quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Sindicato dos docentes da UFOPA lança nota em defesa da democracia


A jovem universidade foi criada durante o governo do PT. Assim como tantas outras em todo o Brasil 

A Direção do SINDUFOPA, vem a público, manifestar a profunda preocupação com o processo eleitoral em curso. Estamos presenciando dentro e fora da Universidade posturas racistas, homofóbicas, incitando um estado de violência, muitas vezes exaltadas e compartilhadas por uma parcela significativa da população brasileira.

Compreendemos que o respeito à diversidade; às mulheres; às etnias indígenas; aos grupos quilombolas; à responsabilidade com a Amazônia; com o fortalecimento da democracia; com uma forma de desenvolvimento socioeconômico, ambiental e cultural; bem como a implementação de políticas sociais que valorizem a população mais pobre, devem estar na pauta do próximo governo.

Reiteramos que, diante das ameaças à liberdade; à democracia; aos cortes de recursos públicos à setores como pesquisa, educação, saúde; das privatizações; da criminalização do ativismo; e, em defesa da região amazônica, totalmente vulnerável aos grandes empreendimentos, não podemos ficar omissos, sem nos posicionarmos contrários a essas ameaças expressas claramente através das intervenções e programa de governo de um candidato que tem se demonstrado fascista e antidemocrático

Neste sentindo, em busca da consolidação da nossa jovem democracia, sugerimos que em 28 de outubro, votemos no projeto político que, em primeiro lugar defenda o avanço e fortalecimento da educação pública em todos os níveis e, principalmente que se comprometa com a Universidade pública, gratuita e de qualidade.


Direção do SINDUFOPA Santarém, 18 de outubro de 2018.

UFOPA - pesquisadores lançam manifesto em defesa da democracia


Carta aberta de pesquisadores/as da Ufopa em defesa da democracia

Nós, estudantes abaixo assinados/as, vinculados/as aos Programas de Pós-Graduação da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa): Recursos Naturais da Amazônia - PPGRNA, Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos - PPGRACAM, Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida - PPGSAQ, Ciências da Sociedade - PPGCS, Educação - PPGE e Sociedade, Natureza e Desenvolvimento – PPGSND, manifestamos o nosso repúdio às manifestações públicas violentas e antidemocráticas vindas dos candidatos Jair Bolsonaro e general Hamilton Mourão,e declaramos nosso apoio à chapa de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila para a Presidência da República.

Jair Bolsonaro (PSL) fez várias homenagens públicas ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex- chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos atuantes na repressão política, durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). O coronel Ustra, em 2008, foi reconhecido pela justiça brasileira como torturador[1]. O referido coronel torturou mulher grávida e levou filhos para ver a mãe sendo torturada. Jair Bolsonaro homenageou o coronel Ustra em pronunciamento na tribuna do Congresso Nacional durante a primeira fase de votação do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef[2]. Depois, em novembro de 2016, ao depor no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, devido a processo aberto contra ele, declarou que Ustra é um herói nacional[3]. Não podemos, jamais, relativizar tais declarações, que, em sua essência, consistem em apologia à tortura.

O candidato do PSL construiu sua trajetória política em direção oposta à defesa dos direitos humanos e à promoção da igualdade de raça, gênero e etnia. Seus discursos incitam a violência contra mulheres, indígenas, população negra, população LGBT. Violência contra pessoas que têm posicionamento político divergente ao seu. Em comício na cidade de Rio Branco, Acre, Bolsonaro pegou um tripé de filmadora e o usou como uma metralhadora de brinquedo enquanto dizia: “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”[4]. Não se trata de ser ou não filiado/a ou simpatizante do Partido dos Trabalhadores, mas achamos inadmissível um candidato que postule a presidência da República de uma das maiores democracias do mundo usar desse lugar de fala para incitar a violência e legitimar discurso de ódio.

Entre as nossas grandes preocupações com esse projeto político antidemocrático está a proposta de extinguir os ministérios do Meio Ambiente e de Ciência, Tecnologia e Inovação e reunir essas pautas no Ministério da Agricultura. No entendimento deles, é preciso acelerar a implantação dos projetos de desenvolvimento que são hoje inviabilizados por ambientalistas e acadêmicos. O plano de governo de Bolsonaro prevê alteração brutal nos processos de licenciamento ambiental para beneficiar os ruralistas e uma forma de produção de alimentos voltada à exportação. Uma das ações prioritárias é desarquivar o projeto do complexo hidrelétrico do Tapajós – projeto esse que foi arquivado pela luta do povo do Tapajós, com destaque para o povo indígena Munduruku. A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA emitiu uma carta dizendo que o meio ambiente está em perigo no Brasil caso Bolsonaro seja eleito[5].

