto que lerei hoje – sábado, 8 de fevereiro – vários necrológios de Dênis de Moraes, dando notícia de seu falecimento no passado dia 6 e de sua cremação na tarde seguinte, no Cemitério do Caju. Provavelmente serão todos elogiosos e verazes: resgatarão a sua carreira de jornalista de texto límpido, a sua impecável formação acadêmica, o seu profícuo magistério na Universidade Federal Fluminense e mencionarão suas principais obras (com destaque para o seu protagonismo no campo da teoria da comunicação e do biografismo). Em suma: com certeza quase absoluta, todos lamentarão a sua morte, com ele mal entrado nos 70 anos, e dirão da imensa perda sofrida pela inteligência brasileiro. Leia a íntegra AQUI

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Dorothy Stang, 20 anos de martírio


 

Lúcio Flávio Pinto lança livro de memórias



Como me tornei um Amazônida: Memórias de um jornalista investigativo na maior floresta tropical do planeta é uma obra marcante que entrelaça as experiências pessoais de Lúcio Flávio Pinto com suas quase seis décadas de cobertura jornalística na Amazônia. Ao longo de 35 capítulos, o jornalista investigativo revela não apenas as transformações da região, mas também sua própria metamorfose de observador a defensor apaixonado da floresta.  Matéria do site Amazônia Real. 


Sobrados, butecos e óbitos

Tachinha bateu o catolé. Crioulo também. Rosa, a filha do poeta Tribuzzi teve o mesmo destino. Em único folego o cabra enfia um obituário noutro. Tanta gente. Muitos não tenho a exata recordação de convivência. Não recordo a aparência. Tempos distantes. Anos de 1980. Muitos simplesmente sumiram.  Uma longaaa lista.

Tachinha era colega de goró. Negro retinto. Derradeira vez que o vi defendia um troco como segurança no banco de sangue da cidade. Uma ironia para um biriteiro dedicado.  Ao passar, ele gritou pelo meu apelido da guarita. Combinamos uma cerveja que nunca sucedeu.

Crioulo já era um senhor prestes a se aposentar quando o conheci. Deveria ter um metro e oitenta de altura. Esguio. Piadista incorrigível. Ainda que radicado no Maranhão há anos, guardava o jeito de antigos malandros da Lapa, do Rio de Janeiro.

Trejeitos expressos no jeito de falar, andar, brincar com os parceiros de bar. Ao ser interpelado por algum colega, sempre retrucava: sóóóóó!

Rosa era alvinha. Filha de um português jornalista e poeta. O pai era próximo ao Sarney.   Fazer parte do reinado da família em certa medida sinalizava boa ventura. A casa da família era generosa. Ficava em frente da residência do poeta Nauro Machado. Reconhecido escrevinhador, traduzido para alguns idiomas.

A funcionária pública acendia um cigarro no fiofó do outro. Uma compulsão. Ela era elemento feminino raro em espaço onde predominava a macharada. Todos a respeitavam. Ainda que cuspissem no chão, coçassem o saco com desenvoltura e despejassem toda ordem de machismo.

Entre os cabras, não havia quem não desejasse petiscar um gomo daquele corpo boleado. Roçar a barba mal feita naquele rosto de bolacha Maria ou beijar aquela boca de nicotina de elevada concentração. Um cinzeiro, praticamente. 

O coração tombou Tachinha e Rosa. Crioulo rodou prestes a somar 90 verões. Morava só. A casa tinha um sistema de vigilância. Não sei se a parentela distante tinha acesso.  O buteco cheira a fim de festa.

Produtos rareiam na prateleira, onde um dia tudo abundava. Inclusive um robusto caderno de fiados. O odor de fungo toma o ambiente onde imperam gambiarras na elétrica e hidráulica.

Naquela manhã um faz tudo passou por lá. Indagou da possibilidade de fazer o reparo das goteiras. Chove a cântaros esses dias. O biscaite não rolou. O comerciante justificou falta de recurso.

O Centro da cidade denota solidão. Mais de cem anos. Sobrados de todos os tamanhos espelham abandono. Tijolos fecham janelas. Paredes possuem seus azulejos saqueados. Alguns prédios metamorfosearam-se em estacionamentos.

Pedintes, dependentes químicos, aposentados, pés inchados, prestadores de serviços sexuais vicejam sobre os paralelepípedos, por entre becos e vielas.  Foram-se as fofoqueiras do Poema Sujo. Teimam alguns pregoeiros. Negociantes de cuscuz e sorvetes típicos.

