Juriti e Oriximiná integram a geografia do Baixo Amazonas paraense.
Elas distinguem-se de outras cidades da região por pelo menos dois fatos. O
primeiro por terem nomes de origem indígena, ao contrário das demais, que foram
batizadas com homônimos de cidades lusas, a exemplo de Santarém, Óbidos, Almeirim,
Alenquer, Monte Alegre, Faro e Terra Santa, entre outras nomeadas nos estados
do Pará e no Maranhão.
Um marcador colonial dos tempos do marques de Pombal no afã em o “modernizar”
a região, onde uma das ações residiu em reativar o mercado de africanos
escravizados, a partir da criação de companhias de comércio, a exemplo do
modelo inglês.
A exploração mineral é o outro elemento. É justo este componente que
as tiraram do anonimato e a catapultaram a integrar o mapa-múndi como
exportadoras de produtos primários aos principais centros econômicos do mundo,
outro elemento de subordinação.
Bauxita é o minério explorado. Ele é transformado em alumina em
processo químico, que em seguida é transformada em lingotes de alumínio a
partir de processos de metalurgia.
O município de Barcarena, nas proximidades da capital do Pará, abriga
as maiores plantas industriais da América Latina da cadeia de alumínio, a
Albras e Alunorte. Por conta de abrigar inúmeros projetos industriais e portos,
o município ganhou a alcunha de “Cubatão” do Pará. Um prato cheio para a COP. Ele
coleciona crimes ambientais de toda ordem cometidos pelas grandes corporações.
Em sua maioria impunes.
Faz pouco mais de duas décadas que Juruti experimenta a exploração de
bauxita. A operação é realizada pela empresa estadunidense Alcoa. Uma das
maiores do mundo. Assim como outros grandes projetos instalados na Amazônia, a
iniciativa é eivada de abusos de poder do capital contra as populações locais.
Em Oriximiná o minério é extraído desde os anos de 1970. É creditada
à atividade um dos maiores crimes ambientais na Amazônia, o despejo de resíduos
por anos no Lago do Batata. Crime apagado da linha do tempo da Mineração Rio do
Norte (MRN) em seu site, recheado de ações enquadradas como de responsabilidade
social ou algo que o equivalha.
Após passar por várias mãos, Vale, desde a sua origem na ditadura
civil-militar, quando ainda era uma empresa pública no Programa Grande Carajás
(PGC), a norueguesa Norsk Hidro, recentemente a suíça Glencore assumiu o controle acionário (45%) das ações,
seguida pela australiana Sout32, com 33% e o conglomerado anglo-australiano, Rio
Tinto, com 22% das ações.
A Rio Tinto também opera em Barcarena, coleciona um rosário de
crimes ambientais, que comprometem a reprodução econômica, social, política e
social das populações da região. Além de comprometer a segurança alimentar e
toda uma cosmologia local.
Todas operam em vários países e um possuem um robusto histórico de
violações de direitos humanos, crimes ambientais entre outras externalidades
negativas. O saque estrutura a operação.
Via de regra a mineração não promove uma relação no local da
extração. Pode-se sinalizar para uma acumulação originária, onde o Estado cede
o subsolo, promove a renúncia fiscal, financia e possibilita a infraestrutura,
onde a maioria dos empregos são precarizados, e ocorrem quando da instalação do
projeto.
A massiva migração em busca
de oportunidade, tende a pressionar as limitadas estruturas dos municípios, que
por algum tempo conseguem incrementar a arrecadação do ISS (Imposto Sobre
Serviço). Uma equação perversa da pilhagem em todos os quadrantes.
Em setembro do ano passado a MRN anunciou a obtenção de licença
prévia para operar em outros platôs nas cidades de Oriximiná, Terra Santo e
Faro no escopo do Projeto Novas Minas (PNM). O investimento estimado é de R$5
bilhões reais para uma produção média de 12,5 milhões de toneladas/ano.
Estes dias pesquisadores de universidades da Suíça e da Inglaterra
realizaram um intercâmbio no sentido em conhecer a região e promover um intercâmbio
com representantes das comunidades afetados pelos empreendimentos da MRN, discentes
e pesquisadores da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará).
Nas planilhas, planos, programas e políticas desenvolvimentistas, o
horizonte é consolidar a região como um corredor de commodities. Modal de
transporte (rodovia, hidrovia, ferrovia), portos e geração de energia são
alguns dos projetos. Uma vez mais, uma integração subordinada.
Rebojos de um passado que não passa, em terra de aguda presença de
civilizações complexas antes de Colombo baixar no Novo Mundo, que abriga o registro
considerado mais antigo da presença humana na Amazônia, a Caverna da Pedra
Pintada, em Monte Alegre.
Indígenas, remanescentes de quilombolas, extrativistas, entre
outras categorias enquadradas como tradicionais espraiam-se em diversidades
modalidades de territorializações, diuturnamente ameaçadas por projetos de
infraestrutura, mineração, agricultura capitalista. Vidas constantemente ameaçadas,
a exemplo do pescador Rinaldo.