A proposta de extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação vincula-se a concepção explícita no plano de governo de Bolsonaro[6] que as universidades precisam estar alinhadas aos interesses das empresas e formar futuros empresários (ver páginas do plano de governo - 46, 47, 48, 49 e 72)[7]. Por isso, talvez, Bolsonaro queira “extirpar a ideologia de Paulo Freire” da educação pública, para favorecer a transmissão de conhecimento exclusivamente tecnicista em detrimento do conhecimento crítico. Está escrito no seu plano

de governo (p.49):“Os melhores pesquisadores seguem suas pesquisas em mestrados e doutorados, sempre próximos das empresas”. Não é esse entendimento que nós, estudantes de pós-graduação da primeira universidade federal com sede no interior da Amazônia, temos sobre fazer pesquisa. Precisamos ter espaço para a ciência básica e o pensamento crítico.

Igualmente preocupante é a proposta enunciada por Bolsonaro aos meios de comunicação, de transferir recursos do ensino superior para a educação infantil. Essa falsa dicotomia precisa ser rechaçada: são as universidades que formam os professores da educação infantil, e é sobretudo na Universidade PÚBLICA que se produz conhecimento voltado ao desenvolvimento da educação em todos os níveis. Vale lembrar, por exemplo, que, na gestão de Fernando Haddad no MEC, foi implantado o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), através do qual as universidades públicas ofertaram formação superior a milhares de professores da rede pública, colaborando para o desenvolvimento da qualidade do ensino público (inclusive da educação infantil).

A nossa Universidade Federal do Oeste do Pará foi criada em 2009 a partir do Programa de Expansão das Universidades Federais – REUNI. Parte significativa dos/as alunos/as de graduação da Ufopa são indígenas, quilombolas e estudantes de baixa renda que acessaram a universidade e se mantêm nela por meio de auxílio implementado via programas sociais – como o Sistema de Cotas e o Programa Nacional de Assistência Estudantil. Essas políticas públicas de educação foram criadas quando o candidato a Presidência da República Fernando Haddad era Ministro da Educação. Na sua gestão (2005-2012) foram criadas 18 novas universidades federais, 173 campus universitários e 360 unidades dos institutos federais. Foi criado o ProUni (Programa Universidade para Todos) e o número de alunos/as no ensino superior, entre 2003 a 2014, aumentou de 505 mil para 932 mil. O orçamento para a educação quando assumiu a pasta era de R$ 20 bilhões e aumentou para R$ 100 bilhões em 2012, quando deixou o ministério.

É inegável os impactos positivos na vida das pessoas mais pobres desse país com as políticas sociais implementadas nos governos petistas. Mas isso não exime, de modo algum, o Partido dos Trabalhadores de inúmeros erros e equívocos que cometeram. Cada um/a de nós tem diferentes críticas aos governos Lula e Dilma. Não estamos aqui nos posicionando em favor da chapa PT/PCdoB sem críticas a esse projeto político. Porém, confiamos na biografia de Haddad e Manu por se mostrarem fiéis aos princípios democráticos em suas vidas públicas.

Estamos vivenciando um momento grave na história do país. Enquanto estudantes de pós- graduação na Amazônia brasileira, temos obrigação de nos posicionar e lutar contra qualquer tipo de violência, autoritarismo, opressão e supressão dos direitos sociais. NÃO ao retrocesso e ao obscurantismo! Em defesa da educação pública e da democracia, no dia 28 de outubro, votaremos 13!