Uma tristeza sem fim. Tristeza não tem fim.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Acampamento indígena de Belém esclarece manobras do governador Helder Barbalho

A coordenação do acampamento no prédio da Seduc e exige a revogação da Lei 10.820  e a exoneração do secretário 

Foto: @indiazinha.viajante


Os indígenas que ocupam o prédio da Seduc desde o dia 14 de janeiro informam que o movimento de ocupação continua e não houve, até então, nenhum acordo com o governo do Estado.

A agenda do governador Helder Barbalho na tarde de hoje, 3, foi com indígenas alinhados aos órgãos do próprio governo do Estado, alguns inclusive detentores de cargos comissionados. Eles não participam do movimento de ocupação e não têm legitimidade e nem autonomia para negociar a pauta do movimento indígena que ocupa a Seduc, uma vez que possuem estreitas relações com as autoridades que aprovaram a Lei 10.820, e atacam diretamente a educação pública, os povos indígenas e as comunidades tradicionais.

As lideranças que ocupam a Seduc estranham, também, a forma desigual e pouco isonômica com o que o governo do Estado trata os referidos movimentos, considerando que a reunião ocorrida na semana passada, articulada pelo Ministério dos Povos Indígenas, foi sob forte aparato militar, com indígenas sendo intimidados e até impedidos de fazer uso do celular na reunião.

Surpreendentemente, na reunião de hoje com indígenas alinhados ao governo do Estado, o governador Helder Barbalho não exigiu reunir apenas com uma comissão, não fez uma operação de guerra com fechamento do trânsito e aparato militar e nem proibiu filmagens e o uso de imagens, como se quisesse usar nossos povos de forma folclórica e como peça de propaganda governamental.

Os indígenas que ocupam a Seduc ressaltam que, a fim de repor a verdade dos fatos, a Defensoria Pública da União ingressou com uma ação civil pública, exigindo que o governo do Pará seja impedido de propagar informações falsas sobre as negociações com o movimento indígena.

Por fim, os indígenas reiteram o convite para que o governador Helder Barbalho compareça a ocupação da Seduc, que segue em defesa da revogação da Lei 10.820 e da exoneração do secretário Rossieli Soares.

 

Belém, 3 de fevereiro de 2025.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Ufopa realiza webnário sobre ataque à educação indígena



Leia a programação AQUI

 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Paraíso

Não combina a dor com o meu carnaval, ainda que a estrada que leve ao Paraíso seja repleta de armadilhas, percalços e desprovida de asfalto.  É de barro o chão do Eden. Amarelo. Amarelinho, tal as águas do Amazonas.

Águas de chuva, águas de esgoto correm por entre as suas voçorocas da inquietude. Em gesto de teimosia, apesar das imundícies, germinam flores de Amsterdam em alegria. A alegria é um ato de amor, por mais obscuro soe o horizonte.

Noite alta. Corações ao léu, sob o sereno o Homem da Meia Noite e a Mulher do Meio Dia a caçarem o canto para um remanso. Um chamego. Um dengo. A ternura vence o cansaço. Amar é ponte. É potente. O choro da cuíca convida ao baile. Aquece o peito. Gostoso como uma comida quente.

Comida quente é que tem mais sabor. O sabor das bocas em festa não se taxa. Não tem preço. Vale o apreço. É ginga, é malícia, pés descalços. É tesão, é cerveja, é beijo, é calor. Coração aquecido.  Panos quentes cura qualquer dor.

A boca na boca. A boca na nuca. A boca na mama. A boca em todo canto entope o coração de festa. A boca cheia de fome devora o sexo. Dança em rejubilo sobre as cinzas da quarta feira. E, logo cedo, ao invés de café, sorve uma breja ao som de um samba de Dona Ivone. Mas, poderia ser Cartola. 

A madrugada anuncia o nascer do dia. Felinos em telhado de zinco quente a danar em carícias. Naquele momento, nenhuma guerra ali prospera. Importa quase nada a porta do hotel lacrada por lotação, e a outra por negligência. Urge o carinho. Madrugada adentro tonteiam os felinos de rua em busca de abrigo. Chove lá fora.

Todos foram expulsos do Paraíso. É imposto ganhar os dias com o fruto do suor. No Paraíso o amor e o sexo são punidos com o trabalho. O trabalho é castigo. Os felinos conspiram em favor da preguiça. Chamegos e delícias em estandarte mais elevado anuncia o bloco dos irrecuperáveis de afeto.

A madrugada assanha o corpo vencido de amor. Um toque. Um cheiro. O bloco na rua. Ela esguia. Toda nua. Dança. Esquiva-se das nuvens cinzas. Cheiro de sapoti. Carne de caju. Ri, chora, beija, goza. Estrebucha de prazer. Cachaça a lanhar a goela. Pimenta espremida no prato. Égua no cio.

É um querer bem a vida. Em variadas arenas o riso segue a combater o tédio dos dias.