Rinaldo, o pescador de "Ori"
Pacu, tambaqui e tucunaré foram as espécies que
Rinaldo logrou pegar esses dias. Ficou umas noites no corre. Cumpre a missão em
uma bajara. Uma embarcação típica da
região. Nem grande, nem pequena. Usa aquele motorzinho. Mas, sempre carrega
remo.
Sabe de cor e salteado as manhãs do universo da
várzea que viceja por entre o Amazonas e o Trombetas. Bandas de Oriximiná.
Baixo Amazonas, oeste paraense. Ori é terra de aquilombação. Um mundo de
cachoeiras de pretas e pretos fugidos da opressão. Sabença de mocambos. Ainda hoje são consultores para quem visita o
lugar. Cachoeira não é para qualquer um.
O pescador arreceia os dias presentes: “Foi uma seca no rabo da outra. Uma tristeza
só. Os peixes tudo miúdo. Sem plantas para comer. A morrerem nos lagos. A gente
tem que viajar mais longe para conseguir um peixe melhorzinho num calor de
lascar”.
A gente gasta mais tempo, combustível, gelo e
rancho, assim Rinaldo traduz os efeitos extremos que precipitam
sobre o Baixo Amazonas, o oeste paraense ao longos dos recentes anos.
Rinaldo é pescador de ofício. Soma mais de 60 invernos.
Destes, 40 como cabra do riomar das águas barrentas das bandas de cá. Faz uns
três dezembros que celebra a aposentadoria. Orgulha-se de sempre ter
contribuído com a Colônia de Pescadores. Pura sabença do mundo da várzea. Ele não tem a compreensão exata do que sucede
a COP 30 de Belém.
Mas, sabe muito bem da sofrência que é a vida dos
seus em tempo de seca. Um dó que é não ter água boa de beber. Água limpa de
banhar. Água de zelar pelo espititual. E, tudo na mais robusta bacia
hidrográfica do mundo.
O corpo esguio resulta da labuta e da dieta à base
de peixe. Ele rejeita carne vermelha e
não nutre muito afeto pela carne de frango. Sempre que possível devota uma breja.
Em certa manhã invernosa da cidade irrigada pelo
Amazonas e Trombetas, trombei com ele a matar uma cerveja no comério Cajueiro.
Nas proximidades da Praça Centenário. Nem longe. Nem perto. Umas três quadras
de lonjura. Usa uma dessas camisas que são negociadas como que se tivesse
recurso de proteção de sol. Boné e óculos escuros completam o figurino.
10h da manhã. Já vendeu os peixes que conseguiu
pescar após uns dois dias de missão. Tucunaré, Pacu e Tambaqui em pencas. Não
há atravessador do negócio do Rinaldo. Em uma bicicleta sambada de guerra ele
negocia diretamente com o freguês. Quando a pesca é das boas, faz duas viagens
com as pencas de peixes. Atende fiado. Assim como tem caderno no comércio Cajueiro.
Rinaldo fez uns 12 barrugudin. Tem orgulho em ter
conseguido encaminhar a todos. Fala das crias todo pávula. Mora às proximidades
da bodega, que se avizinha a um porto de gasolina. “ A mulher topava qualquer
parada. Mesmo depois de parir corria o trecho comigo. A gente carregava o
barrigudin junto. Seja para pescar ou
catar castanha”, conta.
Rinaldo é cabra de ciência. Sabe de trás para frente
o quanto tem de adquirir de combustível, gelo e mantimentos. Fruto de
conhecimento acumulado ao longo de décadas. Tem as manhãs de que é quando o rio
cobre o ingazeiro que o peixe tá melhor. “ Quando o rio sufoca a várzea tá tudo certo. O peixe fica bonito”,
festeja.
Tatauari, Marajá, Loiro, Socoró, Tarumã e Pixuna, entre outras
espécies integram o cardápio dos peixes, ensina Rinaldo. Aqui conheço tudo.
Corro o trecho: reserva do Paruru, Volta do Mutum, Ilha das Pombas e por aí
vai.
Na viagem vai linha, rede, tarrafa e arpão. O arpão é uma defesa. Se jacaré tá na tua
rede, você cega ele. Tem chovido bem. Mas, ainda não tem fruta caindo.
Um amigo se achega. A pilhéria desenvolve. O amigo é do Amapá. Conta causos de caranguejos e siris. Associam o chupar
caranguejo e siri ao ato sexual de acarinhar a
xota da amada. O cantinho explode em risadas. O pescador tem orgulho de ainda
trabalhar. Esclarece que negócio é só. Não anda de cambada. E, nunca teve
problemas com a secretaria do meio ambiente ou com o Ibama.
Quando necessário, Rinaldo se defende como pedreiro e adora
celebrar a vida. Gosta de cantar. Em nosso prosear recordou de sambas de Chico
da Silva, um poeta de Manaus. Com sucessos gravados entre outros artistas,
por Alcione, a exemplo de Pandeiro é meu nome.
Ao
bater as mãos, Rinaldo relembra entre risos umas estrofes:
Falaram
que meu companheiro
Meu amigo surdo parece absurdo
Apanha por tudo
Ninguém canta samba
Sem ele apanhar
Não
ouviram que seu companheiro
Amigo pandeiro
Também tira coco do mesmo coqueiro
Apanha sorrindo pra povo cantar