Santarém, 15 de outubro de 2018


1)     Adria Oliveira dos Santos, PPGCS/UFOPA, RG. 3723717
2)     Aline da Paixão Prezotto Santos, PPGSND/UFOPA, RG 4639211
3)     Antônio José Mota Bentes, PPGSAQ/UFOPA, RG 4331737
4)     Carla Marina Costa Paxiuba, PPGSND/UFOPA, RG 3878825
5)     Carlos de Matos Bandeira Junior, PPGCS/UFOPA, RG 5155363
6)     Cauan Ferreira Araújo, PPGSND/UFOPA, RG 21042114-5

7)     Cristiane Vieira da Cunha, PPGSND/UFOPA, RG 4602913
8)     Dárlison Fernandes Carvalho de Andrade, PPGSND/UFOPA, RG 4818858 PA
9)     Darlisson Fernandes Bento, PPGRNA/UFOPA, RG 5296450
10) Erick Coelho Silva, PPGRNA/UFOPA, RG 5865608
11) Ericleya Mota Marinho Lima, PPGSND/UFOPA, RG 5472035
12) Fabiana Gomes Fábio, PPGCS/UFOPA, RG 17432480
13) Fabio Edir Amaral Albuquerque, PPGSND/UFOPA, RG 3559870
14) Francisco Egon da Conceição Pacheco, PPGE/UFOPA, RG 3886712
15) Glauce Vítor Da Silva, PPGSND/UFOPA, RG 5330327
16) Ib Sales Tapajós, PPGCS/UFOPA, RG 5668918
17) Ítala Tuanny Rodrigues Nepomuceno, mestre em Ciências Ambientais PPGRNA/UFOPA, RG 5783469
18) Kerlley Diane Silva dos Santos, Mestre em Ciências Ambientais PPGRNA/ UFOPA, RG 5277311.
19) João Ricardo Silva, PPGE/UFOPA, RG 5803303
20) Kátia Solange do Nascimento Demeda, PPGSND/UFOPA, RG 3260693
21) Lays Diniz dos Santos, PPGCS/UFOPA, RG 6594389
22) Livia Medeiros Vasconcelos, PPGCS/UFOPA, RG 98002381878
23) Luana Lazzeri Arantes, PPGSND/UFOPA, RG 8634079
24) Lucas Cunha Ximenes, PPGSND/UFOPA, RG 6041790
25) Luis Alipio Gomes, PPGSND/UFOPA, RG 2403867
26) Maike Joel Vieira da Silva, PPGCS/UFOPA, RG 3188506
27) Marcelo Araújo da Silva, PPGCS/UFOPA, RG: 6048431
28) Marcelo Moraes de Andrade, PPGSND/UFOPA, RG 3074791471
29) Marcelo Praciano de Sousa, PPGSND/UFOPA, RG 52.420.497-4
30) Mariana Feijó Flôres Maini, PPGCS/UFOPA, RG 200560126
31) Naiana Marinho de Souza, PPGSND/UFOPA, RG 2002415-0
32) Nery Júnio de Araújo Rebelo, PPGSAQ/UFOPA, RG 5743678.
33) Raimunda Lucineide Goncalves Pinheiro, PPGSND/UFOPA, RG 1334100
34) Raquel Araújo Amaral, PPGCS/UFOPA, RG 2461716
35) Renan Luís Queiroz Rocha, Mestre em Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos/ICTA-UFOPA, RG 5905957
36) Robson Jardellys de Souza Maciel, PPGSND/UFOPA, RG 2047151-3
37) Rubens Elias da Silva, Professor PPGCS/PPGSAQ/UFOPA, RG. 2145756 SSPPB
38) Sueley Carvalho Costa, PPGE/UFOPA, RG. 4792013
39) Terezinha do Socorro Lira Pereira, mestre em Educação, PPGE/UFOPA, RG 2678587
40) Vanessa Leão Peleja, PPGSND/UFOPA, RG 606262-3
41) Victor Martins Guedes, PPGRNA/UFOPA, RG 6431551
42)  Wandicleia Lopes de Sousa, PPGSAQ/UFOPA, RG 262160



Na encruzilhada de incertezas democráticas, Amazônia (s) em xeque


*Em solidariedade aos funcionários do Ibama atacados em Rondônia !


 Foto: Nieves Rodrigues, Curva do "S", Eldorado do Carajás/PA, por ocasião da passagem da data do Massacre de Eldorado/abril/2017

Em solo pátrio, a violência constitui-se como um elemento estruturante na história sobre a disputa pela terra e pelos recursos nela existentes. Antagonismo marcado pela a assimetria de forças econômicas e políticas  num extenso repertório de massacres desde tempos imemoriais, com predomínio do interesse privado, em detrimento do público.

Ao se enquadrar a Amazônia, a violência imprimiu marcas profundas na história da “conquista” da fronteira. Saque marcado por execuções de índios e camponeses, ainda no século XXI. Tais episódios se intensificaram a partir da década de 1960 e ganharam índices alarmantes registrados nos anos da década de 1980.

