terça-feira, 30 de julho de 2013

Raimundinho - seis décadas de estradas, rios e lutas


Hercúleas são as grandezas amazônicas, rios, biodiversidade, gentes, conhecimento, alegrias e tristezas. E como tem gentes no vasto universo Amazônico. Anônimos, invisibilizados, arrancados da horizontalidade do cotidiano por conta de tragédias, como os massacres, ou algum feito raro, fora do comum, tal o do atleta especial Alan Fonteles.

Tem gentes na Amazônia. Um montão. Um mundo de gentes a contrariar a correnteza do rio da brutalidade do capital e do autoritarismo do Estado. O par impõe uma lógica baseada em mega projetos para a região, homogeneíza e expropria as populações nativas, devasta a floresta, detona os rios, barrancos, e mais que tudo, vidas, histórias e conhecimentos ancestrais.

No vasto mundo das terras dos Carajás tem um mundo de gentes teimosa. Uma pororoca de Raimundos, a cruzar o Tocantins, o Araguaia e Itacaiúnas. Nestes dias um deles soma seis décadas de trecho. O bravo nordestino tem o sobrenome Gomes da Cruz Neto, entre os pares tratado somente de Raimundinho.

A baiana Angelina é a corda da caçamba do piauiense Raimundinho. Thiago e João são os filhos biológicos. E sei lá quantos outros adotivos passaram pela asa do casal. Vítor é o neto. Raimundinho tem um monte de irmão. Conta com pai e mãe ainda hoje. Na casa do agrônomo e sociólogo nunca falta abrigo a um trabalhador rural ou urbano, um ativista ou dirigente popular. Algum pesquisador ou jornalista. Ainda que seja de meia pataca, como eu.  

Tantas vezes ali fiz pouso, filei boia e pinga, falei bobagens, ouvi canções, desafinei o canto do trovador Peixinho, mexi com moças... O “comandante”, como tratam os mais jovens, comporta no corpo franzino um grande coração.  Ao seu jeito externaliza generosidade aos que ali buscam uma ajuda para tentar compreender a complexa região de Carajás, ou com quem cruza pelos bares ou encontros e desencontros da vida. 

O educador de cabelo black é do tempo da Guerrilha do Araguaia. Tem história para contar. Foi de partido clandestino nos tempos da ditadura. Pós milicos, ajudou a organizar sindicatos urbanos e rurais, refundar partidos, ONG´s, fóruns e coisa e tal. Incentivou publicações e panfletos.

Passei uns dias nas terras dos Carajás ao lado do educador. Dele nunca ouvi conselho. Seria o exemplo da coerência política e a opção pela base a lição do nordestino; ao contrário de muitos parceiros da antiga, que encontraram ou se perderam por outras veredas, corredores, palácios e catedrais?

As seis décadas de estrada não o impedem de encarar as esburacadas e arriscadas rodovias federais e estaduais, até aportar nas quebradas do Xingu, em São Félix, para ter dedo de prosa com as populações ameaçadas pelos projetos da Vale e de outras empresas. Vai de van, onde o carro não pode alcançar encara moto, barco, burro ou vai a pé.

Outro dia Raimundinho fez um monte de gente chorar. E como o povo chorou quando Raimundinho tombou na orla cidade de Marabá. Sobrou lágrima para tudo que foi lado. Mais de uma cerveja e desatenção o levaram ao chão. Machucou cabeça, costelas....não sei se ferido saiu o coração...

Marluze Pastor, o camponês Manoel Conceição, as quebradeiras de coco babaçu Querubina do Maranhão e Raimunda do Tocantins, a educadora Rosa Acevedo, o ativista Jorge Néri, a jovem socióloga Rosemary Bezerra, o comandante Raimundinho são algumas pessoas que povoam o pensamento quando as coisas não estão lá muito bem, e tudo parece perdido.

Assim como vários padres da antiga, entre eles Roberto de Valicourt, o ativista Emanuel Wamberg (Manu), o pesquisador belga Jean Hébette, e tantas outras gentes, Raimundinho tem o nome cravado na história dos povos das terras dos Carajás.

Cá, distante mais de 500 quilômetros, envio as parcas e porcas linhas como manifestação de apreço e admiração.  Até a vitória.