Alvorada, na encruza é uma beleza. Não há tristeza! O sol a tudo colore: pandeiros, terreiros, ancas, risos, folhas, frutos, plantas, ebós, ratos, cães e gatos. 



Fazenda Mutamba: em meio à COP, juiz ordena reintegração de posse em favor de grileiro após execuções de camponeses

Três meses após execução de camponeses pela PM, juiz ordena medida de reintegração de posse em favor de grileiro

Três meses se passaram da chacina na Mutamba promovida pela Polícia Civil do Estado, sob o comando do ex-delegado da Delegacia Especial de Conflitos Agrários (DECA), Antônio Mororó, que de forma covarde, em uma madrugada, dispararam rajadas de tiros contra camponeses pobres sem terra, que dormiam em um barraco, resultando no assassinato de dois trabalhadores, na prisão ilegal de quatro deles e vários outros feridos. Trabalhadores que haviam chegado há poucos dias no local, na esperança de receberem um lote de terra, para morarem e produzirem alimentos.

Mesmo diante de lutas jurídicas travadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), com apoio de organizações de defesa dos direitos humanos, ainda não foi possível processar e punir os policiais responsáveis pelos crimes. O delegado Mororó foi afastado da função de sua função, porém foi promovido a chefe da seccional urbana de Polícia Civil de Marabá, o que gera uma insegurança por parte das famílias que continuaram na área e daquelas que aos poucos estão retomando sua rotina.

Mesmo com as dificuldades nos acessos a área, causadas pelo polícia, com o propósito de prejudicar a locomoção das famílias na área, ou seja, o seu direito de ir e vir, ainda mais agora durante esse período, de chuvas frequentes, o que tem piorado as condições das estradas, muitas famílias já retornaram e estão desenvolvendo suas atividades produtivas, com plantio de culturas temporárias e criação de pequenos, médios e grandes animais, aguardando que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) faça a aquisição da área para fins de reforma agrária.

Tivemos a informação de que a direção do INCRA, em nível nacional, e da Superintendência do Sul e Sudeste do Pará, já demonstraram interesse em resolver o impasse em favor das famílias, que desde o ano de 2005 vêm lutando contra pistoleiros e policiais do Estado para garantirem a permanência na área.

Os advogados de defesa das famílias se manifestaram junto ao Tribunal de Justiça do Pará no sentido de solicitando a suspensão da sentença de reintegração de posse em favor do grileiro, mas o tribunal ainda não se manifestou. Diante da situação, o juiz da Vara Agrária de Marabá, Amarildo Mazute, conhecido como o pai dos latifundiários, mais que depressa, deferiu um pedido feito pelos advogados do grileiro, Aziz Mutran, de CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA, que permite o pedido de reintegração de posse mesmo antes de serem julgados os recursos da apelação.

Ainda mais grave, é a covardia da parte da “justiça”, porque as famílias foram intimadas a desocuparem voluntariamente a área e, caso não façam, o juiz deve marcar uma audiência para determinar a data para a desocupação forçada. Com isto, mais uma chacina, de proporção maior, poderá ocorrer sob o comando do juiz, porque as famílias não estão dispostas a abandonarem suas posses

Diante de mais uma iminente chacina, convocamos todas entidades de apoio a luta pela terra, bem como todos os movimentos de lutas para, de imediato, compormos uma frente em defesa das famílias da ocupação Mutamba, junto com o Comitê de Defesa da Luta Camponesa no Sul e Sudeste do Pará que se encontra em conformação.

Viva luta camponesa! Viva a luta das famílias da Mutamba! Marabá, 17 de janeiro de 2025.


terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Enquanto a COP não vem. Matéria ilumina crônicos problemas do estado do Pará

Grilagem de terras, fraudes e alternativas de desenvolvimento constam na matéria 


Em 2015 quando da realização da COP de Paris, um importante site jornalístico do campo democrático encomendou um trabalho sobre a conjuntura do Pará. Li um volume significativo de documentos, ouvi pesquisadores, ativistas, servidores públicos e educadores entre outros sujeitos.  

Grilagem de terras, violências e alternativas são temas contemplados na matéria, que realça a peleja por um coletivo de sujeitos na missão em efetivar uma política de manejo florestal de base comunitária. Uma iniciativa sabotada ao longo dos governos Barbalho.

O trampo concluído, o site alegou problemas no fluxo de caixa e não o publicou.  A reportagem virou o capítulo 5 do Arenas Amazônicas, vol II. O projeto iniciou em 2017. Ainda falta o vol III, cujo enfoque reside sobre comunicação  do campo popular. Espero conseguir lançar no ano de 2026.

 

Acesse o vol II AQUI