Anos em que o braço armado dos ruralistas se aglomerou a partir da União Democrática Ruralista (UDR), e disparou um cipoal de chacinas em terras do Bico do Papagaio [sul do Pará, oeste do Maranhão e norte do Goiás,-atual estado do Tocantins], em particular.

Posseiros/as, padres e freiras, advogados foram executados, presos e torturados. Tombaram, entre tantos: Expedito Ribeiro, parte da família Canuto, Gringo, os advogados Paulo Fonteles, Gabriel Pimenta, João Batista e o padre Josimo.

Antes de findar o século XX os massacres de Corumbiara, ocorrido em Rondônia e o de Eldorado dos Carajás, ocorrido no estado do Pará instigaram os centros econômicos e políticos considerados mais desenvolvidos sobre a situação da disputa pelas terras da floresta amazônica.

Na maioria dos casos, a impunidade serve como regra, e incentivo à manutenção da prática. E, assim, em 2005, foi executada Dorothy Stang, em Anapu, no estado do Pará. José Cláudio e Maria Aparecida no projeto de assentamento agroextrativista Praialta Piranheira, na cidade de Nova Ipixuna, também em solo paraense, num maio de 2011.

Já no século XXI, há pouco mais de um ano, no município de Pau D´arco, também no Pará, a PM executou 12 sem terra. Todos os envolvidos estão soltos. Tais eventos de extrema brutalidade são banalizados, considerados como integrantes da lógica do avanço dos tentáculos da lógica do capital sobre o “mundo distante”. 
Tudo pode ficar pior?
A se consagrar a vitória do militar Bolsonaro, tudo pode ficar bem mais grave. A indiferença às instituições, o ódio a negros, mulheres e ao setor LGBT, representações políticas do campo popular, a exemplo do MST, a propagação de um discurso sob a transpiração do ódio e belicista orientam a marcha rumo ao obscurantismo do candidato à presidência da República do PSL. Cada silaba e ato do militar, familiares e seguidores, fere de morte a frágil democracia nacional.

Neste cenário de incertezas, no dia 20, na cidade de Buritis, no estado de Rondônia, na Amazônia, um dos seguidores do presidencial Bolsonaro ateou fogo a três viaturas do Ibama que estavam estacionadas na porta de um hotel, e cumpririam ações de fiscalização contra o desmatamento ilegal. 
O militar tem uma refrega com a instituição por conta de ter sido multado em dez mil reais, ao pescar numa área onde a prática é proibida, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Ele nunca pagou a multa, e ainda apresentou projeto para desarmar os agentes públicos, que rotineiramente sofrem ameaças de fazendeiros e de outros setores por fiscalizarem crimes de desmatamento, biopirataria e tráfico de animais na região.

Sob a mesma atmosfera de insegurança operam os técnicos do Ministério do Trabalho, ao trabalharem contra a prática do trabalho escravo. Ao menos, quando ainda recurso existia para atividade de campo. Incra, Icmbio, Ibama, MPT e Funai padecem de profundos cortes em seus orçamentos no governo Temer, PMDB.

O fato ocorrido em Burutis não é um caso isolado. O processo de integração subordinada da Amazônia tem a grife da violência nas mais variadas vertentes e matizes. Para não chegar até o Tratado de Tordesilhas, lembro a ação terrorista cometida contra agentes do Ibama em 2008, por ocasião da operação Rastro Negro, na cidade de Paragominas no estado do Pará.

A operação visava fiscalizar carvoarias e a exploração madeireira ilegal nas terras do povo Tembé. O saldo foi a sede do instituto em Paragominas incendiada, o hotel onde estavam hospedados os agentes depredado, quatro carros queimados e 14 caminhões com de 400 metros cúbicos madeira roubados.  

Outros atos de ataque a funcionários públicos em várias regiões do estado paraense, como registrado nas cidades de Trairão, Altamira e Santarém. Não tem havido grande distensão sobre os saques contra a região. Mas tudo pode ficar mais grave com uma agenda ultraconservadora.

No pacote de horrores consta: i) uma política orientada a partir do desenvolvimentismo com base em grandes obras de infraestrutura, que busca dinamizar o acesso a recursos naturais e viabilize corredores de exportação de mercadorias [eixos de integração],  ii) flexibilização das leis para possibilitar acesso a territórios tradicionais de indígenas e quilombolas por empresas do grande capital, iii) criminalização dos movimentos sociais, iv) desmonte de instituições públicas e privatizações, entre outras agendas.

