terça-feira, 7 de maio de 2019

Indígenas, quilombolas e extrativistas se unem em defesa dos rios da Amazônia


Evento organizado pelo Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), Xingu Vivo e UFOPA  ocorreu na cidade de Santarém, irrigada pela maior bacia hidrográfica do mundo, na unidade Amazônia da universidade





Santarém, oeste paraense ou Baixo Amazonas, Amazônia Oriental.  As águas do rio Tapajós afrontam a cidadela da cidade. Os barcos que fazem o transporte para outros municípios estão rente ao asfalto. O rio Tapajós é um dos veios do Amazonas. Trata-se da maior bacia hidrográfica do mundo. É tempo de chuva. 

Estas paragens, cheias de gentes, integra a agenda de desenvolvimento orientada a partir de eixos de integração, onde predomina a geração de energia, o modal de transportes (rodovia, hidrovia e ferrovia), portos e a comunicação na escala da América do Sul.

A ser consolidado o conjunto de megaempreendimentos, a tendência é modelar a região num corredor de exportação de commodities, com a hegemonia de grãos do Brasil Central. Soja em particular.

O Baixo Amazonas abriga um significativo mosaico de unidades de conservação e sítios arqueológicos que guardam uma ancestralidade pré-colombiana, com registros de mais de 11 mil anos da presença humana na Amazônia, a exemplo da Caverna da Pedra Pintada, localizada no município de Monte Alegre.

Tais dinâmicas e cenários ainda carecem de investigações cientificas para conhecimento da humanidade.  Elas estão na mira dos empreendimentos.

Soma-se ao quadro que ameaça a sobrevivência das populações originárias, o avanço político do setor ruralista, a revisão de leis que salvaguardam alguns direitos, o desmonte das instituições estratégicas a elas ligadas, a exemplo do Icmio, do Ibama, da Funai e do Incra.

Como dantes, as populações ancestrais e suas respectivas territorialidades, saberes e modos de reprodução dos vários campos (economia e cultura) são desconsiderados.

A conjuntura acima fez parte da agenda de seminário organizado pelo Fórum da Amazônia Oriental (FAOR),  Xingu Vivo e a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), celebrado nos dias 27 e 28 de abril, em Santarém, na na unidade Amazônia da universidade. Entre quilombolas e indígenas a instituição abriga um conjunto de 800 discentes.

O seminário integra a pauta do projeto Mãe D´água, onde convergem mulheres indígenas, onde constam a Associação Wakomboru (Munduruku), Associação Parerip (Munduruku do Médio Tapajós), Conselho  Indigenista Tapajós Arapiuns, Conselho Gestor do Povo Ka´apor, Guerreiras da Floresta (Guajajara) da TI Caru.   

Indígenas, quilombolas e extrativistas da comunidade ribeirinha de Montanha e Mangabal somaram bandeiras num debate sobre as ameaças que pairam sobre os rios da Amazônia. Comovente ver a mesa de uma universidade pública ocupada predominantemente pelos representantes Munduruku,  Borari, Kaxuiana, Kurnaruara do estado do Pará e Gujajara, Ka´apor  oriundos do Maranhão, ladeados por quilombolas ameaçados pelo projeto de construção de um complexo portuário do Lago de Maicá, na cidade de Santarém.

A luta em defesa territorial dos moradores de Montanha e Mangabal a partir da autodemarcação aglutinou indígenas e beiradeiros contra grileiros, madeireiros, garimpeiros e palmiteiros é uma referência sobre enfrentamento popular na região.  

Falas dos representantes dos povos, apresentação de pesquisas dos discentes indígenas e quilombolas que investigam a implantação de grandes projetos na região, intervenção de professores, e de representantes dos Movimentos Tapajós Vivo e do Xingu Vivo fizeram parte das dinâmica dos dias de diálogos.

A representante Munduruku, Alessandra, a que se impôs ante uma reunião com o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia foi uma das palestrantes.  Ela fez um inventário das ameaças que vivem os indígenas do oeste paraense, onde enumerou os garimpos, a construção de centrais hidroelétricas, rodovias, hidrovias, ramais de estradas, grileiros, empresas de loteamentos e os projetos que buscam findar as atividades do Incra e Funai. Vídeo

“O que o governo tem apresentado a nós é um pacote de morte. Há anos brigamos pelo reconhecimento de nossos territórios, e o avanço é bem pequeno. O governo não entende e não respeita que cada povo tem seu modo de vida, o seu modo de lutar e viver”, enfatizou Alessandra.

A dirigente comunicou que o governo projeta a construção de 43 usinas hidroelétricas na região. Sobre a Teles Pires, conta que “a usina já provoca a morte de nossos peixes. A empresa alterou o modo de vida nosso povo que vive dos rios e das florestas. Isso afeta a nossa sobrevivência”.  A usina erguida na fronteira do Pará como Mato Grosso opera desde 2015 sob o controle das empresas Eletrosul, Furnas Odebrecht e Neoenergia.

Alessandra alerta para a ação das empresas que sem permissão dos povos tendem a fotografar e filmar os mesmos e usar os registros para legitimar audiências e o endosso dos empreendedores.  “A gente precisa intensificar o nosso trabalho de educação de base e protagonizar pesquisas para que o nosso povo não seja enganado”, finaliza a Munduruku.

Daniela Pinto, quilombola e estudante da UFOPA advertiu sobre os impactos que os moradores do Lago do Maicá vem sofrendo com o anúncio do projeto, e os embates já travados entre os moradores e a Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps). “Nosso povo está adoecendo e já notamos o consumo de drogas em nossa comunidade. Este modelo de desenvolvimento é insustentável”, salienta a estudante, que defende a necessidade de união entre indígenas e quilombolas para o enfrentamento das ameaças dos grandes projetos.

Marize Guajajara, do território indígena Caru, localizado no município de Bom Jardim no estado Maranhão alertou sobre os riscos da PEC 215, que revisa o reconhecimento dos territórios quilombolas. A estratégia visa transferir para o Congresso Nacional a responsabilidade da demarcação dos territórios ancestrais.

A TI Caru, como outros territórios indígenas, quilombolas e campesinos nos estados do Pará e Maranhão são impactados pela Estrada de Ferro de Carajás (EFC). A EFC passa por um processo de duplicação, assim com o Porto do Itaqui, na cidade de São Luís, por conta demanda de minério pelo mercado asiático.

LEIA A CARTA DO SEMINÁRIO AQUI