Mais do que nunca, urge a necessidade de organização e mobilização dos setores do campo democrático e popular. Invocar o espirito e a sabença dos povos das (a) Amazônia (s) para cerrar fileiras em defesa de todxs. Como dizia o posseiro na peleja da luta pela terra na década de 1980, “Quem morre calado é sapo debaixo de boi!”.   

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Crime de Mariana/MG das mineradoras Vale e BHP Billiton soma três anos em novembro, Charles Trocate, do MAM, avalia a quebra de braço entre atingidos e as empresas

Charles Trocate da coordenação nacional do MAM Fala do crime da SAMARCO, VALE/ S.A, e BHP BILLITON, em Mariana, no estado de Minas Gerais, que em 5 de novembro de 2018 completa 3 anos!


Paracatu de Baixo - comunidade atingida pelo rompimento da barragem do Fundão. Milhares de vidas destruídas - Foto: Rogerio Almeida/2018

Furo- Qual o significado do rompimento da Barragem de Fundão em Mariana que dia 5 de novembro completa 3 anos?

Charles Trocate - Primeiro que se trata de um crime e o seu significado é de completa impunidade e se destaca, nesse cenário hostil aos direitos societários dos afetados pelo rompimento, pelas similitudes de outros crimes que vai do abrandamento das  punições pelas postergações que as empresas envolvidas Samarco, VALE/S.A e BHP Billiton, tem conseguido no decorrer desses três anos no ministério público e no judiciário.

Por outro lado,  as empresas envolvidas reclamam e exigem sem nenhum outro senso de responsabilidade pelo crime de Mariana as licenças para o reinício das operações em nome da economia de mercado e da fome de dinheiro dos acionistas para o início do ano 2019. Para isso contam com a negligencia política das autoridades estatais para a resolução de um problema importante da sociedade, de um problema que nos liga ao sistema mundo de produção de riquezas, a exportação de matérias-primas. A sofisticada economia industrial do centro do mundo capitalista está diretamente ligada à tragédia ao seu redor!

Além disso poderíamos enumerar para responder à pergunta um conjunto de significados dentro de uma razoabilidade. A de que estamos tratando de um setor da economia global em guerra ecológica contra aspectos geológicos e formações sociais de longa duração, como os índios e seus territórios consagrados históricos e em algumas regiões as populações quilombolas como expressão viva dos desdobramentos do nosso passado, de natureza colonial e escravocrata. Essas formações históricas possuem território, pequenas cidadelas, vilas, agrupamentos e estão em muitas cidades interioranas e organizam suas economias de pequena escala sem concorrentes ideológicos que os destrua com lógicas de rupturas céleres, como é o caso da implementação do circuito da produção mineral em larga escala, que por um lado gera impactos estruturantes imediatos e ao mesmo tempo elimina as outras formas de economias, se absolutizando como a máxima expressão de desenvolvimento e progresso. Comprando para isso o imaginário social, da inevitabilidade da mineração.

Catástrofes ou crimes políticos e/ou técnico-científicos numa primeira análise, como é do 5 de novembro de 2015, aprofundam os mecanismos da minério-dependência, quando a sociedade de modo geral é levada a aceitar o único consenso possível dessa guerra, lucro da empresa de um lado (incluso, burlando as leis e os tribunais) e os prejuízos ecológicos ambientais repartidos para a sociedade, sobretudo com os mais pobres, como é o caso das vítimas do esparramento do rejeito da barragem de Fundão que não só perderam um lugar, mas o sentimento de um lugar. Desse ponto de vista poderíamos citar estes dois movimentos dentro desse processo, a minério-dependência com toda força, dividindo inclusive a sociedade com o discurso de que as tragédias são o “custo a ser pago” pelo progresso e sobretudo pouca efetivação jurídica para o crime de projeção, não só porque envolve, nesse caso as maiores corporações do setor VALE S.A. e a BHP Billiton, mas porque sendo Minas Gerais um dos estados mais minerados do país, em números de minas em funcionamento, essa catástrofe implicou em perca de biodiversidade e territórios agrários, de pequena e média propriedade como também colocou em risco a segurança hídrica de milhões de habitantes das cidades ao longo da bacia do Rio Doce. Sem falar em percas até agora indescritíveis.


Furo- É possível estabelecer uma visão panorâmica desse acontecimento?

Charles Trocate -O panorama é de desalento total, ainda que haja na nossa história país afora inúmeros crimes ambientais, como são os vazamentos da Norueguesa HYDRO, lançando em três décadas artefatos poluentes que contaminaram as aguas profundas da região de Barcarena, no Pará. tornando impróprias para qualquer tipo de atividade humana, sendo o último vazamento nos meses de fevereiro e março desse ano. O crime da Samarco, VALE/SA e da BHP Billiton em Mariana (MG) é emblemático e teríamos que sair dele com algo mais civilizatório do ponto de vista das leis que regem o setor no Brasil, o que não ocorreu. Levadas à votação em dezembro de 2017, foram  feitas duas medidas provisórias que definiram a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) e as novas alíquotas por minérios, da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) e um conjunto de modificações que atende à dinâmica dos investimentos minerários, numa liberalização total. Ainda, o mundo do trabalho, e o mundo do trabalho da mineração já haviam sidos golpeados com a reforma trabalhista!

A recusa que havia mencionado tem como elemento, o conservadorismo estrutural resultado do golpe de agosto de 2016 e a manipulação sistemática do crime, pelas corporações midiáticas a partir de grandes contratos de propaganda. E é importante chamar a atenção que não conseguimos tirar lições da tragédia e nem levar até as últimas consequências, no sentido de evitar pela lei a antropofagia da empresa mineral, que mata tudo ao seu redor: natureza e força de trabalho, laços comunitários entre outras coisas replicada em larga escala. Um outro motivo desse desalento é que esse marco tem como base conjuntural as eleições de 2014, quando as empresas financiaram e foram determinantes para a eleição de vários governadores, senadores e deputados, onde ficam seus investimentos, com destaque para o Pará, Minas Gerais, Goiás e Bahia, além de ser decisiva para a eleição de 193 deputados federais, de inúmeros partidos! É a consagração do poder das elites predatórias

E esse desalento é mais perverso se considerarmos o ambiente ideológico da sociedade brasileira de pós-golpe, quando as vésperas de decidirmos as eleições no Brasil, apenas três candidatos trouxeram em seus programas de governo propostas para o setor! De qualquer forma a mineração já se configura como o conflito dessa e das próximas décadas, senão mudarmos a rota, da qual ela está implicada interno e internacionalmente!


 Furo - Três anos depois o que aconteceu para tentar ressarcir os inumeráveis prejuízos que o rompimento causou?

Charles Trocate -Nada, decisivamente nada. Toda a bacia do Rio Doce é um território conflagrado, cindido entre o antes e o depois da tragédia. Se optou primeiramente por judicializar o crime e perdemos, os TAC´S (Termo de Ajustamento de Conduta) funcionam contraditórios aos interesses dos despossuídos de biodiversidade e sociabilidade que a tragédia política ocasionou. Depois, os esforços de sair da tragédia, de ressarcir os prejuízos materiais, casa, terra e outras dimensões da economia dessas populações tem sido exercício de penúria.

A decisão da SAMARCO, VALE/SA e BHP Billiton e da Fundação Renova criada para se envolver nos problemas é precaríssima. Ou seja, o ritmo, que implica decisões com todos é talvez o maior dos problemas e isso tudo se configura em ambiente bem antidemocrático, a voz dos que estão sem nada é a apenas um eco contestado. Estão precisando que a sociedade faça pressão política para que o problema vá se resolvendo. Do ponto de vista mais geral, o prejuízo ecológico de desperdício de natureza com a poluição da terra e da água por exemplo, levará anos, e claro se a sociedade estiver atenta para sugerir alternativas ao resultado da tragédia e ajude a impor limites ao modelo mineral. Em entusiasmo é que teremos muitas lutas pela frente! 

E deste ponto de vista, as marcas da mineração, para além do “desenvolvimento e progresso”, “cantado em verso e prosa” pelos capitalistas do setor, demostra que o rompimento da Barragem de Fundão é um espaço de análise e reflexão e tomada de decisões institucionais.  E um dos muitos setores da sociedade que lançaram olhar e preocupação é importante destacar os movimentos populares que seguem se esforçando para nacionalizar um ponto de vista e a universidade ao redor, cujo estudo sistematizado tem  animado reflexões importantíssimas no país e mundo afora. O rompimento da barragem de rejeito de Fundão em Mariana é um conflito moderno de uma lógica abismal do capital e é muito importante assegurarmos não só reflexões mas lutas interessadas, que se sobressaiam sobre este bem finito aspectos soberanos juridicamente e de soberania popular com todos e todas ajudando a decidir o usufruto dos bens naturais.

Mas no fundo a sociedade mineira, que aceita a mineração nesses termos ditados pela VALE S.A., SAMARCO e BHP Billiton e suas empresas associadas, não está preparada para desvelar a sua real situação de sequestro de destino, e isto vale para as muitas regiões mineradas do país.

Furo- É possível mencionar um itinerário dessas tragédias?

Charles Trocate- Se persisti esta forma de uso dos recursos geológicos viveremos um holocausto ambiental. Dizem os especialistas e estudiosos da questão que nos últimos 100 anos tivemos inúmeros rompimentos de barragem de rejeito no mundo, ou seja, já há um enorme entendimento entre os ideólogos da indústria mineral que ela só se realiza produzindo efeitos, que na grande, mas grande maioria mesmo são socializados apenas com os pobres, da África e América Latina, onde ocorreram a maioria dos rompimentos. Além disso, extensão de territórios afetados por esses rompimento vem crescendo porque com o crescimento da extração cresceu também a geração de rejeitos.

Mas no caso brasileiro, o itinerário, ou seja o caminho dessa tragédia anunciada é o período de super ciclo da mineração ou o boom das comodities, dos anos de 2003 á 2012 . O que as mineradoras ganharam não tem precedentes, sair de uma participação de 1,5% para 4,6% do produto interno bruto (PIB) é algo fenomenal. Os custos disso vieram depois, com a queda do preço da tonelada de ferro, o que exigiu uma reestruturação produtiva, implicando em precarização do mundo do trabalho da mineração, flexibilização das leis ambientas e o que é o resultado de tudo isso, pouquíssimos investimentos em infraestrutura, nas minas, nas barragens de rejeitos e em equipamentos. A rodagem da mina não parou pois busca-se compensar a queda do preço com o aumento da produção, a mineração quase que dobrou em intensidade!

Por isso vivemos atordoados com as notícias que chegam todos os dias : as tragédias de alguma forma ligada à mineração. É possível mencionar vazamentos em barragens de rejeitos de mineração de 2015 para os dias atuais, em sua grande maioria no estado de Minas Gerais[H6] , além do risco presente de novos rompimentos em outras barragens.

Furo- Isto explica a vulnerabilidade do sistema de mineração no Brasil?

Charles Trocate - A pergunta é o que respalda o incontrolável poder das empresas mineradoras? A rigor nós temos uma dupla situação e uma variável de contornos específicos. A primeira a considerar é que não há quem controle a renda mineral, fora dos desígnios do próprio capitalista.

Por isso, o descompasso de regiões com formações geológicas – e o sistema de produção mineral, mina, circulação e exportação- é introduzida ao mundo caótico da administração da pouca renda que lhe compensa. Ou seja, a renda da mineração obtida pela arrecadação da CFEM retroalimenta um sistema de desigualdade através dos governos locais, que apostam tudo em grandes contratos e contribuem ainda mais para a estratificação social, gerando e muitas vezes se associando às elites predatórias. O dinheiro não ajuda a eliminar a pobreza porque não chega na pobreza, fica em muitas antessalas do sistema.

E junto com isto está deliberadamente como ponto inaugural, do que veio se tornar a mineração no Brasil, a inserção fiscal para os grandes projetos de mineração na implementação e nas exportações. A existência da lei Kandir é talvez o disfarce jurídico mais eficaz de apropriação por roubo de um recurso finito da sociedade brasileira.
Como dito no início da entrevista, estas formas de saque e apossamento estão explícitas em crimes das empresas de mineração, como é o caso, do maior deles, em Mariana, outros aspectos estão secundarizados por este, e que sintetizam que a mineração tem como marca nas regiões e nos país o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. Poderíamos enumerar outros aspectos, mas esse como já mencionei corrobora exemplarmente!

Nada pode ser relativizado e é importante chamar atenção para o dia 5 de novembro o seu trágico significado, e que aos poucos a sociedade vá delimitando o poder das mineradoras por contestação popular. Como é caso do Movimento pela Soberania Popular na Mineração-MAM, que começou a exigir a revisão da Lei Kandir e o uso democrático do CFEM nos municípios minerados. Já é um começo, porque é histórico o imobilismo popular na precisão desse conflito, que atormenta em maior ou menor grau a nação!